Público, suplemento Fugas, 9 Julho 2011
Colecção Rotas e Percursos
Carlos Pessoa
VENEZA
Corto Maltese
abre as portas da cidade ao viajante
Tudo começou no Pacífico Sul, numa jangada à deriva, e tudo acabou enquanto demandava o continente perdido de Mú. Durante esse dilatado tempo de aventura, Veneza marcou presença única no percurso de Corto Maltese. O primeiro livro da colecção Rotas e Percursos leva-nos de novo à cidade do Adriático, desta vez pela mão do herói de Hugo Pratt. Os seus autores, deixam duas sugestões: usar sapatos confortáveis e passear ao sabor da inspiração.
A primeira aparição de Corto Maltese é inesqueável. Na quinta prancha de A Balada do Mar Salgado, publicada emJulho de 1967 na revista italiana de banda desenhada Sgt. Kirk, aparece à deriva na imensidão oceânica do Pacífico um marinheiro de longo curso. Assinale-se o dia da ocorrência: 1de Novembro de 1913, dia das surpresas, dia de Todos-os-Santos.
Quem poderia adivinhar que este personagem secundário da história se iria transformar num dos mais importantes heróis de banda desenhada de todos os tempos?
O tempo corre e oito anos depois, quando a criação de Hugo Pratt já não é desconhecida mas, pelo contrário, está bem enraizada no imaginário de milhões de leitores, o marinheiro aventureiro é surpreendido em Itália. "Veneza seria o meu fim!", exclama Corto num dos mais nostálgicos monólogos de que há memória, e depois de confessar a sua imensa paixão pela cidade italiana, muito bela e, além disso, encantada, geradora de todas as preguiças e deleites, lugar de todos os sortilégios, onde existem três sítios mágicos e secretos.
Explica Hugo Pratt (ou será Corto Maltese?): quando os venezianos, e por vezes os malteses, se cansam das autoridades, dirigem-se a estes lugares e, abrindo as portas ao fundo desses pátios, partem para sempre em direcção a países fantásticos e outras histórias. Fim de Fábula de Veneza.
Tudo isso pode ser procurado e, quem sabe?, encontrado no labirinto de ruelas de Veneza de que falam os autores deste guia. Transformados em fios de Ariadne para ajudar o visitante-leitor a orientar-se, conduzindo-o através de percursos menos conhecidos, Guido Fuga e Lele VianelIo (mais os soberbos desenhos de Hugo Pratt) propõem sete viagens através de sete portas – da aventura, do mar, do oriente, do ouro, do amor, da cor, da viagem –, que são outras tantas formas de fazer a iniciação a uma cidade com uma natureza particular, lembram, um "duplo labirinto de terra e de água".
Há poesia e ficção nos itinerários, mas também rigor e precisão.
E para que a experiência seja plenamente sucedida, deixam uma sugestão sensata: que cada um calce sapatos confortáveis e passeie ao sabor da sua inspiração; acima de tudo, a descoberta de Veneza, cidade que não precisa de adjectivação, deve ser, sempre, um prazer.
Antes e depois de passar por Veneza, Corto deixou a sua discreta mas inconfundível marca em todas as latitudes conhecidas do planeta. Esteve no conflito russo-nipónico nos primeiros anos do século XX, abriu trilhos insuspeitados na floresta amazónica e foi visto na costa ocidental da América do Sul. Durante a Primeira Guerra Mundial passou pela Europa e pela África Oriental, enfrentou os rigores da Sibéria e procurou os tesouros de Samarcanda. Atravessou meio mundo para procurar velhos amigos na Argentina e depois de uma nova passagem pela cidade dos seus sonhos e mitos, antes de mergulhar nos mistérios alquímicos helvéticos, terminou a sua saga conhecida à procura do mítico continente perdido da Atlântida.
Dizem os seus biógrafos que Corto Maltese também passou por Espanha nos anos brutais da guerra civil, mas o criador italiano já não viveria para contar o que levou o seu herói até lá.
Hugo Pratt escreveu e desenhou as histórias de Corto Maltese, um herói tão singular que é dificil escapar-lhe ao carisma, à subtileza, ao humor, à sensibilidade. Dele falou Pratt em termos que têm tanto de caloroso e misterioso como de lúcido: "Corto não nasceu de mim. Estou certo que é um fenómeno de autocombustão. Ele vive. Aliás, nunca sei se sou eu que o sonho ou se é o inverso."
Nas incontornáveis entrevistas com Dominique Petitfaux (Hugo Pratt – O desejo de ser inútil, Relógio d'Água Editores, 2005) lembrou que, como Ulisses, Corto Maltese é um marinheiro que vai de aventura em aventura, vivendo num mundo onde nada está programado e onde é constantemente preciso fazer escolhas.
Sabemos em que consistem as escolhas do marinheiro de Malta: a beleza, ajustiça, a humanidade, e também um desejo irreprimível de viver cada momento e situação como se fossem únicos e irrepetíveis, requisito indispensável para gerar mais consciência na vida e na existência.
Uma colecção para descobrir sete cidades
Dado que ainda só existe imagem da edição portuguesa da capa do primeiro livro (e em baixa resolução, diga-se) optámos por deixar aqui as capas da edição original, como referência.
DATAS DE LANÇAMENTO DOS LIVROS COM O PÚBLICO
13 de Julho
Veneza - Percursos com Corto Maltese
Hugo Pratt – Guido Fuga – Lele Vianello
20 de Julho
Roma - Percursos com Alix
Jacques Martin – Gilles Chaillet - Enrico Sallustio - Thérèse de Cherisey
27 de Julho
Nova Iorque – Percursos
Miles Hyman - Vincent Réa
3 de Agosto
Florença – Percursos
Nicolas de Crecy – Élodie Lepage
10 de Agosto
Marraquexe – Percursos
Jacques Fernandez - Olivier Cirendini
17de Agosto
Praga – Percursos
Guillaume Sorel – Christine Coste
24 de Agosto
Bruxelas – Percursos
François Schuiten – Christine Coste
Veneza - Percursos com Corto Maltese
Hugo Pratt, Guido Fuga e Lele Vianello. Tradução de Paula Caetano.
Edição PúBUCO-Asa. 164 págs, € 8,90.
À venda a 13 de Julho
_____________________________________________________
As imagens são da responsabilidade do Kuentro
_____________________________________________________
Sem comentários:
Enviar um comentário