BRUCE SPRINGSTEEN
PERFILHA UM FORA-DA-LEI
Diário de Notícias, 22 de novembro de 2014
Aos 65 anos, Bruce Springsteen estreia-se como argumentista de banda desenhada.
O trabalho do Boss não foi muito - a história de Outlaw Pete, que lhe era narrada pela mãe durante a sua infância, iá estava contada. E cantada. Mas, agora também se vê.
Por João Gobern
O tema musical já existia, tomado público há cinco anos, abrindo o álbum Working on a Dream e rendendo ao Boss uma avaliação que se sintetiza numa ideia: a de ter resumido, em oito minutos, o melhor do estilo e do espírito que o compositor Ennio Morricone reservou para os westerns. Agora, numa edição da Simon & Schuster, cumpre-se o segundo desígnio de Outlaw Pete, mais um anti-herói da banda desenhada, pelo traço inquieto e envolvente de Frank Caruso, um consagrado desenhador que passou algum tempo, considerável e teimoso, a teimar convencer Springsteen de que a sua personagem justificava esse salto entre dois universos aparentemente distintos.
Springsteen que, depois do lançamento do disco High Hopes, já este ano, optou por uma pausa nos concertos, não pactua com a inatividade: estreou-se como corealizador e protagonista numa curta-metragem chamada Hunter of Invisible Game e assumiu finalmente o desafio de representar, ao participar num episódio da série Lilyhammer, em que o papel principal cabe a Miami Steve Van Zandt, guitarrista da E-Street Band, seu parceiro de palco e "irmão de sangue".
De volta a Outlaw Pete, o livro: Springsteen aplicou, à sua medida, uma memória de infância. Tomou como base uma história que lhe foi narrada pela mãe, a de "Um miúdo de coração puro" chamado Brave Cowboy Bill, e transformou-a de modo a que Pete enfileire, sem défice, na sua extensa galeria de fantásticos perdedores que, ainda assim, não calham mal no papel de exemplos para a vida real. Pete cresce como delinquente e amadurece como um assassino em combate com a consciência, até que um dia, depois de sonhar com a sua própria morte, opta por renascer, longe das cidades e das famílias em que vincara profundas e negras marcas. Junta-se com uma índia, da tribo Navajo, e divide os seus dias entre a filha, que gosta de deitar sobre o peito, e a necessidade caçar e pescar. Mas, como Springsteen entende não fintar o acerto de contas, um caçador de recompensas aparece na pista do fora-da-lei, acabando ambos por se enfrentar nas margens de um riacho em que Pete paulatinamente pescava...
Springsteen pode até debruçar-se de novo sobre uma personagem definitiva da literatura americana, Tom Joad, entregue à vida e às lembranças por John Steinbeck (As Vinhas da Ira), filtrado pelo realizador John Ford e pelo ator Henry Fonda. Faça o que fizer, a certeza continuará a dançar diante dos olhos de todos: Bruce Springsteen merecerá sempre um lugar de destaque entre os grandes retratistas de uma América em que os sumarentos ideais, os valores e os sonhos surgem temperados pelos agrestes sabores da realidade, com crises, desagregação social, corrupção e outras chagas, pelo óculo incauto do homem comum. Por agora, Outlaw Pete vale como objeto de coleção e como lenda a reter. Sendo letra de cantiga, dispensa tradução. E, como convém à figura central, lê-se de um tiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário