segunda-feira, 15 de julho de 2019

BDpress #503: ANGOLA JANGA – De MARCELO D’SALETE (argumento e ilustrações) – Edição Polvo

ANGOLA JANGA
De MARCELO D’SALETE 
(argumento e ilustrações)
Edição Polvo

Texto da contracapa do livro:

Angola Janga, “pequena Angola” ou, como dizem os livros de história, Palmares. Por mais de cem anos foi como que um reino africano dentro da América do Sul. E, apesar do nome, não era tão pequeno como isso: Macaco, a capital, tinha uma população equivalente à das maiores cidades brasileiras da época. Formada no fim do século XVI, e, Pernambuco, a partir dos mocambos criados por fugitivos da escravidão, Angola Janga cresceu, organizou-se e resistiu aos ataques dos militares holandeses e das forças coloniais portuguesas. Tornou-se o grande alvo do ódio dos colonizadores e um símbolo de liberdade para os escravizados. O seu maior líder, Zumbi, transformou-se numa lenda e inspriou a criação do Dia da Consciência Negra.

Angola Janga e Marcelo D’Salete arrebataram no Brasil em 2018, os prestigiados troféus HQMix, nas categorias “Edição Especial Nacional” e ainda o prémio “Grampo”. O livro foi igualmente nomeado para o mais importante prémio literário brasileiro, o Jubati, na categoria “Histórias em Quadrinhos”.

Com 432 páginas e, provavelmente, o maior romance em banda desenhada já publicado por um autor brasileiro e, segundo me parece, em língua portuguesa.

Angola Jamba – uma história de Palmares é um romance gráfico escrito e desenhado por Marcelo D’Salete, que conta a história do Quilombo de Palmares, conhecido entre os seus moradores como Angola Janga, ou “Pequena Angola”. O autor desenvolveu a história após onze anos de pesquisas. O livro, publicado no Brasil pela editora Veneta e em Portugal pela Polvo, foi financiado pelo ProAc e lançado em 2017. Além de Brasil e Portugal, foi publicado também em França, Alemanha, Polónia e Estados Unidos.

ANGOLA JANGA
Argumento e ilustrações de Marcelo D’Salete
Edição Polvo
432 páginas
Formato: 16cm x 23cm
Edição: Novembro 2018

Marcelo D’Salete em entrevista na sala de oficinas do Sesc Pompeia – Foto: Malu Mões

Marcelo D'Salete - Foto: Rafael Roncato


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BDpress #503 - recorte de imprensa sobre BD publicado no JL de 3 de Julho de 2019



RESISTÊNCIA 

João Ramalho Santos 

Visitar Museus como o da Fortaleza de São Tomé em São Tomé e Príncipe é iluminador para quem tem do tema dos Descobrimentos apenas a visão liceal clássica.

É certo que estátuas dos descobridores Pêro Escobar e João de Santarém, bem corno a do povoador Álvaro de Caminha, estão à porta, mas não identificadas; porque a História aqui, sendo a mesma, é outra. Colonialismo, Escravatura (com ou sem esse nome), a diferença entre a Casa Grande e a Sanzala, figuras corno o governador Carlos Gorgulho e o massacre de Batepá em 1953.

O modelo aplicado em São Tomé era o do Brasil, talvez com a diferença de espaços e distância. Pelos finais do século XVI na região de Pernambuco antigos escravos fugidos das Plantações estavam bem conscientes da impossibilidade de regressar a África (Angola, Congo).

Por isso aproveitaram a vastidão remota do país para estabelecer comunidades autónomas livres, não
"oficiais". Palmares era urna espécie de pequena Angola, ou "Angola Janga", e a sua capital, Macaco, tinha urna população equivalente à das maiores cidades brasileiras da altura. É desses tempos ainda pouco explorados que fala o monumental romance gráfico do brasileiro Marcelo d'Salete (Polvo). De resto, as histórias curtas incluídas no seu anterior livro "Cumbe" (Polvo, 2015) podem ser consideradas corno urna espécie de primeira tentativa esquemática de abordar este universo.

Mais do que versões lineares de colonizadores e colonizados em lados opostos de narrativas com diferentes heróis, em "Angola Janga" d'Salete retrata urna realidade complexa, um equilíbrio instável e, sobretudo, pragmático entre Palmares e as autoridades (holandesas ou portugueses), entre diferentes tipos de colonos e diferentes tipos de serviçais, escravos ou ex- escravos. Entre o Ideal (diferente, consoante a perspetiva) e o Possível.

Nesse aspeto a realidade era trabalhada por ambos os lados corno algo fluido, e oprimidos e opressores rapidamente criavam hierarquias internas, tão profundas corno aquelas que os opunham. Nesse sentido, os equilíbrios de Palmares retratados aqui são reminiscentes dos da Guerra Fria, dos conflitos no Médio Oriente. As diferentes personagens, que por vezes se confundem ao longo da obra, até podem parecer tipificadas e ter um comportamento previsível em determinados instantes, mas essa é uma realidade aparente, que frustra constantemente o leitor (no bom sentido). A personalidade fascinante do carismático chefe Zumbi é, desse ponto de vista, o metrónorno da narrativa que, mais do que contar uma história, tem o condão de abrir janelas (não apenas históricas, mas sociais, culturais, antropológicas, políticas), que não deixam de ressoar no Brasil contemporâneo (e no mundo).

Se Palmares se foi dissolvendo naturalmente ao longo dos anos, parte da sua herança permanece insolúvel.

O estilo gráfico feito de linhas a preto e branco de Marcelo d'Salete é funcional sem ser demasiado apelativo, mas mesmo alguma rigidez teatral (nas figuras como no argumento) concedem a "Angola Janga" um tom operático, entre o trágico e o heróico. No entanto, e apesar de algumas questões de estilo, é quase irrelevante considerar os méritos de “Angola Janga” enquanto banda desenhada.

Este é um livro importante, sobre uma realidade que urge conhecer e compreender. Porque a sua descendência, nas suas várias vertentes, anda por aí.
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