GAZETA DA BD #39 – NA GAZETA DAS CALDAS
PRÉMIO NACIONAL DE BD – 2014
MELHOR ÁLBUM PORTUGUÊS DO ANO
ZONA DE DESCONFORTO
Gazeta das Caldas, 20 Fevereiro 2015
Jorge Machado-Dias
Texto integral que não foi possível publicar completo na Gazeta das Caldas por falta de espaço
ZONA DE DESCONFORTO
Por Christina Casnellie (Holanda 2006), Ondina Pires (Londres 2008-10), Daniel Lopes (Brasil 2013), Tiago Baptista (Berlim 2013), José Smith Vargas (Holanda 2007), Amanda Baeza (Bilbao 2010), Francisco Sousa Lobo (Londres 2010-13), André Coelho (Barcelona 2006), David Campos (Cap Skirring 2007) e Júlia Tovar (Buenos Aires 2013).
144 págs.
Associação Chili com Carne, 2014 (http://www.chilicomcarne.com/)
Edição de Marcos Farrajota
Design de Joana Pires
Como aqui escrevemos, na edição de 2 de Janeiro passado, o Prémio Nacional de BD – Melhor Álbum Português do ano 2014 foi atribuído a Zona de Desconforto, editado pela Associação Chili com Carne, na sua colecção “Lou Cost” (que inclui Boring Europa e Kassumai e tem já programado novo livro: Convento da Cartuxa, de Francisco Sousa Lobo). Dissemos nessa altura que era um facto completamente inédito nas edições anteriores destes Prémios, uma vez que nunca um editor underground o tinha ganho.
Comecemos pelo princípio: a Associação Chili com Carne foi fundada em 1995 por Marcos Farrajota, depois de, em 1992 ter criado com Pedro Brito o fanzine “Mesinha de Cabeceira”, que ainda se edita. Depois criou a editora MMMNNNRRRG – “para gente bruta”, já com uma boa série de livros editados. Farrajota também é autor de BD e tem feito capas, cartazes e BD's para bandas punks e afins, sendo também o único funcionário daquilo que resta da antiga Bedeteca de Lisboa, agora integrada na Biblioteca dos Olivais. Criou e escreveu a série "Loverboy", em parceria com João Fazenda na ilustração. Tem vários artigos sobre BD, fanzines e música espalhados em várias publicações.
Como autor, Farrajota, para além de ter realizado e publicado alguns fanzines com apoio da Associação Chili com Carne estreou-se na colecção Lx Comics (da Bedeteca de Lisboa), cujos primeiros volumes foram publicados a pretexto da exposição "Pranchas necessariamente incolores". Com Pedro Moura desenhou a bd "História de Deus" nos três números da revista CriCa. Participou na antologia Crack On. Compilou todas as suas bd's autobiográficas em dois livros, Noitadas, Deprês e Bubas (2008) e Talento Local (2010) e fez o livro do DVD do 15º Steel Warriors Rebellion Metalfest.
Assim, as edições da Chili com Carne (e também as da MMMNNNRRRG) reflectem – pensamos nós – as convicções anarquistas, contestatárias, do seu editor, que escreve na introdução a Zona de Desconforto:
“(...) Muitos portugueses têm ido estudar para o estrangeiro graças a programas universitários ou outras bolsas institucionais. Outros têm ido para fora trabalhar, ou porque não encontram estímulos para a sua criatividade num país periférico e atrasado como o nosso, ou porque tiveram mesmo de procurar emprego para sobreviver dando razão a um político filho-da-puta que afirmou nos media que "o melhor que os jovens portugueses tinham a fazer era emigrar". O que poderia ser uma abstracção ou uma demagogia bizarra tornou-se realidade. Muitos de todos nós, já o sentimos, muitos dos nossos amigos e conhecidos "desapareceram" e sabemos que nem todos voltarão a este canto europeu.
Nesta antologia, os nossos autores de BD relatam as suas experiências enquanto estudantes ou trabalhadores no estrangeiro, expondo os seus extremos, da leve piada do choque cultural às reflexões profundas e intimistas. Se os obrigamos a trabalhar nas questões da autobiografia, garantimos no entanto, que o estilo pessoal de cada autor em nada foi prejudicado (...)”
Zona de Desconforto é pois uma recolha de relatos de autores de Banda Desenhada que foram estudar ou trabalhar para fora de Portugal. Escreve o editor, na apresentação do livro na página do Facebook da Chili com Carne (https://www.facebook.com/chilicomcarne/posts/674136689309644):
“(...) Os autores apesar de terem sido “obrigados” a trabalharem em registo autobiográfico para relatarem as suas experiências, que vão da leve piada do choque cultural às reflexões profundas e intimistas, ainda assim o estilo pessoal de cada autor não foi prejudicado. Organizado por ordem cronológica, o livro começa com André Coelho, que estudou em Barcelona, em 2006, e expõe as questões nacionalistas catalãs, mas a experiência similar de Amanda Baeza no País Basco (estudou em Bilbao, em 2010) é mostrada de uma forma oposta e “leftfield”. Holanda vai ser uma coincidência de país para a “globe trotter” Christina Casnellie (em 2006) e um ano mais tarde, José Smith Vargas, maior é a coincidência é que ambos desmontam a sociedade holandesa e a “pan-ibérica”. Londres também é uma “coincidência” para encontramos Ondina Pires (ex-Pop Dell’Arte, ex-The Great Lesbian Show) entre 2008 e 2010, e Francisco Sousa Lobo (vencedor do concurso “500 paus”) entre 2010 e 2013, que usam “comic relief” q.b. para contar a depressão que se sente na capital inglesa, e no caso de Lobo esta sua BD é uma “companion” para o badalado romance gráfico O Desenhador Defunto. Mas antes, David Campos complementando a sua experiência da Guiné-Bissau (relatada no Kassumai) visita o resort de Cap Skirring (Senegal) em 2007 para alertar-nos da exploração não só de recursos económicos mas também sexuais de África. Em 2013 ainda temos as instrospecções políticas de Tiago Baptista em Berlim, durante uma residência artística; e mais extremas as deslocações sul-americanas de Júlia Tovar para Buenos Aires, decidida a criar a sua família, e com alguma ponta de ironia Daniel Lopes mostra o Brasil como o “futuro”, na sua recente visita profissional, como académico. Esta edição foi coordenada por Marcos Farrajota, frustrado e impotente em testemunhar a emigração, em alguns casos forçada, dos seus amigos e conhecidos à procura de melhores condições de vida. O livro não tem uma “agenda política” porque deixa que o relato de cada autor siga o seu rumo, com saldo positivo ou negativo, deixando ao leitor a interpretação que desejar. Longe de nós impormos seja o que for (...)”
Quanto a mim, o único “desconforto” que me provocou a leitura de Zona de Desconforto, foi a cor vermelha em que foi impresso – tive que suspender várias vezes a leitura porque todo aquele vermelho “ofende” (cansa) um bocado os olhos – embora pense que a cor utilizada terá eventualmente um significado ideológico. Mas é, apesar desse pequeno “desconforto”, um excelente livro!
Os interessados podem ler a crítica de Pedro Moura a este livro em http://lerbd.blogspot.pt/2014/06/zona-de-desconforto-aavv-chili-com-carne.html
Pranchas de Christina Casnellie e Francisco Sousa Lobo
Nota técnica: a cor destas duas pranchas foi trabalhada para que pudessem ser reproduzidas "no vermelho vivo" directo (a partir de um Pantone, por exemplo, ou a duas cores: 100% Amarelo + 100% Magenta) na impressão a quatro cores (CMYK) da Gazeta - o que é muito difícil de conseguir: o resultado não foi famoso e é o que se vê aqui, muito diferente das pranchas reproduzidas abaixo, que se assemelham mais ou menos com os originais impressos no livro.
Apesar de tudo a capa do livro não saiu mal...
Pranchas de Amanda Baeza e Daniel Lopes
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