domingo, 23 de julho de 2017

GAZETA DA BD #77 NA GAZETA DAS CALDAS – A GUERRA COLONIAL NA BANDA DESENHADA


Gazeta da BD #77, 21 Julho 2017. Porque há muita gente a tentar ler o recorte a partir da imagem do mesmo cortada a meio e montada lado a lado, para ter melhor visibilidade aqui no Kuentro, desta vez anexei, do lado esquerdo o formato original em que o artigo é publicado na Gazeta.

GAZETA DA BD #77 
NA GAZETA DAS CALDAS
A GUERRA COLONIAL 
NA BANDA DESENHADA 

Apesar das potencialidades do tema, há poucas histórias...

Imagem do livro Vampiros, de Filipe Melo e Juan Cavia, 
que devia ter aberto este artigo, mas que já lá não coube.
 
Mesmo com a importância que teve na História portuguesa, a guerra colonial não é um tema recorrente na BD deste país. Contei apenas 13 histórias de maior envergadura, havendo no entanto muitas mais, neste caso curtas, dispersas por revistas e fanzines que, talvez pela sua escassa extensão, nunca chegaram ao álbum. Muitas outras são apenas referências à guerra colonial – as suas origens e as suas consequências – que se limitam a apontamentos mais ou menos breves nas abordagens históricas mais alargadas da época contemporânea.

Deixo aqui, cronológicamente, referências a algumas das obras mais marcantes sobre o tema.

1972 - O Ericeira, da autoria de Baptista Mendes, publicada na Revista da Armada. Trata-se da biografia de um soldado com várias comissões em África onde acaba por morrer vítima de uma explosão. O “Ericeira” era Eduardo Pereira, nascido na Ericeira em 1946. Ofereceu-se como voluntário da Armada, aparece na Guiné, no Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 9, em 1964. Cedo dá sinais de destemor e finda a primeira comissão, ofereceu-se novamente como voluntário para a Guiné, foi incorporado no DFE n.º 7. Regressa com uma Cruz de Guerra e vários louvores. E três meses depois está a caminho de Angola onde veio a morrer.

1975 - Angola 1971 (Visão #7, Edibanda), de Pedro Massano, que narra o abate, por engano, de uma negra e do seu filho de colo, por um soldado português.

1975 - Matei-o a 24 de Victor Mesquita com argumento de Machado da Graça, revista Visão – uma excelente e prometedora BD, apenas com 12 pranchas publicadas. Uma das abordagens mais marcantes do tema, apesar da história ter ficado incompleta. Desenhada num estilo realista, a cores, com uma planificação muito dinâmica, é narrada na primeira pessoa por Eduardo, recém-regressado à vida civil após cumprir a sua comissão em Moçambique, com evidentes sintomas daquilo que hoje se designa por Síndroma de Guerra. Nela se descreve como, após ter sido dado como morto na sequência de um ataque, se vê frente a frente com um guerrilheiro negro – um “turra”, como eles eram chamados pelos portugueses – e como conseguiram ultrapassar a rivalidade inicial para se ajudarem mutuamente. Desentendimentos internos na revista levaram à saída do seu autor, ficando os leitores sem saber o destino de Eduardo e do parceiro, embora o título o deixasse adivinhar...

1977 - Mamassuma – Comandos ao ataque de Vassalo Miranda – num formato entre a revista e o mini-álbum. O autor, veterano de guerra, antigo 'comando', publicou uma excelente banda desenhada sobre o conflito em Angola, Guiné e Moçambique, entre 1961 e 1974. A acção desenrola-se no norte de Angola, entre uma companhia de 'comandos' do Exército Português e grupos armados da FNLA, em meados dos anos sessenta. A história surpreende pelo tom assumido, se tivermos em conta o contexto, tendo sido por muitos apodada de “fascista” e “reaccionária”.

1994 - 7.72 (Azul BD3 #2, Jogo de Imagens), de Diniz Conefrey, que conta a morte de “um soldado que nunca disparou um tiro e ia a cantar”.

1994 – Operação Gata Brava, Alpoim Calvão e Vassalo Miranda (ed. Intermal). Calvão foi capitão de mar e guerra, afecto ao regime do Estado Novo, recusando-se a participar no 25 de Abril. Foi expulso das Forças Armadas, sendo reintegrado em 1986. A banda desenhada, de 36 páginas relata uma operação especial na Guiné-Bissau comandada pelo autor do argumento.

1995 – Operação Trovão, Alpoim Calvão e Vassalo Miranda (ed. Intermal).

1996 – Quem vem e atravessa o rio (Quadrado #3, 2ª série, ASIBDP) de Arlindo Fagundes e Pedro Sousa Dias, mostra em tom mordaz os efeitos da guerra a longo prazo, quando o herói, Pitanga, encontra um ex-PIDE prestes a suicidar-se na ponte D. Luiz I, no Porto, dividido entre uma atitude racista e os remorsos do que fez em África.

1999 – A Sombra dos Naufragos (primeiramente intitulado A Serpente), de Diniz Conefrey, publicada no jornal Público no ambito das comemorações dos 25 anos do 25 de Abril.

2000 – Operação Óscar (Meribérica/Líber), de José Ruy. Um preambulo do 25 de abril. Recorde-se que “Óscar” era o anagrama de Otelo Saraiva de Carvalho.

2012 – Cinzas da Revolta (Asa), de Miguel Peres e Jhion (pseudónimo de João Amaral). Angola, 1961. Durante um ataque a uma fazenda de portugueses, o casal que lá habita é assassinado e a sua filha adolescente levada por um dos assaltantes. Angola, 1963. Um comando de soldados portugueses é enviado para encontrar a rapariga desaparecida dois anos antes. As mudanças por ela sofridas, o questionar da missão – eventualmente do interesse de uma alta autoridade nacional – e da própria guerra pelos soldados, são outros dos motes que orientam a narrativa. 1963. Chegamos a Angola. Somos um contingente militar formado na sua maioria por jovens inexperientes. A guerra amedronta-nos. A nossa missão é encontrarmos a rapariga desaparecida em 61... 1966. O inesperado acontece... Afinal, porquê tantos anos perdidos na busca de uma única pessoa?

2012 – Operação Mar Verde, de Alpoim Calvão e Vassalo Miranda, história reeditada pela editora Caminhos Romanos. Esta história relata o ataque e destruição do quartel-general do PAIGC na República da Guiné (havendo a intenção de capturar Amílcar Cabral – o que não foi conseguido).

2016 – Vampiros (Tinta da China), de Filipe Melo e Juan Cavia. O cruzamento da ficção militar com o terror ou o fantástico, que alguns críticos comparam com o filme Apocalipse Now de Copolla, numa abordagem com a qual não concordo. Já escrevi sobre esta história na Gazeta da BD #59, publicada a 17 de Junho de 2016.


Páginas de "Operação Mar Verde" e  de "A Sombra dos Naufragos" de Diniz Conefrey

 Matei-o a 24, de Machado da Graça (arg.) e Vitor Mesquita (des), na revista Visão.


 
 4 pranchas de "Operação Óscar", de José Ruy

Capa e página de Cinzas da Revolta, de Miguel Peres e Jhion (pseudónimo de João Amaral)
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EM PRÓXIMO POST PUBLICAREMOS AQUI A HISTÓRIA
QUEM VEM E ATRAVESSA O RIO
DE ARLINDO FAGUNDES (ARG.) E PEDRO SOUSA DIAS (DES.)

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