sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

LIVROS RECEBIDOS - COMER-BEBER DE FILIPE MELO E JUAN CAVIA

LIVROS RECEBIDOS

COMER – BEBER
DE FILIPE MELO E JUAN CAVIA

Juan Cavia e Filipe Melo

Na Berlim dos anos 40, em plena Segunda Guerra Mundial, Franz Majowski esconde uma garrafa de champanhe no cofre do seu restaurante. Na década de 80, Lloyd Jenkins percorre o interior da América em busca de uma tarte de maçã. Numa história, há uma tarte de maçã que se revela. Na outra, há uma garrafa de champanhe que se esconde. Um destes relatos é completamente ficcional; o outro é baseado em factos verídicos. De um lado o «comer», do outro lado o «beber».

O LANÇAMENTO SERÁ COMICCON, NO PORTO, AMANHÃ DIA 16 DE DEZEMBRO E EM LISBOA, NA FNAC CHIADO, NO DIA 18 DE DEZEMBRO ÀS 18.30.

Agora num registo completamente diferente... é o que se pode dizer, aí está o novo livro da dupla Filipe Melo e Juan Cavia. Dividida em dois capítulos: Majowsky e Sleepwalle, num livrinho de 13,6 x 19,3 cm, em capa dura e 72 páginas, editado pela Tinta da China.

Trata-se de um relato ficcional e outro real. Dois contos que partiram de um convite do director da revista Granta e que formam agora um livro em dois capítulos que se cruzam na relação - simultaneamente universal e pessoal - entre o paladar e a memória.


Deixo aqui o Prefácio do director da revista Granta, Carlos Vaz Marques
que digitlizei e saquei via OCR (muito trabalhado).


Tenho de começar por uma confissão de cada vez que dou por mim num lugar estranho, sinto-me o espermatozóide negro de Woody Allen. Ou melhor, para desfazer de imediato eventuais mal-entendidos: não me refiro evidentemente a um espermatozóide do próprio realizador, mas ao famoso espermatozóide de um filme dele; aquele, já velhinho, do princípio dos anos 70 do século passado, que em Portugal se chamou O ABC do Amor mas cujo título original é bem mais sugestivo (e quase um trava-línguas): Everything You Always Wanted to Know about Sex• but Were Afraid to Ask.

A cena é conhecida: acompanhamos, no centro de controlo cerebral de um homem prestes a ejacular, os preparativos para o orgasmo. O·comando das operações é de um rigor militar: os espermatozóides alinham-se, como um batalhão de páraquedistas, impecavelmente vestidos de branco, à espera da ordem que há-de lançá-los no desconhecido. É nesse momento, entre a excitação e o receio de que em vez de irem ao encontro de um óvulo venham a ser projectados contra a parede de látex de um preservativo, que surge rodeado de centenas de espermatozóides imaculadamente brancos - o espermatozóide negro, perdido, angustiado, interrogando-se sem que ninguém lhe dê ouvidos: «Mas que faço eu aqui? Que faço eu aqui?»

A analogia seminal descreve o estado de espírito com que me entrego à tarefa de escrever estas linhas. Não esgota, no entanto. À mistura com o facto de me sentir em território comanche, eu, que nunca fui grande leitor de BD, sinto-me simultaneamente entusiasmado por aqui estar e por ficar associado ao nascimento deste livro.

As duas histórias deste álbum nasceram de um convite que fiz ao Filipe Melo, no meu papel de director da revista Granta. Sendo uma revista literária, primordialmente vocacionada para a palavra, há na Granta uma atenção especial à imagem, quer nas ilustrações originais que acompanham os textos, quer no ensaio fotográfico encomendado para cada edição.

O aspecto mais interessante de um "trabalho como o que faço na Granta é o de poder provocar gente talentosa, tentando proporcionar-lhe aquela pequena dose extra de entusiasmo de que,todo o criador necessita para fazer obra. Com o Filipe Melo, que não necessitaria do meu entusiasmo para nada, uma vez que o tem para dar e vender, a coisa aconteceu assim: Na altura da preparação do número 9 da Granta, dedicado ao tema Comer e Beber, li a novela gráfica Os Vampiros, ainda a cheirar a tinta fresca , acabada de chegar da gráfica. Impressionado pelo fôlego narrativo de Filipe Melo e Juan Cavia, ocorreu -me de repente que queria ter uma coisa assim na Granta. Até os nossos actos mais generosos nascem, por vezes, do mais puro egoísmo. O Filipe disse-me imediatamente que sim, falou com o Juan, que também aceitou a ideia, e fiquei à espera.

No episódio seguinte depois de dez partidas de xadrez online vencidas consecutivamente por ele: sem apelo nem agravo ou qualquer consideração pelo seu futuro editor – comunicou-me que não teria apenas uma, mas duas histórias para a Granta.

Resisti um pouco à ideia, não só para poder usar as minhas prerrogativas de director mas porque me apercebi, de repente. De que as dimensões da colaboração da dupla Melo/Cavia, em páginas a cores, fariam disparar os custos de produção da revista.

A persistência do Filipe Melo viria, no entànto, a levar a melhor. Não foi preciso muito, aliás. Bastou-lhe mandar-me os guiões e os primeiros esboços de Cavia. Ficou definido que a colaboração de ambos na Granta dedicada aos temas Comer e Beber apareceria em dois andamentos: no primeiro, a imaginação cinéfila de Filipe Melo transporta-nos para um cenário de filme americano de série B; no segundo, recuamos ao período negro da Segunda Guerra Mundial.

Pela primeira vez, Filipe Melo e Juan Cavia pegaram num caso real para o transformar num comovente conto visual. A história do bisavô de Nádia Schilling, uma grande amiga de Filipe, narradas pela sua mãe num diário pessoal. «A minha avó contara-me que, no dia em que a Alemanha ocupou a Polónia, o avô foi buscar a melhor garrafa de champanhe que tinha no seu restaurante e correu a escondê-la, num recanto que só ele sabia. Ninguém era capaz de imaginar, nessa altura, que algo pudesse correr mal. · ..

Tudo correu mal, como sabemos. Mas como já nos foi contado das mais diversas formas, mesmo a mais trágica situação pode esconder episódios redentores. É para isso, não só mas também para isso, que servem as histórias, venham elas na forma de romances ou filmes, de peças de teatro ou pranchas de banda desenhada, para nos permitirem partilhar a réstia de humanidade soterrada mesmo nos cenários mais desesperados.

Infelizmente/Felizmente (riscar o que não interessa). Juan Cavia e Filipe Melo não puderam completar as duas histórias a tempo de serem publicadas na Granta. O artesanato minucioso de cada desenho é incompatível com a pressa de um editor obrigado a cumprir os prazos da gráfica, os prazos de distribuição e os prazos do respeito pelos assinantes da revista.

Infelizmente, na Granta 9 só pudemos publicar a história de Comer. Felizmente, ficou inédita a história de Beber. Este livro chega-nos agora com a refeição completa, servida por dois cozinheiros exímios na arte de alimentarem a nossa fome de histórias.


 O exemplar que recebi pareceu-me ter as cores sem grande contraste, pelo que tive que as trabalhar, como podem ver-se a seguir:



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