Mais umas pequenas “férias” em Sta. Maria contribuiram para novo atraso na divulgação de matérias aqui no Kuentro. Vou tentar repor as coisas nos próximos dias.
BDpress #486
(recortes de imprensa sobre BD)
O XIV FESTIVAL INTERNACIONAL
DE BANDA DESENHADA DE BEJA
NA IMPRENSA
OCR do texto
Também na BD Beja já não fica longe
Festival Internacional de Banda Desenhada leva à capital do Baixo Alentejo 21 exposições de portugueses e estrangeiros até 10 de Junho. Um “menu” que inclui históricos como Jayme Cortez e autores contemporâneos que importa ler, como Max Andersson e Manuele Fior.
Lucinda Canelas
(28 de Maio de 2018)
Percorrem-se as ruas e os vestígios de que o Festival Internacional de Banda Desenhada está a acontecer são poucos, discretos. É preciso chegar à Casa da Cultura, o seu epicentro, para sentir que Beja está (quase) toda ali e que durante 17 dias vai ser uma espécie de grande montra da BD. Cruzam-se autores e editores, há críticos e programadores, leitores aficionados que todos os anos o põem na agenda e até um casal de turistas brasileiros que nem acredita na sorte que teve de encontrar nesta cidade capital do Baixo Alentejo tantas exposições de qualidade e muitos dos criadores que costuma seguir a partir de São Paulo.
Concertos em que a música e o desenho se cruzam até de madrugada, lançamentos de novos títulos nacionais e estrangeiros, conferências, sessões de autógrafos e muitas conversas informais à volta da mesa, com cozido de grão e vinho da Vidigueira, que o Alentejo ainda é o que era e ainda bem.
Na sexta-feira, na Casa da Cultura, onde até 10 de Junho se concentram 14 das 21 exposições desta 14.ª edição, havia miúdos a correr por todo o lado e o cheiro a carne grelhada vindo do pequeno bar já preparado para a noite longa que se adivinhava invadia todas as salas. O ambiente familiar deste festival que é produto do trabalho de uma pequena equipa em que todos fazem tudo – não é, por isso, de estranhar ver o seu director a varrer a esplanada ou a limpar mesas – não significa, no entanto, amadorismo na hora de escolher o que dar a ver às cerca de dez mil pessoas que todos os anos por lá passam, nem no momento de executar a programação, cumprida a horas e quase sem interrupções.
“Quando temos muita coisa a acontecer encadeada, com autores nacionais e estrangeiros, não podemos falhar. Se deixássemos as pessoas alongarem-se [nas conferências ou nos lançamentos], caíamos no risco de o seguinte não ter tempo de mostrar o seu trabalho”, diz Paulo Monteiro, director desde a primeira hora do festival e da Bedeteca de Beja, projectos que nasceram ao mesmo tempo e que têm na mira um objectivo maior – o Museu da Banda Desenhada, que conta já com um acervo muito significativo de originais de portugueses e estrangeiros e que nesta edição recebeu mais duas importantes doações de autores nacionais: Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005) e Fernando Relvas (1954-2017).
A primeira doação chega via Fábio Moraes, o comissário de uma das exposições mais interessantes desta edição do festival, a dedicada a Jayme Cortez (1926-1987), um português que se lançou na célebre revista O Mosquito (saiu com periodicidade variada e com interrupções várias entre 1936 e 1986), que Teixeira Coelho transformou numa verdadeira incubadora de autores, mas que acabou por fazer carreira e escola no Brasil; a segunda através da mulher do autor, Nina Govedarica.
“Poder contar com estes originais é muito importante. Fernando Relvas é uma referência da imprensa, sobretudo na década de 80 no Se7e”, diz o director do festival, evocando o criador do Espião Acácio, crónica humorística da I Guerra Mundial que agora volta a estar disponível num volume com a chancela Turbina/Mundo Fantasma, acabado de lançar em Beja. “O Teixeira Coelho é simplesmente o mais representativo autor de BD português de todos os tempos. É impossível fazer uma história da banda desenhada europeia das décadas de 1940, 50 e 60 sem falar dele. Está ao nível de um [Franco] Caprioli [1912-1974] ou de um [Milo] Manara, que é muito mais novo [n. 1945]. Basta dizer que ele chegou a ser convidado para desenhar o Príncipe Valente depois do por Hal Foster [BD criada em 1937 e considerada uma das mais importantes de sempre], o que nunca quis, porque isso implicava ir viver para os Estados Unidos.”
Sentado no banco de jardim plantado numa das salas de exposições, rodeado pelo trabalho delicado do italiano Manuele Fior para Cinco mil Quilómetros por Segundo, que a Devir acaba de lançar no mercado português (o autor deverá estar na feira do livro de Lisboa a dar autógrafos nesta segunda-feira à tarde), Paulo Monteiro fala da preocupação de garantir, a cada edição, autores de grande qualidade e, em simultâneo, de gerações e linguagens diversas.
Com trinta mil euros de orçamento anual, sem contar com boa parte dos custos de produção, já que tem por trás a estrutura da Câmara Municipal de Beja, este festival só se faz, garante, com uma relação muito próxima dos autores e dos editores, presentes nas conferências e na feira do livro que lhe está associada.
“O mercado português é pequeno, todos se conhecem e compreendem que este festival é um momento de encontro, mas é também uma ferramenta de divulgação importante. É por isso que fazemos questão de mostrar nas nossas exposições os autores históricos e os que só agora lançaram o primeiro livro, os mais comerciais e os mais alternativos, e isto sem criar qualquer hierarquia de apresentação, mesmo que tenhamos aqui alguns dos melhores do mundo.”
Expor da melhor maneira
Quem percorre as exposições – este ano são 21 distribuídas por oito locais do centro histórico da cidade, 15 delas individuais – constata que não há qualquer diferença de escala no tratamento dos autores. É verdade que nomes fortes como os do italiano Manuele Fior, do sueco Max Andersson, do francês Pierre-Henry Gomont e do português Jayme Cortez estão concentrados na Casa da Cultura, centro do festival onde estão “muito arrumadinhas” 14 exposições distribuídas por três andares, mas também é verdade que a sua obra não é tratada de forma distinta da de outros que estão praticamente a começar e com quem partilham o espaço, como Mosi e Luís Guerreiro.
“Fazemos com os autores – digo sempre fazemos, porque isto é uma equipa de quatro pessoas que conta com mais seis ou sete voluntários – o que gostamos que façam connosco. Mostramos o trabalho da melhor maneira que sabemos e podemos, independentemente do peso que tem”, diz Monteiro, que é também autor e que viu o seu O Amor Infinito Que Te Tenho e Outras Histórias (Polvo, 2010) ganhar o prémio para o Melhor Álbum Português do Amadora BD em 2011.
E expor da “melhor maneira” pode passar por evocar ambientes do Oeste americano para o cowboy de Rossano Rossi (chão de madeira de estábulos e saloons, vitrinas com caveiras de bovinos, espingardas e caixas de tabaco); mostrar o último desenho que Jayme Cortez fez antes de adoecer e as diferenças que havia entre os seus desenhos e a arte final em pranchas originais de Zodiako (1974); ou reservar um espaço mais sereno para os esboços que o português José Ruy, autor que prefere o título de “aprendiz” ao de “mestre” e que aos 88 anos se prepara para lançar um novo título (A Ilha do Corvo Que Venceu os Piratas, Âncora Editora), fez no Jardim Zoológico de Lisboa por sugestão de Teixeira Coelho nos anos 40.
“É verdade que a concorrência é grande, mas a BD é relativamente barata de produzir, tudo depende da ambição com que quisermos fazer as coisas. Se alguém quiser mesmo publicar publica, nem que seja numa edição de autor”, diz Monteiro. “Com este mundo globalizado, com o digital acessível a todos, a dificuldade dos autores nacionais em publicar lá fora é mais mental do que outra coisa, como aquela que nos separa de Lisboa, que hoje fica a menos de duas horas de estrada. Também na BD as distâncias são mais curtas. Beja já não fica longe.”
É também por isso que é possível ver na cidade a obra de Pierre-Henry Gomont, autor Afirma Pereira (G. Floy Studio, 2018), álbum que adapta a obra homónima de Antonio Tabucchi; o trabalho de Manuele Fior ou o de Max Andersson. Estes dois últimos não podiam ter linguagens e universos mais diferentes.
Cinco mil Quilómetros por Segundo, que em 2010 e 2011 ganhou os principais prémios de dois dos mais importantes festivais de BD do mundo, Angoulême e Lucca, centra-se num triângulo amoroso – o de Piero, Nicola e Lucia – e nos efeitos que tem a distância física e temporal entre os personagens. A sua história começa quando, na adolescência, os dois amigos se cruzam com Lucia, que passa a morar na mesma rua, e termina 20 anos mais tarde, com desamores e desencontros pelo meio e com o cenário a transferir-se de Itália para a Noruega e para o Egipto, antes de regressar ao ponto de partida.
“Foi um livro que escrevi numa época que, felizmente, deixei para trás”, disse Fior, que é também arquitecto, na sessão de lançamento. “Não tinha um lugar a que pudesse chamar casa e isso metia medo.” Foi com essa sensação – “O medo e o erotismo são dois dos principais motores da narrativa”, aprendeu com outro autor italiano a que chama “mestre”, Lorenzo Mattotti – que construiu uma história sobre um personagem que fica, outro que escapa e outro ainda que consegue sair do seu lugar, mas acaba por voltar, explicou. Uma história em que a cor se transformou numa ferramenta estrutural. “A cor chega ao mesmo tempo que o guião, não é uma coisa que se acrescente depois. Este livro é uma história das personagens e uma história da cor.”
Fior toca a maioria, talvez, porque fala do quotidiano, do amor, da viagem, da perda, defende Paulo Monteiro, criando um “imaginário quase mágico”. Sem magia, sem cor e sem a mesma queda para a empatia, Andersson e o seu The Excavation (Fatagraphics Books), romance gráfico ainda não editado em Portugal, lidam com “temas ácidos” que nos podem pôr a pensar em nós e na nossa própria história, mas de forma bem mais “incómoda”, acrescenta o director do festival.
O projecto deste autor sueco, que também trabalha em cinema de animação, demorou 18 anos a concluir e tem o seu registo gráfico habitual – um lado negro e surreal –, que aqui ganha ainda mais peso, porque usa os sonhos como matéria-prima. “São os meus sonhos que aqui estão. Este livro partiu de uma colecção que fui cortando e montando, como faço no cinema, para contar uma história, que é ao mesmo tempo minha e imaginada enquanto dormia”, diz ao Público.
Um aperitivo para a leitura deste álbum que se ocupa de forma singular da construção da identidade e do papel que nela tem a memória: um protagonista de que nunca saberemos o nome encontra parte da família (e um cadáver por baixo da mesa da cozinha) de que há muito se distanciara no meio das ruínas da casa onde viviam, acidentalmente posta a descoberto durante umas escavações arqueológicas.
Quando Monteiro diz que a cidade alentejana e o seu festival já não ficam assim tão longe, fá-lo também mostrando como o mundo pode chegar ali através de autores como Max Andersson: “No cartaz em que anuncia a ‘digressão’ de Excavation ele junta Beja a Paris.” Na realidade (fomos ver), junta Beja a Cracóvia, Moscovo, Aix-en-Provence, Montpellier e... Paris.
Concertos em que a música e o desenho se cruzam até de madrugada, lançamentos de novos títulos nacionais e estrangeiros, conferências, sessões de autógrafos e muitas conversas informais à volta da mesa, com cozido de grão e vinho da Vidigueira, que o Alentejo ainda é o que era e ainda bem.
Na sexta-feira, na Casa da Cultura, onde até 10 de Junho se concentram 14 das 21 exposições desta 14.ª edição, havia miúdos a correr por todo o lado e o cheiro a carne grelhada vindo do pequeno bar já preparado para a noite longa que se adivinhava invadia todas as salas. O ambiente familiar deste festival que é produto do trabalho de uma pequena equipa em que todos fazem tudo – não é, por isso, de estranhar ver o seu director a varrer a esplanada ou a limpar mesas – não significa, no entanto, amadorismo na hora de escolher o que dar a ver às cerca de dez mil pessoas que todos os anos por lá passam, nem no momento de executar a programação, cumprida a horas e quase sem interrupções.
“Quando temos muita coisa a acontecer encadeada, com autores nacionais e estrangeiros, não podemos falhar. Se deixássemos as pessoas alongarem-se [nas conferências ou nos lançamentos], caíamos no risco de o seguinte não ter tempo de mostrar o seu trabalho”, diz Paulo Monteiro, director desde a primeira hora do festival e da Bedeteca de Beja, projectos que nasceram ao mesmo tempo e que têm na mira um objectivo maior – o Museu da Banda Desenhada, que conta já com um acervo muito significativo de originais de portugueses e estrangeiros e que nesta edição recebeu mais duas importantes doações de autores nacionais: Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005) e Fernando Relvas (1954-2017).
A primeira doação chega via Fábio Moraes, o comissário de uma das exposições mais interessantes desta edição do festival, a dedicada a Jayme Cortez (1926-1987), um português que se lançou na célebre revista O Mosquito (saiu com periodicidade variada e com interrupções várias entre 1936 e 1986), que Teixeira Coelho transformou numa verdadeira incubadora de autores, mas que acabou por fazer carreira e escola no Brasil; a segunda através da mulher do autor, Nina Govedarica.
“Poder contar com estes originais é muito importante. Fernando Relvas é uma referência da imprensa, sobretudo na década de 80 no Se7e”, diz o director do festival, evocando o criador do Espião Acácio, crónica humorística da I Guerra Mundial que agora volta a estar disponível num volume com a chancela Turbina/Mundo Fantasma, acabado de lançar em Beja. “O Teixeira Coelho é simplesmente o mais representativo autor de BD português de todos os tempos. É impossível fazer uma história da banda desenhada europeia das décadas de 1940, 50 e 60 sem falar dele. Está ao nível de um [Franco] Caprioli [1912-1974] ou de um [Milo] Manara, que é muito mais novo [n. 1945]. Basta dizer que ele chegou a ser convidado para desenhar o Príncipe Valente depois do por Hal Foster [BD criada em 1937 e considerada uma das mais importantes de sempre], o que nunca quis, porque isso implicava ir viver para os Estados Unidos.”
Sentado no banco de jardim plantado numa das salas de exposições, rodeado pelo trabalho delicado do italiano Manuele Fior para Cinco mil Quilómetros por Segundo, que a Devir acaba de lançar no mercado português (o autor deverá estar na feira do livro de Lisboa a dar autógrafos nesta segunda-feira à tarde), Paulo Monteiro fala da preocupação de garantir, a cada edição, autores de grande qualidade e, em simultâneo, de gerações e linguagens diversas.
Com trinta mil euros de orçamento anual, sem contar com boa parte dos custos de produção, já que tem por trás a estrutura da Câmara Municipal de Beja, este festival só se faz, garante, com uma relação muito próxima dos autores e dos editores, presentes nas conferências e na feira do livro que lhe está associada.
“O mercado português é pequeno, todos se conhecem e compreendem que este festival é um momento de encontro, mas é também uma ferramenta de divulgação importante. É por isso que fazemos questão de mostrar nas nossas exposições os autores históricos e os que só agora lançaram o primeiro livro, os mais comerciais e os mais alternativos, e isto sem criar qualquer hierarquia de apresentação, mesmo que tenhamos aqui alguns dos melhores do mundo.”
Expor da melhor maneira
Quem percorre as exposições – este ano são 21 distribuídas por oito locais do centro histórico da cidade, 15 delas individuais – constata que não há qualquer diferença de escala no tratamento dos autores. É verdade que nomes fortes como os do italiano Manuele Fior, do sueco Max Andersson, do francês Pierre-Henry Gomont e do português Jayme Cortez estão concentrados na Casa da Cultura, centro do festival onde estão “muito arrumadinhas” 14 exposições distribuídas por três andares, mas também é verdade que a sua obra não é tratada de forma distinta da de outros que estão praticamente a começar e com quem partilham o espaço, como Mosi e Luís Guerreiro.
“Fazemos com os autores – digo sempre fazemos, porque isto é uma equipa de quatro pessoas que conta com mais seis ou sete voluntários – o que gostamos que façam connosco. Mostramos o trabalho da melhor maneira que sabemos e podemos, independentemente do peso que tem”, diz Monteiro, que é também autor e que viu o seu O Amor Infinito Que Te Tenho e Outras Histórias (Polvo, 2010) ganhar o prémio para o Melhor Álbum Português do Amadora BD em 2011.
E expor da “melhor maneira” pode passar por evocar ambientes do Oeste americano para o cowboy de Rossano Rossi (chão de madeira de estábulos e saloons, vitrinas com caveiras de bovinos, espingardas e caixas de tabaco); mostrar o último desenho que Jayme Cortez fez antes de adoecer e as diferenças que havia entre os seus desenhos e a arte final em pranchas originais de Zodiako (1974); ou reservar um espaço mais sereno para os esboços que o português José Ruy, autor que prefere o título de “aprendiz” ao de “mestre” e que aos 88 anos se prepara para lançar um novo título (A Ilha do Corvo Que Venceu os Piratas, Âncora Editora), fez no Jardim Zoológico de Lisboa por sugestão de Teixeira Coelho nos anos 40.
“É verdade que a concorrência é grande, mas a BD é relativamente barata de produzir, tudo depende da ambição com que quisermos fazer as coisas. Se alguém quiser mesmo publicar publica, nem que seja numa edição de autor”, diz Monteiro. “Com este mundo globalizado, com o digital acessível a todos, a dificuldade dos autores nacionais em publicar lá fora é mais mental do que outra coisa, como aquela que nos separa de Lisboa, que hoje fica a menos de duas horas de estrada. Também na BD as distâncias são mais curtas. Beja já não fica longe.”
É também por isso que é possível ver na cidade a obra de Pierre-Henry Gomont, autor Afirma Pereira (G. Floy Studio, 2018), álbum que adapta a obra homónima de Antonio Tabucchi; o trabalho de Manuele Fior ou o de Max Andersson. Estes dois últimos não podiam ter linguagens e universos mais diferentes.
Cinco mil Quilómetros por Segundo, que em 2010 e 2011 ganhou os principais prémios de dois dos mais importantes festivais de BD do mundo, Angoulême e Lucca, centra-se num triângulo amoroso – o de Piero, Nicola e Lucia – e nos efeitos que tem a distância física e temporal entre os personagens. A sua história começa quando, na adolescência, os dois amigos se cruzam com Lucia, que passa a morar na mesma rua, e termina 20 anos mais tarde, com desamores e desencontros pelo meio e com o cenário a transferir-se de Itália para a Noruega e para o Egipto, antes de regressar ao ponto de partida.
“Foi um livro que escrevi numa época que, felizmente, deixei para trás”, disse Fior, que é também arquitecto, na sessão de lançamento. “Não tinha um lugar a que pudesse chamar casa e isso metia medo.” Foi com essa sensação – “O medo e o erotismo são dois dos principais motores da narrativa”, aprendeu com outro autor italiano a que chama “mestre”, Lorenzo Mattotti – que construiu uma história sobre um personagem que fica, outro que escapa e outro ainda que consegue sair do seu lugar, mas acaba por voltar, explicou. Uma história em que a cor se transformou numa ferramenta estrutural. “A cor chega ao mesmo tempo que o guião, não é uma coisa que se acrescente depois. Este livro é uma história das personagens e uma história da cor.”
Fior toca a maioria, talvez, porque fala do quotidiano, do amor, da viagem, da perda, defende Paulo Monteiro, criando um “imaginário quase mágico”. Sem magia, sem cor e sem a mesma queda para a empatia, Andersson e o seu The Excavation (Fatagraphics Books), romance gráfico ainda não editado em Portugal, lidam com “temas ácidos” que nos podem pôr a pensar em nós e na nossa própria história, mas de forma bem mais “incómoda”, acrescenta o director do festival.
O projecto deste autor sueco, que também trabalha em cinema de animação, demorou 18 anos a concluir e tem o seu registo gráfico habitual – um lado negro e surreal –, que aqui ganha ainda mais peso, porque usa os sonhos como matéria-prima. “São os meus sonhos que aqui estão. Este livro partiu de uma colecção que fui cortando e montando, como faço no cinema, para contar uma história, que é ao mesmo tempo minha e imaginada enquanto dormia”, diz ao Público.
Um aperitivo para a leitura deste álbum que se ocupa de forma singular da construção da identidade e do papel que nela tem a memória: um protagonista de que nunca saberemos o nome encontra parte da família (e um cadáver por baixo da mesa da cozinha) de que há muito se distanciara no meio das ruínas da casa onde viviam, acidentalmente posta a descoberto durante umas escavações arqueológicas.
Quando Monteiro diz que a cidade alentejana e o seu festival já não ficam assim tão longe, fá-lo também mostrando como o mundo pode chegar ali através de autores como Max Andersson: “No cartaz em que anuncia a ‘digressão’ de Excavation ele junta Beja a Paris.” Na realidade (fomos ver), junta Beja a Cracóvia, Moscovo, Aix-en-Provence, Montpellier e... Paris.
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