terça-feira, 7 de junho de 2011

BDpress #265: A “MISSÃO” DE TINTA NOS NERVOS, SEGUNDO JOÃO RAMALHO SANTOS NO JL



JL – Jornal de Letras, Artes & Ideias, 1 de Junho 2011

MISSÃO

João Ramalho-Santos

Sobre a exposição Tinta nos Nervos e respectivo catálogo foi publicado o texto abaixo no JL-Papel. Reproduz-se o mesmo, mas, porque o tema merece, com algumas reflexões suplementares que, ou não pareceram úteis nesse formato, ou que a limitação de carateres não permitiu incluir. Às vezes a limitação de carateres é mesmo útil ou não nos calamos...

Ver também no blogue do autor “As Sequências Rebeldes” 

A coisa má das exposições é serem temporárias, a coisa boa é deixarem memória e catálogo. Comissariada por Pedro Vieira de Moura Tinta nos Nervos foi uma importante iniciativa na história da BD nacional, reunindo uma seleção de autores no Centro Cultural de Bélem. A missão, simples e ambiciosa, vem de trás: trazer o discurso crítico em torno da BD para onde moram as outras artes, valorizando autores que encaixem numa visão específica.

Não é fácil, e basta pensar noutras linguagens: como seleccionar um número limitado de escritores/realizadores/artistas plásticos distintos, justificar essas escolhas e criar um discurso que os una? A resposta é simples. Ressalvando que se pretende BD experimental e de autor, não se justifica muito ou tenta trabalhar afinidades, deixando as escolhas falarem por si. É pena, porque há pontes óbvias, sejam histórico-temáticas, seja no modo como se entende a linguagem, e algumas foram de resto assumidas na montagem da exposição. Claro que a escolha em si tem muito que se lhe diga. Mas, apesar de até poderem ter sobrado paredes, o objetivo de uma seleção é selecionar para fazer passar uma mensagem. E, tal como nas equipas de futebol, para entrar uns teriam de sair outros. É aqui que se fazem "amigos", na BD como no resto...

Um ponto óbvio é a inclusão de Rafael Bordallo Pinheiro e Carlos Botelho. A missão é clara: validação histórica usando nomes inquestionáveis da cultura portuguesa e de outras linguagens. Um outro a acrescentar aqui seria Stuart de Carvalhais; já ET Coelho ou Fernando Bento (figuras importantes, mas "só" da BD) levariam a mostra para onde nunca quis ir. Mas teria sido possível retirar Bordallo e Botelho* sem consequências. Uma validação desse género (se é preciso repetir é mau sinal) já tinha sido dada pela exposição anterior na Fundação Gulbenkian (2000) e respetivas obras associadas, de João Paulo Paiva Boléo/Carlos Pinheiro. Por vezes dá a ideia que na BD portuguesa se está sempre a começar do início. Já a presença de Eduardo Batarda implica outro tipo de validação, a aproximação às artes plásticas. Pedro Proença seria outro nome possível, mas Isabel Barahona e sobretudo Cátia Serrão são muito interessantes. A par de Nuno Sousa, bastaria Serrão para entusiasmar quem acha que já conhece tudo nesta área.

Nos restantes nomes estabelece-se a distinção crucial entre autores que qualquer crítico responsável teria de incluir pela qualidade e corpo de obra, e as verdadeiras escolhas de Tinta nos Nervos. Uns consolidam, os outros projectam. António Jorge Gonçalves, Miguel Rocha, Filipe Abranches, Richard Câmara, Janus, Nuno Saraiva, Victor Mesquita, Isabel Lobinho, João Fazenda, Diniz Conefrey, Teresa Câmara Pestana, Tiago Manuel, Susa Monteiro ou José Carlos Fernandes pertencem ao primeiro grupo. Para além dos já citados Barahona, Serrão e Sousa, Marco Mendes, Miguel Carneiro, Carlos Pinheiro, Jucifer, Bruno Borges, Mauro Cerqueira, Isabel Carvalho e mesmo Marcos Farrajota ou Paulo Monteiro (importantes a outros níveis, não como autores) claramente ao segundo. As escolhas menos interessantes, frágeis, ou prematuras estão aqui, mas sem esse risco não se respeitaria o trabalho. Pedro Burgos, Carlos Zíngaro, Pedro Zamith, Pedro Nora, Alice Geirinhas, Maria João Worm, Ana Cortesão, André Lemos, João Maio Pinto, Luís Henriques, Pepedelrey ou Daniel Lima encaixam (melhor ou pior, de Lemos e Geirinhas a Pepedelrey e Henriques) no esquema global de Tinta nos Nervos (melhor, pressente-se, que JC Fernandes), mas é duvidoso que fossem universalmente seleccionados, até por nalguns casos se repetir material em

mostras deste tipo há décadas. E quem falta? Na verdade, e considerando a lógica interna, talvez só Rui Lacas, Fernando Relvas ou Ricardo Cabral (autores e experimentais, mas dentro de um outro cânone). Outras escolhas (Pedro Massano, ZéManel, José Abrantes, Rui Ricardo, Diferr, J Coelho, Luís Louro, Osvaldo Medina, Eugénio Silva, Bernardo Carvalho, Cristina Sampaio, David Soares, Luís Afonso, Jorge Mateus, Zeu...) e esta não seria a exposição pretendida. Em resumo: Tinta nos Nervos foi uma bela mostra de BD Portuguesa, não a única.

Quanto ao catálogo, e embora fosse previsível pela filosofia explicitada acima, é pena que não traduza mais do pensamento crítico que Moura demonstra no seu blogue LerBD. Entende-se que um Movimento não se faz só com um nome, mas as contribuições a montante (Domingos Isabelinho) e jusante (Sara Figueiredo Costa) pouco acrescentam. E o facto de textos e obras expostas se intercalarem por ordem alfabética não resulta tão bem como a ideia. Também aqui a mensagem é clara: (estes) críticos e autores são parte integrante de um mesmo processo/discurso. Essa seria outra discussão, mas o que fica sugerido como corolário é o fechar da iniciativa sobre si mesma. E isso nunca parece ser o que se pretende num objeto que tem potencial para, aproveitando iniciativas anteriores, levar a discussão em torna da BD para fora do contexto historico-nostálgico. Ao nível da edição, intervenção e internacionalização (óbvios caminhos apontados) Tinta nos Nervos tem de ter consequências.


Tinta nos Nervos: banda desenhada portuguesa. Cordenação de exposição e catálogo Pedro Vieira de Moura. Museu Coleção Berardo/Centro Cultural de Bélem, 200 pp., 24,99 Euros.

(*) Nota do Kuentro: No texto impresso no JL e neste, que fomos buscar ao blogue do autor, surge a frase “Mas teria sido possível retirar Bordallo e Pinheiro sem consequências”, mas parece-nos lógico que Ramalho Santos quis dizer “Bordallo e Botelho...”, daí termos corrigido a frase.
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Pedro Vieira Moura recebe o veterano autor Victor Mesquita, à entrada da exposição...

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Imagens da responsabilidade do Kuentro

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E HOJE VAMOS À TERTÚLIA BD DE LISBOA!!!


10 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Machado
    O meu comentário inicial tinha como intenção o “espicaçar” para provocar uma discussão saudável, mas visto que tal não é possível (como comprova o comentário anónimo) irei apagar o meu. Devo ter mexido com alguma “prima dona” da BD, das muitas que pululam no panorama “bedéfilo” nacional… e como não entro em peixeiradas dou por terminada a discussão.
    Lamento o meu comentário “insultuoso”, não acontecerá outra vez com certeza.

    Abraço

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  3. Caro Bongop,
    Fui apanhado fora do posto (fui à Tertúlia) e não cheguei a tempo de ler o teu comentário. Pelos vistos vou ter de começar a filtrar outra vez os comentários. Não aceito aqui anónimos, quem quer discutir alguma coisa, ou dar opinião, dê a cara, ou será cortado.

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  4. Bem Machado... o comentário anónimo continua aí a "dar sopa" para quem quiser ler... não foi "cortado".

    Abraço

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  5. Caro Bongop,
    Parece que estás a ter uma falta de respeito dupla, do tal anónimo (o anonimato só prova o carácter de quem escreveu aquilo), e do próprio Kuentro, que permite que tal injúria ali continue, para quem a queira ler.
    Tens bom remédio: Corta tu.
    Se calhar o Kuentro não precisa de publicidade, portanto não teres o link no teu blog, não lhe deve fazer grande diferença.
    Era o que eu faria.
    enxofre

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  6. Caro Bongop, pensei que o tinha apagado e afinal não. Sorry. Já está.

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  7. Bom Dia

    Só venho quando há updates (por email), logo soube disto ontem. O comentário Anónimo não tinha interesse em ler, o do Bongop sim, é para discutir civilizadamente que servem estas coisas. Mas usar nomes em textos de BD portuguesa que não sejam 100% positivos ou acríticos pode resultar nisto, é o que é. Mas não falar, ou falar a coberto do Anonimato para mim nunca foi solução.
    Obrigado Machado-Dias pela correcção, obviamente passou-me.
    João Ramalho Santos

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  8. Tive pena de vir aqui já demasiado tarde. Vi que Bongop tinha dado umas pistas pertinentes de leitura mas como tinha coisas para fazer, deixei a leitura para o dia seguinte. Eis quando vejo o comentário do autor removido, assim como uma série de outros comentários (ou seriam insultos?) também removidos. Pena que isto tenha descambado. Pode ser que um dia destes o Bongop volte a colocar as suas considerações sobre a exposição de Pedro Moura.

    José Matias

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  9. Já não tenho o comentário em questão... mas de qualquer maneira neste momento não estou "numa de discutir". Estou cansado de discutir sempre o mesmo, e normalmente fico sempre mal nas discussões. Para além disso no meio da BD portuguesa dá a ideia de que eu sou o único a defender esta posição, pelo menos não vejo mais ninguém a fazê-lo… por isso não a tenham muito em conta.
    Mas vou tentar expressar a minha opinião segunda vez.

    Eu tenho a minha opinião sobre o assunto e sobre a exposição, que vai exactamente contra a filosofia que presidiu a esta exposição. Gosto do Pedro Moura enquanto pessoa e como amante de BD, embora os gostos dele não sejam de maneira nenhuma os meus. Mas acho que quando se organiza uma exposição de BD se deve ter em conta os gostos de toda a gente, e o "comercial" deve estar bem representado, pois é esta parte que puxa mais gente para a BD, e não o género dito ou chamado "alternativo". Acho que há lugar para tudo, mas quando uma exposição tem apenas autores históricos da nossa BD (que eu aprecio) e o restante é tudo praticamente alternativo, a exposição passa a ser apenas para um círculo restrito de pessoas que gostam do género... quando falei em "orgia alternativa" não foi com intenção de ofender nem autores, nem o Pedro Moura! Pretendia apenas com essa expressão dizer que quase tudo eram autores desse segmento da BD, o que é curto e não representativo da nossa BD. Onde estão os autores emergentes, e que chatice... comerciais, se é que se pode dividir as coisas assim?
    Um colega meu comprou há pouco tempo um livro de BD com um CD, e veio-me perguntar se em Portugal as pessoas não sabiam desenhar!
    O que se passa é isto!
    Se querem ter uma BD saudável em português têm de atrair o público geral, e não vale a pena chamar a "essa gente" de ignorantes! É essa gente que tem o poder de pôr a BD portuguesa em pé, e "essa gente" gosta de "desenhos bonitos", gosta de ver representado um cão como ele é e não a "alma" desse cão, que não tem nada a ver com a representação dele física! Porque para haver BD alternativa forte e de qualidade a vertente comercial tem de estar saudável. E garantidamente esta exposição não serviu para chamar e fazer gostar o grande público (que anda completamente alheado da BD) da nossa BD.
    Podem-me dizer que teve milhares de visitantes, não sei, nem sequer acho isso importante neste momento, porque há muita gente que só vai a este tipo eventos "para parecer bem", e que se calhar não tem um único livro de BD em casa, e nem sequer está a pensar em comprar algum. É como o Amadora BD dizer que tem não sei quantos milhares de visitantes, mas a maior parte são crianças da escola em passeio, com o professor a puxá-los com força porque se quer despachar e está a apanhar uma grande seca.
    É claro que posso estar completamente enganado e esta exposição tivesse como objectivo um público mais restrito e sabedor do assunto.
    Mas mesmo que esse fosse o propósito, acho que estas oportunidades raras devem ser aproveitadas para propagandear a BD junto das massas e não afastá-las, com o estigma do "é só para intelectuais".

    Não pretendo ofender ninguém! Estavam lá autores muito bons representados, apenas expressei a minha opinião, se eu tivesse os conhecimentos e as ligações certas (e dinheiro quanto baste) faria uma exposição de maneira completamente diferente.
    Querem um exemplo muito bom de casamento entre a vertente alternativa e comercial?
    Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja
    Neste festival há lugar para tudo! Por isso eu acho, neste momento, que é o melhor festival português de BD!
    Quem tem o poder e a oportunidade que chame o "povo" para a BD.
    Eu não tenho. Apenas escrevo, ou tento escrever, num blog tentando divulgar o mais possível a BD que por aí se faz. Não consigo fazer mais que isso.

    Abraço
    Nuno Amado

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  10. Bem... demonstraram interesse em que eu fizesse constar aqui a minha opinião novamente, mas não vejo outras opiniões sobre o assunto... nem resposta!
    É que ainda deu um pouco de trabalho fazer o comentário...

    Abraço

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