sexta-feira, 23 de novembro de 2018

BANDA DESENHADA (CONVERSAS COM OS PUTOS de Álvaro) João Ramalho Santos no JL

BDpress #495 - recorte do JL



BANDA DESENHADA 
CONVERSAS COM OS PUTOS 
(de Álvaro) 

João Ramalho Santos 

Educação 

Cada geração (seja lá como for que se defina essa entidade fluida) tem como ponto de honra do seu percurso zurzir educativamente na que lhe sucede. Porque "no nosso tempo é que era, e tínhamos de estudar ... (preencher espaço em branco com algo como: latim, francês, livros em papel...)"; e, por consequência, "os miúdos de hoje não sabem nada!" Esse discurso convenientemente esquece que gerações mais novas vivem num contexto distinto (duvido que algum seu membro leia isto); ou que muito daquilo que expressam é devido a comportamentos sociais que implicam também os seus progenitores. E o sistema educativo também teria obrigação de se adaptar, apesar de ter vindo a ser cada mais desvalorizado.

Um tipo de resposta pode ser superficial, implicando o prolongamento do mesmo programa por outros meios, algo que também cria novos mercados, já agora. É, notoriamente, o caso do universo fascinante das "explicações", antes pontuais e para algumas matérias nos últimos anos do ensino secundário; hoje ubíquas para_todos os assuntos, da primária ao superior.

Viver de banda desenhada não é fácil, e dar explicações de Geometria Descritiva é uma das soluções que Álvaro usa para chegar ao fim do mês. Autor de obras como "Sexo, mentiras e fotocópias" ou "Balcão trauma", Álvaro é candidato há anos . ao prémio apócrifo de "melhor humorista português a merecer um reconhecimento mais amplo".

Em "Conversas com os putos" as situações são tiradas, diz o autor, de comentários reais de explicandos; provando mais uma vez que o pior da realidade pode resultar no melhor do humor. Depois de um primeiro volume (Polvo, 2017), segue-se agora um segundo em edição própria (Insónia Edições, 2018) que, e isto é sintomático, inclui também "bitaites" dos pais dos alunos, demonstrando, se era preciso, que as gerações são produtos umas das outras; e, por conseguinte, que vamos piorando (perdão! mudando ... ) em sintonia uns com os outros, e com o restante universo.

O traço caricatural de Álvaro é de uma simplicidade desarmante, muito eficaz a resumir situações, comportamentos e personalidades, sempre em risco de desaguar no grotesco. É nesse controlo de exageros que se joga a parte visual do seu humor, como na obra seminal sobre o pequeno (grande) poder do funcionário rígido e incompetente "Sexo, mentiras e fotocópias". E se em "Balcão Trauma" surgiam desequilíbrios, os momentos de "Conversas com os putos (e com os pais deles)" mostram um Álvaro em plena forma. Não só pelo humor por vezes inacreditável das situações em si, mas porque, apesar de serem curtos episódios isolados, ao longo do livro Álvaro deixa claro que o problema vai bem para lá da pusilanimidade das pessoas com quem interage, e para quem as explicações são uma obrigação sem grande sentido. Se há sempre a tentação de pairar por cima do oceano de ignorância numa posição de superioridade intelectual (e moral), a verdade nua e crua é que o autor é mais refém da sua educação do que os seus explicandos, ou os ainda mais preocupantes progenitores.

Os primeiros em breve esquecerão tudo o que foram forçados a "marrar", os segundos demonstram que não é preciso muito para triunfar na vida, desde que "triunfar" signifique conseguir pagar explicações aos filhos.

Claro que há exceções e exemplos de compaixão e generosidade, necessários até para aliviar a carga potencialmente negativa e de sentido único que uma abordagem destas poderia ter. Mas o essencial é isto: não estamos a educar bem, e devíamos fazer algo sobre isso. Sermos capazes de rir das nossas limitações já é um (bom) princípio.

Argumento e desenhos de Alvaro 

CONVERSAS COM OS PUTOS 
Polvo. 64 pp., 7,90 Euros 


Argumento e desenhos de .AlVaro 

CONVERSAS COM OS PUTOS (E COM OS PAIS DELES) 
Insónia, 80 pp., 11 Euros






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