SCHUITEN E PEETERS, A TEORIA DO GRÃO DE AREIA
Projecto e execução de cenografia: BLEU LUMIÈRE, Yves Marechal & Dominique Briand
Fotos da exposição, com a iluminação do flash.
Nota: todo o pavimento desta exposição estava coberto de areia!!!
Foto da esquerda, ainda com flash e o mesmo ângulo, mas sem flash - o que transmite melhor o ambiente criado pelos cenógrafos. As fotos seguintes foram obtidas sem flash.
O aspecto "desfocado" destas duas fotos, deve-se à rede que envolvia os objectos...
As pranchas originais (como se pode ver na foto da direita), no livro são apresentadas em duas partes, como se pode ver nas imagens em baixo - a mesma prancha, tal como está no livro (tomo 2, páginas 98 e 99).
Isto porque os autores decidiram usar o formato italiano - ao baixo - para esta obra.
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JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, de 17 de Novembro 2010
PERPLEXIDADE
João Ramalho Santos
Nunca tendo tido em Portugal edição coerente, As Cidades Obscuras é um bom exemplo de BD que chama primeiro a atenção pelo desenho, para depois surpreender com argumentos surreais que questionam as coordenadas (estéticas, políticas, culturais, sociais) de um mundo ligeiramente desfasado do nosso. As Cidades Obscuras é uma obra notável que vive, não tanto de histórias, mas da implementação dos Conceitos que lhes servem de ponto de partida, como as dualidades Fachada/Substância, Ordem/Caos, Inovação/Tradição.
Focadas por um desenho limpo e operático (referenciando os séculos XIX-XX) que opõe a vertigem monumental de diferentes arquitecturas às interrogações (pessoais e civilizacionais) do argumento. Os autores definem meticulosamente cada Cidade Obscura enquanto catalizador para diferentes reflexões, e muitas vezes as personagens parecem perdidas e tipificadas no seu simbolismo, com a Cidade a garantir a densidade de caracterização, não como um palco, mas no sentido de verdadeiro ator.
No entanto, como muitas séries marcantes, As Cidades Obscuras sofreu com o seu próprio sucesso e, curiosamente, com o facto de, após álbuns isolados unidos por uma filosofia gráfica e narrativa, se ter tornado uma verdadeira série, com auto-referências e personagens recorrentes (quer humanas, quer Cidades). A vontade clara dos autores em usarem a sua voz para tratar temas mais identificáveis e vistos como "úteis" factuais e em usar cidades demasiado "reconhecíveis" (Pâhry, Brüsel) sem perder o cunho surreal tem sido também motivo para um equilíbrio instável nos últimos álbuns.
No mais recente A Teoria do Grão de Areia (díptico completado recentemente pela ASA) o Tema é a relação Oriente-Ocidente (Conhecido/Desconhecido, se se quiser), e o modo como um pequeno incidente causado por um misto de exploração-desrespeito provoca o desabar de um caos inexplicado sobre Brüsel/Bruxelas, um caos que se alimenta de si mesmo, escalando até ao limiar do colapso.
Se o simbolismo do deserto invasor é por demais óbvio, os autores tentam aliviar esse desequilíbrio global com desequilíbrios mais individuais e narrativas paralelas onde cruzam outros projectos, como a homenagem ao arquitecto Victor Horta e à sua Maison Autrique.
O desenho a preto sobre fundo creme de Schuiten, liberta o branco "puro" para pontuar a invasão do quotidiano pela estranheza, mas' é a inteligente opção pelo formato italiano ("deitado") que constrange uma tendência natural do autor: os edifícios tentam libertar-se em altura, mas chocam nos limites da página, vincando a sensação de claustrofobia.
A abordagem Ocidental ao Oriente em BD é balizada pela presença ou ausência de aberturas, no limite entre a empatia com a causa palestiniana (por exemplo em Palestine e Footnotes in Gaza de Joe Sacco), e o distanciamento mais frio e "prático" (por exemplo na série Léna, de Pierre Christin e André Juillard). No anterior díptico de Schuiten e Peeters (A Fronteira Invisível, onde a cartografia e a dualidade Mapa/Território era um pretexto para glosar os Balcãs) a abordagem surgia ancorada numa estranheza com um cunho de Conhecível, porque Europeia.
Em A Teoria do Grão de Areia Schuiten e Peeters ficam-se pela perplexidade ingénua e superficial, a (boa) vontade de compreender por entre o inexplicável. A relação desfasada entre o mundo das Cidades Obscuras e o seu espelho "mundo real" é, de resto, abertamente sugerida como um paralelismo da relação Oriente-Ocidente, uma metáfora sobre as metáforas.
Mais evidente é a homenagem de pureza branca ao invasor, mas que simultaneamente o transforma em caos a controlar. Mantendo as devidas distâncias com o Desconhecido a partir do momento em que, como sucede aqui, este deixa de ser apenas decorativo e folclórico.
Benoit Peeters, argumento
François Schuiten, desenhos
A TEORIA DO GRÃO DE AREIA (2 volumes)
ASA, 120 pp., 17,50 euros
Capas das caixas (ao alto) em que se apresentam os álbuns.
Capas dos álbuns (ao baixo - formato italiano)
Nota: se não sabe o que é o formato italiano, está à espera de quê para adquirir o DICIONÁRIO UNIVERSAL DA BANDA DESENHADA - pequeno léxico disléxico, de Leonardo De Sá, edição Pedranocharco Publicações?!?
Ver AQUI, referência ao DICIONÁRIO... em Itália!!!
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