terça-feira, 27 de setembro de 2011

BDpress #291: A MORTE DE SERGIO BONELLI (1923 – 2011) – EVOCAÇÃO e ENTREVISTA (em 2008), por Pedro Cleto

e tamtem no Tex Willer Blog


SERGIO BONELLI (1932-2011)

Por Pedro Cleto*

Sergio Bonelli, editor e argumentista de banda desenhada faleceu ontem aos 78 anos, após uma semana de hospitalização, na sequência de alguns problemas de saúde que o começaram a apoquentar em Agosto último.

Filho de Giovanni Luigi Bonelli e Tea Bonelli, natural de Milão, onde nasceu a 2 de Dezembro de 1932, aos 25 anos, concluídos os estudos, assumiu a direcção da editora criada pelos seus progenitores. Um ano depois, dava início ao labor, em paralelo, como editor conhecedor e apaixonado e argumentista culto e polifacetado, que o distinguiu ao longo de toda a vida, escrevendo, para a arte de Franco Bignotti, “Un Ragazzo nel Far West”. Era a primeira de muitas histórias escritas pelo seu punho, de onde nasceram também “Zagor” (em 1961), um western diferente com pontos de contacto com Tarzan, ou “Mister NO” (1975), um ex-piloto norte-americano auto-exilado na América do Sul, em especial no Brasil.

Os argumentos dessa época foram assinados com o pseudónimo de Guido Nolitta, para não ser confundido com o seu pai, o criador de Tex Willer, o mais antigo western da BD ainda em publicação, para quem também escreveu algumas histórias.

Assente em edições baratas, a preto e branco, com heróis de características populares a quem o leitor facilmente aderia, protagonistas de géneros como o western, o fantástico ou o policial, em histórias que, na senda dos grandes romances de aventura, muitas vezes tinham um fundo de realidade, desenvolveu um autêntico império editorial. Que, ainda hoje, só em Itália, vende anualmente mais de 20 milhões de exemplares de títulos como Tex, Zagor, Mágico Vento, Júlia Kendall (todas disponíveis mensalmente nos quiosques portugueses através das edições brasileiras da Mythos), Dylan Dog, Martin Mystère ou Nick Raider. E que soube adaptar às mudanças que o tempo foi impondo, sem trair as suas convicções nem as características essenciais de cada personagem, respeitando os artistas e dando-lhes liberdade criativa. O que permitiu que os heróis que edita continuem nas bancas, tendo à cabeça o “veterano” Tex Willer, a (sólida) base do seu império aos quadradinhos, cuja republicação recente, por ordem cronológica, a cores, juntamente com dois jornais italianos, prevista para 50 números, ultrapassou os 200, tendo terminado apenas porque alcançou as histórias actuais.

Ainda no que toca a Tex Willer, são incontornáveis os “Texone” ou “Tex Gigante”, histórias soltas ilustradas por alguns dos grandes nomes da BD mundial, como Victor de La Fuente, Guido Buzzelli, Jordi Bernet, Magnus ou Joe Kubert.

No comunicado em que a Sergio Bonelli Editore divulgou o seu falecimento, lê-se: “foi o principal artífice da passagem dos fumetti (BD italiana) de simples entretenimento popular a produto com dignidade cultural, criando ao longo da sua carreira de cinquenta anos uma das mais importantes editoras de BD no contexto italiano e mesmo mundial”, o que lhe valeu ser distinguido com o prestigiado “Ambrogino d’Oro”, concedido pela sua Milão natal, em 2008, por ter feito da cidade “a capital italiana dos quadradinhos”.

É mais um grande nome da BD que recolhe ao paraíso dos artistas dos quadradinhos, deixando órfãos as suas criações e os leitores que com elas viveram inesquecíveis aventuras.

Sergio Bonelli, quando tomou conta da editora...

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ENTREVISTA COM SERGIO BONELLI 

Em Dezembro de 2008, a propósito dos 60 anos de Tex, Sergio Bonelli concedeu-me o privilégio de responder a algumas perguntas para o Jornal de Notícias, por intermédio do amigo comum, José Carlos Francisco.

Aqui fica a versão integral dessa “conversa à distância”, parcialmente publicada então no Jornal de Notícias e, na sua versão integral, no Tex Willer Blog.

Pedro Cleto - Como era Giovanni Luigi Bonelli, o seu pai?

Sergio Bonelli - Fisicamente era um homem fascinante; para uma estatura média, era muito musculoso e atlético, tanto que praticava com bons resultados desportos como a natação e o pugilismo. Aos setenta anos enfrentava com segurança e desenvoltura qualquer pista de Cervinia, Sestriére e dos Alpes italianos. De carácter alegre, era muito extrovertido e adorava entreter amigos e até pessoas recém-conhecidas com assuntos que frequentemente surpreendiam pela originalidade e pelo seu anti-conformismo.

PC - E o escritor Gianluigi Bonelli?


SB - Ao contrário de muitos colegas que encaravam o papel de "quadri-nhista" como uma profissão "de segundo plano", Gian Luigi Bonelli tinha orgulho no seu ofício de escritor de quadradinhos e incorporava-se completamente na personagem de Tex ou de qualquer outro protagonista das suas histórias. Ele não queria sentir-se vinculado a um argumento preliminar e preferia improvisar dia após dia, página após página. Ele lia muitos livros populares franceses, ingleses e americanos e não perdia um só filme que exaltasse a coragem, a força, a aventura.

PC - Alguma vez ele expressou alguma vontade em relação ao futuro de Tex depois do seu desaparecimento?


SB - Nos últimos anos ele deu-se conta que Tex tinha-se tornado uma imagem importante no mundo da BD e, por isso, tinha aceitado que outros escritores continuassem a sua obra. Depois da decisão de abandonar a personagem, que lhe foi imposta pela idade e pela doença, ele preferiu desistir de corrigir os textos dos outros: por simpatia (e amor paterno) limitou-se a intervir, com alguns conselhos, nas histórias escritas por mim.

PC - Mostrou ao seu pai a primeira história de Tex que escreveu? Ele fez muitas alterações? Foi publicada?


SB - As suas correcções foram sempre mínimas, provavelmente porque ele considerava que os nossos "estilos" eram muito diferentes e que, por isso, o problema seria muito difícil de resolver. A minha primeira história foi publicada com o título "Caçada Humana" nos números 183 a 185 da série italiana (n°s 68 e 69 da série brasileira da Ed. Vecchi, em 1976) e suscitou reacções opostas: uma parte dos leitores gostou e outra achou que estava muito distante dos esquemas narrativos de seu primeiro autor.

PC - Tex continua a conquistar novas gerações da mesma forma que o fez até aqui?


SB - Não, de forma nenhuma. As novas gerações não gostam do género western. Tex continua a ser a BD mais vendida na Itália mas, mensalmente, perde uma certa quantidade de leitores.

PC - Tex está praticamente inalterado desde a sua criação. Por razões comerciais ou artísticas? Ou simplesmente por razões sentimentais?


SB - Infelizmente não é verdade que Tex permaneceu inalterado. Apesar do esforço de imitar o seu criador, todos os novos argumentistas involuntariamente trazem algumas diferenças que os leitores mais atentos não deixam de apontar. O mundo dos quadradinhos pode abrigar personagens de todo tipo: o leitor pode facilmente encontrar heróis mais "modernos" sem que se deva desnaturar um "herói" tradicional que agrada a outros leitores assim como é.

PC - Na sua opinião, os tempos actuais não pedem um Tex mais "politicamente correcto"?

SB - Ao contrário, o rigoroso "politicamente correcto" exigido por alguns acabaria por incomodar outros. É difícil contentar todos: por isso busca-se uma via de meio, como desde sempre exige o ofício de editor de banda desenhada.

PC - Até quando poderá Tex resistir aos tempos actuais e à tecnologia?

SB - Infelizmente para nós (mas como é justo e inevitável), a BD está destinada a dar lugar rapidamente a outros divertimentos mais fáceis e cativantes. Tex ainda hoje é o campeão dos quiosques mas (como já dissemos) é completamente ignorado pelas novas gerações: pode ser que daqui a 5 ou 6 anos não tenha leitores em número suficiente para sustentar as pesadas despesas.

PC - Qual a melhor história de Tex de sempre?


SB - A opinião do editor vale tanto quanto a dos outros leitores: cada um de nós tem a sua história preferida.

PC - Milão, a sua cidade, concedeu-lhe o prestigioso prémio "Ambrogino d'Oro". O que sentiu?

SB - O "Ambrogino d'Oro" que me foi conferido no mês passado tem uma história antiga e uma tradição local que levaria muito tempo para explicar a um estrangeiro. Digamos que interpretei como um interessante reconhecimento público à profissão de editor, argumentista ou desenhador de quadradinhos.


Zagor...

Mister No...
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