HOJE É O “DIA BATMAN”
O NOSSO MONSTRO HÁ 75 ANOS
Público, 23/07/2014
Joana Amaral Cardoso
O mais filmado de todos os super-heróis, best-seller nas lojas de comics e também o justiceiro mais analisado por psiquiatras e psicólogos. Esta quarta-feira é o Dia Batman e há 75 anos nascia uma criança milionária, que sofreria um trauma universal e se transformaria num vigilante à margem da lei, superando-se e agarrando gerações pelo caminho. Do pós-guerra ao camp dos anos 1960, passando pela acidez dos anos 1980 que parece envolver para sempre a cidade fictícia de Gotham, o apelo de Batman é o do super-herói que não o é, do ser humano moral e imoralmente superlativo. Hoje é dia de festa, cantam as nossas torturadas almas, para o menino Batman, lá no cimo de prédios cinzentos, uma salva de balas?
Muitas encarnações, séries e linhas narrativas depois, Batman é celebrado nesta quarta-feira um pouco por todo o mundo, com várias bibliotecas, livrarias e lojas de comics a fazer a festa com uma reedição especial (e gratuita) do número 27 da Detective Comics de 30 de Março de 1939 – o livro em que aparece pela primeira vez o homem-morcego. Em Portugal, será a BD Mania, no Chiado lisboeta, a receber por estes dias um número limitado destes originais – entre 50 e cem, estima um dos proprietários, Pedro Silva, que explica que definirá um critério para a sua distribuição – além de exemplares das edições deste mês dos comics regulares da “família Batman” com capas alternativas, que serão ainda em menor número.
Num ano em que há uma exposição-Batman nos estúdios Warner em Los Angeles, em que a série de TV dos anos 1960 vai estrear-se no home video, que o Batman de Tim Burton será reeditado no Outono e em que há novo videojogo, o alter ego nocturno do milionário Bruce Wayne é constantemente “um dos mais procurados” e “neste momento é o best-seller da loja”, atesta Vasco Lopes, livreiro da BD Mania que cresceu com Batman à cabeceira. Há mais de 15 anos a comercializar e distribuir banda-desenhada e material associado, a BD Mania tem no seu perfil de Facebook um Santo António com máscara negra na cara e um menino vestido de Robin ao colo. Há o deputado-Batman, o manifestante vestido de Batman para lutar pelos direitos dos pais, toda uma cultura popular embebida em morcegos e ideias de justiça ou falta dela. “Batman é um modo de vida”, resume Jim Lee, ilustrador e editor na empresa DC Comics.
Relógio parado em 1986
Nas últimas semanas, duas figuras centrais do universo Marvel (o outro gigante da edição de comics mundial) mudaram. Thor vai ser uma mulher, o Capitão América vai ser um negro. Há cinco anos, era a Batwoman que vivia a sua homossexualidade, há dois a Marvel celebrou o seu primeiro casamento gay, o Super-Homem já morreu inúmeras vezes e Bruce Wayne também…“Estas inflexões narrativas são um golpe duplo: tira-se o fôlego aos fãs com a mudança drástica e reconquistam-se os seus corações um ano depois devolvendo tudo à ‘normalidade’”, contextualiza João Lemos, ilustrador e autor de BD português que já colaborou com a Marvel. Apesar de, lembra, Batman também já ter tido outras vidas nos chamados universos alternativos da DC (do Japão medieval a uma Gotham vitoriana, exemplifica), o ilustrador considera: “À noite, todas as silhuetas icónicas são pardas mas, a longo prazo, a história requer elementos como a duplicidade de um semidiurno Bruce Wayne para se sustentar”. Ou seja, a essência do homem-morcego será menos permeável a estes mecanismos de diversificação e mercado das editoras. Mas uma dessas séries de histórias independentes mudou o morcego para sempre.
Recuemos no tempo. Batman nasceu em 1939 pelas mãos do ilustrador Bob Kane e do argumentista Bill Finger como uma encomenda da DC para que se juntasse mais um super-herói ao rol encabeçado naquela casa pelo muito bem-sucedido Super-Homem. No ano seguinte saía a primeira revista Batman, já com outras duas personagens que ajudaram a definir, como imagens no espelho, o cavaleiro das trevas – Joker e Catwoman. A primeira era de Batman foi escura, tortuosa. Nos anos 1950 e 60 tornou-se sorridente, quase paternal, além de irreprimivelmente camp na série televisiva protagonizada por Adam West. Depois veio a loucura do vigilante em busca de vingança e do storytelling mais rico e inovador, as tensões dos anos 1970 plasmadas em quadradinhos. E o relógio pára em 1986.
The Dark Knight Returns foi Frank Miller (Sin City, 300) a reescrever e redesenhar com Klaus Janson a história de Batman numa minissérie em que o herói estava mais velho (55 anos), Gotham cheia de crime e o Estado e Super-Homem em modo de perseguição ao homem-morcego saído da reforma. A Guerra Fria e o fosso da luta de classes era, tal como para outra importante série que despontava nesse ano na DC – a novela gráfica Os Guardiões, de Alan Moore e Dave Gibbons – o pano de fundo perfeito dentro e fora dos quadradinhos para uma visão densa da sociedade. Muitas outras histórias e momentos ajudaram a definir o morcego, mas “o que o Frank Miller fez é agora inseparável do ADN da personagem, que se tornou assim o contraponto lunar do solar Super-Homem”, postula João Lemos. E Vasco Lopes, rodeado de comics, heróis e vilões, não hesita em definir esta visão em quatro livros como a sua preferida. Leu-a aos 13 anos – “foi talvez a história mais adulta que li na altura” – e prendeu-o o facto de ser “um Batman mais velho, muito Clint Eastwood, que muda a nossa percepção do que é hoje” a personagem. “Batman torna-se mais ‘fascista’ com essa história, mais cruel, mais sádico.”
THE BATMAN EXHIBIT
A WARNER BROS STUDIOS COMEMORA
O 75º ANIVERSÁRIO DE BATMAN
COM UMA MEGA EXPOSIÇÃO EM LOS ANGELES
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