Diário "As Beiras", 15 Maio 2011
EVOCANDO CARLOS TRILLO
João Miguel Lameiras
Carlos Trillo, o mais importante argumentista argentino da atualidade faleceu no passado dia 8 de Maio, a uma semana de completar 68 anos, em Londres, onde se encontrava de férias com a mulher, deixando bem mais pobre o mundo da Banda Desenhada.
Nascido em Buenos Aires em 1943, Trillo é um nome incontornável da BD mundial, não só pelo seu trabalho como argumentista (incontornável, tanto em termos de quantidade como de qualidade, como o provam os prémios que ganhou em Lucca e Angoulême) mas por toda uma vida ligada à Banda Desenhada, quer como chefe de redacção das revistas “Satiricon” e “Mengano” quer ainda como autor de uma “História da BD Argentina”, escrita em colaboração com Guillermo Saccomanno. O mesmo Saccomano com quem realizou aquela que seria a última entrevista a Hector G. Oesterheld, o célebre argumentista argentino, (colaborador habitual de Alberto Breccia e Hugo Pratt) “desaparecido” às mãos da ditadura militar, em 1978. Essa notável entrevista, publicada entre nós no Tintin português, em inícios dos anos 80, pode ser vista quase como uma passagem de testemunho de Oesterheld ao escritor que iria ocupar o seu espaço. E a verdade é que, tal como Oesterheld é uma referência incontornável da BD argentina, não é possível fazer a história da BD de língua espanhola, sem falar do argumentista Carlos Trillo.
A obra de Carlos Trillo é vastíssima, e incluí colaborações com os maiores desenhadores desse inesgotável filão que é a Argentina: de Alberto e Enrique Breccia, a Altuna e Juan Gimenez, passando por Carlos Meglia, Mandrafina, Eduardo Risso, Juan Bobillo, Lucas Varela e pelos espanhóis Fernando Fernandez e Jordi Bernet. E, embora nem todos os seus trabalhos atinjam o nível do magnífico “El Ultimo Recreo”, que escreveu para Altuna, ou do premiado “A Grande Farsa”, que Mandrafina ilustrou, a verdade é que, mesmo quando não é brilhante, Trillo consegue ser, no mínimo, tremendamente eficaz.
Em Portugal apenas saiu uma pequena parcela da sua obra, ainda assim representativa do seu talento e versatilidade. É o caso de “Vídeo Inferno”, uma eficaz colaboração com Eduardo Risso e, sobretudo, de “A Grande Farsa”, com desenhos de Mandrafina. Parábola inspirada às ditaduras militares, que o argumentista argentino sentiu bem na pele, esta história, que poderia muito bem ter saído da caneta de um Gabriel Garcia Marquéz, alia a crítica social a um toque de realismo mágico tipicamente sul-americano, numa narrativa assumidamente teatral, em que as personagens se dirigem ao leitor, comentando a acção, como num coro grego. Justamente galardoado com o Prémio para o Melhor Álbum estrangeiro, no Festival de Angoulême de 1998, este álbum é um belíssimo exemplo do talento literário de Carlos Trillo.
Imperdível é igualmente, “Buscavidas”, em que Trillo escreve uma história por medida para o talento de Alberto Breccia, o mesmo já não se podendo dizer de “Bird”, uma série em 3 volumes, desenhada por Juan Bobillo, em que o argumentista inspirado, dá lugar ao narrador apenas eficaz.
Maior do que a lista de títulos de Trillo publicados no nosso país, é a das séries começadas, mas que ficaram incompletas. Desde a série “Fulú”, de que só saíram os dois primeiros álbuns, ou “Eu, Vampiro”, outra série escrita para Eduardo Risso, de que falta publicar o último volume, até “Alvar Mayor”, série desenhada por Enrique Breccia, de que apenas foram publicados os primeiros episódios, na revista “Selecções BD”, os exemplos não faltam.
Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Trillo aquando da sua passagem por Portugal, na companhia de Eduardo Risso, em 2003, a convite do Festival da Amadora e recordo alguém extremamente simpático, culto e com um genuíno interesse pela BD que se fazia em Portugal, tendo mesmo trocado alguns mails com ele, a propósito, entre outras coisas, da Pior Banda do Mundo, de José Carlos Fernandes, que ele descobriu através da edição espanhola e de que ficou fã incondicional.
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Imagens da responsabilidade do Kuentro
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