sábado, 31 de janeiro de 2015

BDpress #454: GRANDE PRÉMIO DE ANGOULÊME PARA KATSUHIRO "AKIRA" OTOMO



GRANDE PRÉMIO DE ANGOULÊME 
PARA KATSUHIRO "AKIRA" OTOMO


Público online, 30/01/2015 
Joana Amaral Cardoso 

O CRIADOR DA INFLUENTE MANGÁ É O PRIMEIRO JAPONÊS A RECEBER O MAIS IMPORTANTE PRÉMIO DO FESTIVAL QUE ESTE ANO TEM A SUA “EDIÇÃO CHARLIE HEBDO”.

Katsuhiro Otomo e o primeiro número de Akira em 2014, quando foi agraciado pelo governo francês 

Na “edição Charlie Hebdo” do Festival de Angoulême, o importante encontro de BD deu pela primeira vez o seu Grande Prémio a um autor de mangá: o japonês Katsuhiro Otomo, autor da série de culto Akira.


A 42.ª edição Festival Internacional de Banda Desenhada de Angoulême, que arrancou quinta-feira, está já marcada pela criação de um Prémio Charlie da Liberdade de Expressão e pela já anunciada atribuição do Grande Prémio Especial à redacção do jornal atacado no dia 7. E quinta-feira assim foi: prémio para os sobreviventes do atentado que vitimou 12 pessoas, entre os quais os desenhadores Cabu, Wolinski, Charb, Honoré e Tignous, e seguido da estreia da mangá no principal galardão de Angoulême para Katsuhiro Otomo.

A atribuição deste prémio representa o reconhecimento não só da carreira prolífica de Katsuhiro Otomo, já condecorado pelo governo francês em 2005, mas também da BD de origem japonesa, que representa um quarto das vendas de BD em França. Em 2013, o belga Willem recebeu o Grande Prémio, mas o Prémio Especial no 40.º aniversário do mais importante evento de BD da Europa foi para o pai de Dragon Ball, o japonês Akira Toriyama. As decisões foram polémicas (uma votação expressiva no japonês, dos desenhadores acreditados no festival e uma decisão superior do júri pelo nome que mais (re)conhecia) e agora, dois anos depois, Angoulême faz um statement: abre o topo do seu palmarés à importante escola de BD japonesa.

"Tudo está perdoado", escreve o diário francês Libération, numa referência à capa do Charlie Hebdo dos sobreviventes no pós-atentado, e o Festival olha para lá do Ocidente e reconhece a mangá. O prémio para Otomo, que também estava na lista a votação para o Grande Prémio em 2013, é o quinto não-europeu em 42 anos de Festival.

O criador de Akira, bem como da sua adaptação ao cinema (1988), venceu então o Grande Prémio do Festival de BD de Angoulême depois de ter sido considerado favorito em 2014 – ano em que foi batido por Bill Waterson, o criador de Calvin e Hobbes que este ano, como é tradição, preside ao evento e em que, como é habitual no criador norte-americano, se mantém ausente e à distância dos media. Um mangáka – a expressão japonesa que descreve o autor de cartoon e que fora do Japão é usada para identificar os autores de mangá – que publicou o seu primeiro trabalho em 1973 e que continua a trabalhar, tendo anunciado em 2012 que está a começar uma nova série de mangá, a primeira de longa duração desde Akira.

Um prémio carreira aos 60 anos para o criador de quase 20 mangá que trabalha também como realizador de cinema de animação e de acção real, além de ser também argumentista, e que criou uma Tóquio (Neo-Tóquio) pós-apocalíptica centrada na figura dos jovens Tetsuo e Kaneda e do mítico e misterioso Akira que se tornou numa das séries de BD mais admiradas em todo o mundo. "Em termos de desenho, é intocável", descreveu numa entrevista o japonês Masashi Kishimoto, autor do popular Naruto. "Otomo desenha com uma máquina fotográfica na cabeça."

Akira ganhou cinco vezes o Prémio Harvey, votado por desenhadores de todo o mundo. E este Grande Prémio de Angoulême é para a carreira de Katsuhiro Otomo, mas é para Akira. “A fresca desmesura de Akira fascina não só pelo seu tema, pelas suas personagens, ambientes e gosto omnipresente pelo desenho, mas também pela sua excepcional exigência estética, que a converteu quase instantaneamente, desde a sua publicação, numa obra de culto”, diz a organização do festival, que confirma a “influência considerável em todo o mundo” das mais de duas mil páginas de desenho surpreendente.

Tudo começa em 1982, com uma explosão que destrói Tóquio e que parece começar a III Guerra Mundial. Em 2019, a cidade reergue-se numa ilha artificial. E de repente estamos em 2030 e na esteira da guerra. Gangues de adolescentes, rebeldes e militares, além de grandes questões sociais, políticas e psicológicas subjacentes, medem forças numa cidade high-tech em cinzas. A obra cyberpunk escrita e desenhada pelo mestre japonês que se estreou em 1982 e foi publicada até 1989/90 em seis grandes volumes. A preto e branco e lida no sentido oposto ao ocidental. Akira seria depois colorizado (versão americana) e tornar-se-ia depois anime, uma adaptação ao cinema de animação celebrada não só pela sua qualidade mas pelo papel que desempenhou na divulgação destas artes visuais japonesas no Ocidente. E também marcou uma viragem no trabalho do seu autor, que passou a dedicar-se mais ao anime. Akira chegaria aos EUA no ano da estreia do filme, em 1988, editada pela Epic Comics, uma chancela da Marvel, e depois pela Dark Horse; em Portugal foi editado pela Meriberica Liber em 1998.

ALGUMAS FOTOS DO 42º ANGOULÊME:


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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

BDpress #453: QUEM TEM MEDO DE "CHARLIE"?

QUEM TEM MEDO DE "CHARLIE"?

Caríssimos amigos, agora que está a decorrer o Festival de Angoulême – e como não podia deixar de ser – sob o signo “Je Suis Charlie” e que vai atribuir um Prémio para a Liberdade de Imprensa, não podemos deixar de falar de “Charlie Hebdo”, continuando a republicar em “BDpress – recortes de imprensa” aquilo que de relevante se vem escrevendo nos nossos jornais sobre o tema. Hoje é um excelente texto de Pedro Mexia, na nova revista E do Expresso, exactamente sobre o significado da Liberdade de Imprensa, amanhã será um texto de José Marmeleiro, publicado no jornal Público sobre toda esta questão: “Charlie” e a liberdade total de dizermos – e publicarmos – o que pensamos. Tenham paciência, mas o crime contra o “Charlie Hebdo” foi gravíssimo (mais que não seja foram 12 pessoas mortas) e temos que continuar a falar sobre tudo isto. Inclusivamente publicaremos, um dia destes um texto sobre os problemas que estão por detrás destas movimentações criminosas jihadistas, que têm a ver mais com um défice da civilização islâmica do que da religião...

Revista E do Expresso, 24 Janeiro 2015-01-30
Pedro Mexia

UMA VERDADEIRA LIBERDADE DE IMPRENSA, OU LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM GERAL, É UMA LIBERDADE SEM "MAS"

Quando surgiu o "Je suis Charlie", imediatamente após a matança dos jornalistas em Paris, era fácil entender que esse sílogan significava "eu defendo a liberdade de expressão". Milhões de pessoas de todas as ideologias fizeram sua essa frase, tanto nas manifestações como online. E não havia milhões de pessoas que lessem ou conhecessem o "Charlie Hebdo". O "Charlie" é um jornal satírico de esquerda libertária e soixante-huitard, violentamente hostil ao bom senso e ao bom gosto, às autoridades e à deferência, às instituições e às religiões. As manchetes e os cartoons do "Charlie" pertencem a uma tradição iconoclasta ou desbragada, que em França vem da poesia dos goliardos, de Rabelais, da literatura de cordel, do caricaturista Daumier, das afrontas surrealistas e situacionistas ou das canções de Brassens e Gainsbourg. Herdeiro do "Hara-Kiri", o jornal "bete et méchant" proibido por Pompidou, o "Charlie" ofende todos os quadrantes, embora tenha especial gosto num anticlericalismo ecuménico, que também é uma tradição gaulesa.

Quase toda a gente percebeu que "ser Charlie" é invocar o direito a escrever, desenhar e publicar aquilo que se queira, com as excepções de difamação ou de injúria previstas na lei penal. Não significa, de todo, concordar com a linha editorial do "Charlie". Mas houve quem se fingisse desentendido, quem fizesse fine bouche, quem censurasse a "amálgama", a "hipocrisia" ou o "sentimentalismo". E houve quem garantisse que a liberdade de expressão tem limites, um dos quais é a ofensa às religiões.

Há quatro décadas, em 1976, um acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desfez esta última mistificação: "(...) a liberdade de expressão vale não apenas para as informações ou ideias acolhidas com fervor ou consideradas inofensivas, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam o Estado ou uma qualquer fracção da população. Assim exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não há sociedade democrática". É uma formulação de uma clareza meridiana e de uma intransigência total, que alegraria Benjamin Constant, liberal oitocentista que sustentou que sem uma verdadeira liberdade de imprensa as outras liberdades ficam severamente diminuídas.

Uma verdadeira liberdade de imprensa, ou liberdade de expressão em geral, é uma liberdade sem "mas", uma liberdade que inclui, e que inclui forçosamente, a insensatez e o mau-gosto, a invectiva e a blasfémia, o asco e o gozo. Uma liberdade onde os ofendidos podem contestar, protestar, ou recorrer aos tribunais. Mas uma liberdade a que se responde em liberdade. Victor Navasky, director emérito da revista progressista "The Nation", e autor de "The Art of Controversy: Politicai Cartoons and Their Enduring Power" (2013), explicou há dias que um cartoon é de certo modo "irrespondível", e que isso assusta os intolerantes. E "The Economist" sublinhou em editorial que "mesmo quando uma imagem ou opinião é imprudente ou de mau-gosto, não deve ser proibida, excepto se incite directamente à violência".

A crítica às religiões, ainda que violenta, é uma liberdade à qual as pessoas religiosas (como é o meu caso) têm de se conformar, se for demasiado pedir-lhes que a aceitem. E o mesmo vale para os multiculturalistas, que só respeitam as religiões "dos outros". Ou para quaisquer outras convicções, respeitáveis mas criticáveis. Lembrou "The Economist" que há um mundo de diferença e séculos de pensamento «político liberal entre ficarmos ofendidos e eliminarmos quem ofendeu». Dizer "eu sou Charlie" é defender essa diferença.


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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

INICIA-SE HOJE O 42º FESTIVAL INTERNACIONAL DE BD DE ANGOULÊME


 INICIA-SE HOJE O 42º FESTIVAL INTERNACIONAL DE BD DE ANGOULÊME


Apresentamos aqui o “cardápio” de algumas das exposições, recebidas via “dossier de imprensa”. Claro que o Angoulême 2015 acabará por ser também uma homenagem ao Charlie Hebdo. Acrescentamos um texto publicado no jornal Público, adaptado cronológicamente por nós, escrito por Joana Amaral Cardoso e publicado em 13/01/2015 aobre a criação do Prémio Charlie da Liberdade de Expressão – portanto este post do Kuentro é também um BDpress.

ANGOULÊME CRIA PRÉMIO 
CHARLIE DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

por Joana Amaral Cardoso
Público, 13/01/2015

Bill Waterson desenhou o cartaz da 42.ª edição do festival, mas o Charlie Hebdo vai ser a grande imagem do evento.

Começa hoje mais uma edição do Festival de Angoulême, um dos mais importantes eventos mundiais dedicados à banda-desenhada, mas esta não será uma edição qualquer. É a edição que acontece no mesmo mês em que mataram Cabu, Wolinski, Charb, Tignous e Honoré. E por isso e pelo ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo, em que morreram 12 pessoas, entre as quais os cinco importantes desenhadores de imprensa e outros três trabalhadores do semanário, Angoulême criou o prémio “Charlie da liberdade de expressão”.

A 42.ª edição arranca hoje, dia 29 e prolonga-se até 1 de Fevereiro com um cartaz desenhado por Bill “Calvin e Hobbes” Waterson, que deveria também presidir ao evento, depois de ter vencido no ano passado o Grande Prémio do Festival mas que anunciou que vai respeitar a sua tradição da discrição e não estará presente. Georges Wolinski, Grande Prémio de Angoulême 2005, vai ser recordado com Cabu, Tignous, Charb e Honoré através do novo galardão, criado dia 8 passado numa reunião de urgência na sequência do ataque à redacção do Charlie Hebdo.

O prémio, segundo o Le Monde, deve ser entregue anualmente a um desenhador de imprensa ou de banda-desenhada que se tenha visto impedido de exercer a sua profissão em liberdade plena. E tem data de validade. “Este prémio deve deixar de ser atribuído no dia em que todos os ilustradores do mundo se possam expressar livremente”, segundo o director-geral do Festival, Franck Bondoux. Na cidade francesa, haverá também tempo e espaço para recordar o trabalho dos desenhadores caídos. “A edição de 2015 será tempo de memória, de resistência, de debate sobre a liberdade de expressão, e de reagrupamento”, disse à AFP.

Plantu, célebre cartoonista do Le Monde, vai criar o cenário para um “concerto desenhado” de Areski Belkacem, que reunirá desenhadores de todo o mundo. Mesas redondas sobre a liberdade de imprensa, as melhores capas do Charlie Hebdo e concursos em torno das criações dos desenhadores mortos pelos irmãos Chérif e Said Kouachi vão marcar este 42.º Festival de Angoulême, cuja cerimónia de encerramento também homenageará o jornal. Também serão expostos os resultados – centenas – do apelo lançado pelo Festival no Facebook por ilustrações e trabalhos na esteira do massacre de Paris.

A programação do Festival não foi alterada, apenas revista e aumentada. Continuam previstas as mostras dedicadas a Jack Kirby, a Calvin & Hobbes, uma monográfica do japonês Jirô Taniguchi, um mergulho 3D na obra de Matthias Picard com Curious Jim (também em foco na última edição do AmadoraBD), uma exposição dedicada às visões sobre os bluesmen na BD, os cenários de Fabien Nury, os 35 anos de criação de Alex Barbier e vários espaços e mostras para crianças. 

Todos os anos passam por Angoulême cerca de 200 mil pessoas.

E vai ser anunciado, claro, o Grande Prémio do Festival deste ano entre Alan Moore, Katsuhiro Otomo e Hermann Huppen.



ALGUMAS DAS EXPOSIÇÕES

  
  
  

  


 

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domingo, 25 de janeiro de 2015

A (ABANDONADA) TORRE DE S.SEBASTIÃO DE CAPARICA

A "Torre Velha" - assinalada pelo círculo a vermelho - vista da Torre de Belém ...

A "Torre Velha" - o que se vê do Rio Tejo...

A (ABANDONADA) 
TORRE DE S.SEBASTIÃO DE CAPARICA
A TORRE VELHA...

É, para mim, completamente incompreensível que a Câmara Municipal de Almada não tome em mãos a reconstrução da Torre de S. Sebastião de Caparica (também conhecida por Fortaleza da Torre Velha – em contraponto com a Torre Nova, a de Belém, mesmo em frente, do outro lado do Rio), ali no morro entre o Porto Brandão e a Praia agora ocupada por depósitos de combustível – ao lado do antigo Lazareto do Porto Brandão (chamado depois Asilo 28 de Maio).

Esta fortaleza é um dos mais importantes exemplares da arquitectura militar renascentista no país, uma vez que foi dos primeiros sistemas de artilharia integrando a defesa da barra do rio Tejo, juntamente com a Torre de Santo António de Cascais e a Torre de São Vicente de Belém. Foi mandada edificar pelo Rei D. João II, por volta de 1481, tendo já programada a edificação de outra fortaleza do outro lado do Tejo, para com ela fazer “fogo cruzado” sobre navios que pretendessem atacar a cidade de Lisboa. Essa outra fortaleza só seria mandada construir (em 1514) pelo Rei D. Manuel I – a famosa Torre (de S. Vicente) de Belém. No local da Torre de S. Sebastião terá existido anteriormente uma bateria de artilharia mandada erguer por D, João I.

Nos trinta anos em que vivi em Almada, sempre me interessei pela localização da “Torre Velha”, mas nunca, nem com as conversas que tive com Raul Pereira de Sousa (funcionário da Câmara de Almada e estudioso das fortificações militares do Concelho), consegui localizar o raio da Torre. Só desde há uns dois ou três anos, com o livro de mestrado em História de Arte do arquitecto Pedro Aboim Inglês Cid – A Torre de S. Sebastião de Caparica e a Arquitectura Militar do tempo de D. João II – prefaciado pelo Prof. Rafael Moreira, é que (recuperando o meu velho interesse pela fortaleza) consegui identificar onde está localizada a Torre de S. Sebastião e... o estado em que está.

Não fui ainda visitar o sítio pessoalmente, mas o que vejo por fotografias (o estado de abandono é lamentável!!!) e mesmo pelo Google Maps, faz-me pensar que a Câmara de Almada está completamente alheada do património histórico que o Concelho possui. Aquela Torre (e mesmo o Lazareto) depois de desmatada a sua periferia (e o seu interior) reconstruída e promovida, seria um local de grande interesse turístico a contrapor à Torre de Belém – mesmo em frente, na margem Norte do Rio.



Mesmo no Google Maps é difícil, com todo este matagal, perceber onde fica a Torre de S. Sebastião de Caparica (a "Torre Velha") - a construção arruinada em forma de ferradura à direita, nas duas fotos iniciais, é o antigo Lazareto...




EXCERTO DO PREFÁCIO DO PROF. RAFAEL MOREIRA 

“(...) Uma obra-prima ao abandono...

A primeira vez que visitei a Torre Velha de Porto Brandão, como é vul­garmente conhecida, foi em 1975 pela mão amiga do sr. Raul Pereira de Sou­sa, funcionário da Câmara Municipal de Almada e amante da arquitectura militar do seu concelho. Lembro-me como se fosse hoje. Deixada a estrada de Porto Brandão, subimos um caminho de terra atravessando, não sem medo, a mole semi-derruída do Lazareto (construido em 1867) então ocupada por retornados [das ex-colónias]; passá­mos grades e galgámos muros; atravessámos uma vasta zona de mata quase amazónica (sinal da humidade retida no fosso aquático que rodeava por terra a fortaleza...); passámos pela frente abaluartada feita em 1571 por Áfonso Alva­res – como eu sabia por textos, mas que nunca vira – com o seu belo portal de pedra almofadada e ponte levadiça, entrando no pátio onde estão os restos setecentistas do Palácio do Governador e as ruínas da capela de São Sebas­tião; para então, ao fim de uma larga esplanada tendo Lisboa como pano de fundo, vê-la erguer-se: a Torre.

O "Portal" da frente abaluartada do séc. XVI  (1571) envolto no matagal - parece que estamos perante ruínas na Amazónia, de facto...

A primeira impressão é, devo confessá-lo, de alguma decepção. A torre é um edifício simples, rectangular sobre o alto, sem traço de decoração: arqui­tectura em estado puro. Mas depois de rodeá-la e examinar as suas paredes nuas, de descobrir nos cantos ao pé do chão seteiras cruzetadas de belo traça­do quatrocentista, outras no andar de cima para tiro vertical; de ver a porta de origem – no piso superior como nas torres medievais, mas de verga recta – com um brasão liso (de D. João II gasto pelo tempo ou dos Távoras, senhores de Caparica, picado por ordem de Pombal?); de galgar a larga escadaria bar­roca até ao enorme vazio interno, a que falta grande parte do piso em madeira; de observar a magnífica abóbada de berço sem uma fissura apesar dos seus 530 anos de idade – pois uma das conclusões deste trabalho foi datá-la sem erro de 1481 – e de subir a escada a um canto na parede, com frestas para ilu­minação, vigia e tiro, que conduz sem falha ao amplo terraço do alto, de onde se goza de uma vista soberba sobre a foz do Tejo, o efeito muda por completo. É numa grande obra de arquitectura militar – e da arquitectura tout court – do último quartel do século XV que nos encontramos, realçado pela euforia de "fazer uma descoberta". (...)”

Nota: O Prof. Rafael Moreira, foi o orientador da tese de Mestrado em História de Arte do Arq. Pedro Aboim Inglez Cid, em 1998.



Vista do terraço da "Torre" cimeira - pode ver-se ao fundo a Torre de Belém...

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