Público, suplemento Fugas, 16 Julho 2011
Colecção Rotas e Percursos
ROMA
PELO DÉDALO DA CIDADE COM ALIX
Carlos Pessoa
Ler as aventuras de Alix não é condição indispensável para conhecer Roma, mas elas ajudam a perceber melhor o que é a "espessura do tempo" e o "dédalo da cidade" de que falam os autores deste segundo livro da colecção Rotas e Percursos. Filho de gauleses que combateram ao lado das legiões romanas, o herói da banda desenhada clássica serve de guia pela malha urbana da capital italiana, em busca dos sinais identificadores de um passado glorioso.
No cárcere Mamertino foram encarcerados Vercingetórix e numerosos chefes inimigos de Roma e a lenda diz que passaram por lá São Pedro e São Paulo. É um dos sítios de Roma onde o rumo do viajante pode cruzar-se com o de Alix, pois foi ali que o herói da banda desenhada criado por Jacques Martin esteve detido sob a acusação de ter assassinado o senador Caio Quintus Arenus. Percorrer a capital romana calma e metodicamente não exige a companhia deste herói da banda desenhada europeia. Mas esta opção proporciona seguramente um percurso original e mais sugestivo, em tudo diferente do que consta nos habituais guias turísticos para consumo de massas. Lê-se na introdução a este volume:
"Os percursos tornam-se por vezes labirínticos, para descobrir uma escultura, uma imagem, um claustro, os bastidores de um beco que esconde uma minúscula cena barroca, uma fonte, uma vista imperdível ou uma pracinha animada onde é obrigatório parar, num vaivém ininterrupto entre passado e presente no qual Roma é imbatível. As ilustrações de Jacques Martin, Gilles Chaillet e Enrico Sallustio dão vida a esse passado com o qual os romanos convivem ainda hoje com rara familiaridade. "A cidade é o que é, com todos os sortilégios que lhe podem ser atribuídos, e nenhuma ficção, por mais brilhante que seja, lhe altera os contornos, locais, passos, memórias e testemunhos monumentais e arqueológicos. Mas que Roma é, por excelência, um palco vocacionado para a aventura e a intriga, as emoções fortes e os mistérios empolgantes, disso nenhum leitor das aventuras de Alix terá dúvidas. Sigamos, pois, este herói galo-romano pelas malhas da capital do Império, que percorreu como poucos ao longo da sua saga aventurosa na companhia do inseparável Enak. O personagem apareceu pela primeira vez no dia 16 de Setembro de 1948 nas páginas da revista belga Tintin. Mas antes de ser história e aventura, o herói foi uma idéia, instalada no espírito do francês Jacques Martin e materializada por este mesmo artista. Como nasceu? Em 1973, Jacques Glénat e François Rivière fizeram-lhe essa pergunta, inevitável em qualquer entrevista. Respondeu o autor: "Alix é o fruto do meu amor pela Grécia e pela Antigüidade. Estava em mim... Porque se é verdade que conheci naquela época Hergé, conheci também Flaubert. E Flaubert foi um dos grandes choques da minha vida. Abriu-me as portas de Platão, Sócrates, de toda a Antigüidade, de todo o mundo romano."
Desde o final da Segunda Guerra Mundial que o francês Jacques Martin estava firmemente decidido a trocar uma formação académica em engenharia pelo desenho e pela banda desenhada. Mas é a sua entrada na equipa de Tintin, em 1948, que lhe permite realizar esse sonho. Apesar das críticas ao seu desenho e das reservas iniciais de Hergé, na altura director artístico da revista, Martin não se deixou intimidar e não desistiu. O resto é história já conhecida. As aventuras de Alix são marcadas por uma incontestável preocupação – pode dizer-se mesmo que isso era uma obsessão em Martin, que possuía na sua biblioteca vários milhares de volumes sobre a Antigüidade – com a documentação histórica, que se exprime tanto nos espaços arquitectónicos como no vestuário, no armamento ou nos ambientes e cenários de cada história. Não surpreende, por isso, que sejam inúmeros os exemplos incluídos neste volume, permitindo aos leitores comprovarem que esta é, porventura, a mais completa e exigente série de matriz histórica produzida pela BD de expressão franco-belga.
Roma e o Império servem de pano de fundo para as aventuras de Alix e do seu inseparável companheiro Enak, dois ou três anos mais novo. Decorrem nos anos 50 a.C, numa época em que Pompeu e César disputam o poder, este último conquista a Gália e atravessa o Rubicão, expulsando o seu adversário de Roma. Inicialmente votado a uma efêmera aparição, Enak acabaria por se transformar no segundo elemento, na seqüência de uma avalanche de cartas de leitores que obrigaram Martin a reintroduzi-lo na série. São eles os guias dos viajantes que percorrerem os roteiros definidos pelos autores do livro.
As dicas da Fugas para explorar a cidade
1. O buraco na fechadura: não é das coisas que toda a gente procure, e na verdade também não é coisa que interesse a toda a gente e por acaso não fica em Trastevere, mas pode ficar no caminho para lá. Mas vale a pena, isso vale. Lá para os lados do Monte Aventino, é só seguir as indicações para a igreja de Santa Sabina. Visite-se o templo e depois é só procurar o edifício pertencente à Ordem dos Cavaleiros de Malta, que está fechado ao público. Não é isso que interessa: aqui a ordem é para espreitar pelo buraco da fechadura da imponente porta. Ao fundo de uma alameda de ciprestes verá, imponente e perfeita dentro do círculo, a cúpula da Basílica de São Pedro. Quem gostar de detalhes não deve perder este.
2. A feira: as opiniões dividem-se quanto ao flea market de Porta Portese, que acontece aos domingos de manhã na capital italiana. À primeira vista, não passa de uma feira igual a tantas outras que temos por cá, cheia de vestuário e calçado barato e de qualidade duvidosa também. Mas em Maio passado encontrámos lá belas bancas de artesanato urbano e uma boa selecção de roupas com toques vintage. Na dúvida, e havendo tempo, é de ir.
3. Uma pizza que é um poema: falar de pizzas quando se está a falar de Roma parece ser um contra-senso, uma perda de tempo. Elas existem para todos os gostos e rodas as bolsas, em cada esquina e em cada canto. É por sabermos que decidir onde parar pode ser uma tremenda de uma decisão que não resistimos a partilhar aquela que achamos que foi a melhor experiência: a pizzeria Dar Poeta, numa pequena ruazinha de Trastevere. Eles explicam que têm um segredo na combinação das farinhas com que fazem a massa para a base de pizza que a torna de mais fácil digestão do que as da concorrência. Não nos atrevemos a confirmar tanto, porque não houve problemas digestivos por causa de nenhuma.
Mas atrevemo-nos a dizer que foi na Dar Poeta que comemos a pizza que vai directamente para o topo do top: a de rúcula, Gorgonzola e salmão. Nharn- nham. Fica no Vicolo dei Bologna, 45.
Uma colecção para descobrir sete cidades
Capa da edição original
Roma - Percursos com Alix
Thérèse de Chérisey, Jacques Martin, Gilles Chaillet e Enrico Sallustio
Tradução de Ana Cristina Leonardo
Edição PÚBLICO-Asa 160 págs, €8.90
À venda a 20 de Julho
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ATENÇÃO:
Estes livros não são Banda Desenhada!
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ATENÇÃO:
Estes livros não são Banda Desenhada!
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Comentário: Evidentemente que não vi o livro e não sei se haverá lugar nele a imagens da Roma moderna. Por isso não deixo de comentar as imagens que são apresentadas com este texto de Carlos Pessoa. Em primeiro lugar temos que situar a época em que decorrem As Aventuras de Alix: por volta do ano 50 Antes de Cristo. Portanto Alix faz uma viagem por Roma, para além da sua época, como é óbvio.
A primeira imagem que aparece é uma reconstituição do Mausoléu de Cæsar Augustus, inicidado em 24 A.C.
O aspecto actual do Mausoléu de Cæsar Augustus
A segunda imagem (que pelos trajes das personagens se situa no século XVIII), é a evocação da zona de igreja de Santa Maria della Pace, construida em 1484, não muito longe da Piazza Navona. Esta Piazza (onde se encontra a célebre Fontana di Trevi – Fonte dos Trevos – de Bernini) foi construida por cima das ruínas do Circo de Domitianus – tem mesmo a sua forma, em planta – no antigo Campo de Marte cerca de 90 D.C., perto do local onde se situaria o Ara Pacis (o Altar da Paz) erigido por Cæsar Augustus por volta de 10 A.C. – daí toda a zona ter a referencia “della Pace”.
Aspecto actual da igreja de Santa Maria della Pace
A coluna de Traianus, foi erigida cerca de 113 D.C. para comemorar a conquista da Dácia pelo imperator Traianus, perto do antigo forum.
Aspecto actual da coluna de Traianus
Na capa aparece o Castelo de St. Angelo, que originalmente era o Mausoléu do imperator Adrianus, construido cerca de 139 D.C.
Aspecto actual do Castelo de St. Angelo
Este comentário serve também para mostrar o Dédalo Histórico da vetusta cidade, onde começou toda a civilização ocidental.
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Imagens da responsabilidade do Kuentro
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