Jornal de Notícias, revista NS de 23 de Outubro de 2010
FERNANDO BENTO, AS AVENTURAS DE UMA VIDA
Pedro Cleto
Chamava-se Fernando Bento e foi um dos mais notáveis autores portugueses de banda desenhada, no tempo em que esta ainda era (apenas) histórias aos quadradinhos. O centenário do seu nascimento comemora-se no próximo dia 26.
Em Fevereiro último fez 10 anos que nos foi servido um dos últimos tesouros coloridos por Fernando Bento. Foi nas páginas da revista “Selecções BD” (II série) e era uma vinheta do seu (inacabado) “Regresso à Ilha do Tesouro”, uma sequela do clássico de Stevenson, que o mestre português dos quadradinhos adaptou com argumento de Jorge Magalhães. Nele, o jovem Jim Hawkins, enquanto desce por uma amarra de um barco encalhado, afirma: “a aventura correu melhor do que eu esperava!”. O mesmo se pode dizer, sem dúvida, da vida e da obra de Fernando Carvalho Trindade Bento, nascido em Lisboa a 26 de Outubro de 1910.
Com os seus heróis fez “A Volta ao Mundo em 80 dias”, levando muitos leitores ao longo de várias gerações a dar consigo “A Volta a Portugal em Bicicleta”, conhecer “Histórias da nossa história”, partilhar uma “Viagem ao centro da Terra”, percorrer “Vinte mil léguas submarinas”, subir “A Montanha do Fim do Mundo” ou avançar pelo espaço “Da Terra à Lua”, em companhia de “Um herói de 15 anos”, “34 macacos e eu”, “Beau Geste”, “Matias Sandorf” ou “Quintino Durward, até à “Ilha do Tesoiro”, tudo em “Mil e uma noites” maravilhosas e mágicas. Vividas, sentidas, sofridas em constantes sobressaltos, sem sair de casa, descobertas nas fantásticas, vibrantes e envolventes páginas aos quadradinhos que delineou com um traço elegante, único e personalizado, vivo, ágil e dinâmico, se bem que fosse (ou porque era) autodidacta, apenas com um curso de desenho por correspondência, obtido na escola parisiense ABC.
Na sua formação “prática”, no entanto, encontram-se também longos períodos nos movimentados bastidores teatrais do Coliseu dos Recreios, local de trabalho do pai, onde, quem sabe, foi beber o sentido dos diálogos, a noção de movimento, a agilidade na composição das pranchas, a técnica de picado e contra-picado, o ritmo narrativo, a legibilidade e a eficácia da narrativa sequencial que o viriam a distinguir como um caso único na 9ª arte nacional. No entanto, nada parecia dirigi-lo para a BD, pois foi no mundo do teatro, na concepção de figurinos e cenários (muito elogiados) para “A última maravilha” e “O fim do mundo” que se fez notado, tinha apenas 25 anos. E só três anos depois, surgiriam os primeiros quadradinhos, na secção infantil do jornal “República”.
Estava longe de saber, certamente, mas muitos seriam as revistas que se lhe seguiriam – “Pim-Pam-Pum!”, “Diabrete”, “Cavaleiro Andante” foram as mais significativas – onde, a par da BD, espraiou também a sua arte por capas, ilustrações, caricaturas e desenhos humorísticos, como maquetista e director gráfico… Tudo feito em serões e tempos livres pois, “profissionalmente” foi sempre funcionário de escritório da BP.
A sua bibliografia – em que muitas vezes teve ao lado argumentistas como Helena Neves, Maria Amélia Bárcia ou Adolfo Simões Müller – é feita especialmente da adaptação de episódios da História pátria e de clássicos infantis, da literatura ou de aventuras (especialmente Jules Verne, mas também Robert Louis Stevenson, Herman Melville, Enid Blyton…), que soube recriar como poucos, em verdadeiras versões em quadradinhos, que patenteavam o espírito e todas as qualidades dos originais no novo suporte e que faziam igualmente sonhar. Foram cerca de três décadas de redobrado labor, até aos anos 1970, vividos mais longe das páginas desenhadas, às quais só regressaria de forma pontual.
Até ao tal “Regresso à Ilha do Tesoiro”, corria a década de 1990 e tinha Fernando Bento ultrapassado já a barreira dos 80 anos, em que (re)encontrou energia e mestria para, num traço com todas as qualidades que lhe eram (re)conhecidas mas renovado na forma, duma surpreendente modernidade, voltar a fazer vibrar todos os que leram as novas pranchas de reencontro com Jim Hawkins, Ben Gunn ou o pirata Long John Silver!
A morte – invejosa da sua arte? – levá-lo-ia a 14 de Fevereiro de 1996, pondo um ponto final na(s) sua(s) aventura(s), impedindo-o de terminar esta obra e de ver impressos os seus últimos desenhos.
(Caixa… ou conclusão do texto)
Ler Fernando Bento
Estivéssemos num país mais capaz de apreciar e acarinhar os seus criadores (também) de quadradinhos, e a obra de Bento estaria reunida numa bela e luxuosa edição. Como estamos em Portugal, para lá do (difícil) recurso às revistas onde as histórias foram publicadas originalmente, sobram meia dúzia de álbuns dispersos por várias editoras, alguns dos quais há muito esgotados.
Este ano a propósito de um centenário que o Amadora BD 2010 (que hoje se inicia) também assinala com uma exposição, mas que merecia maior projecção, duas câmaras, enquadrando uma mostra que também esteve na Sobreda, substituíram-se às editoras: a de Moura, que recuperou a versão que Fernando Bento fez de “Moby Dick, a baleia branca” (publicada originalmente no “Cavaleiro Andante”, em 1960), e a de Viseu, com “Um campeão chamado Joaquim Agostinho” (“A Capital, 1973), a biografia aos quadradinhos do ciclista luso.
Jornal de Notícias, 30 de Outubro de 2010
AMADORA BD DISTINGUE RUI LACAS
F. Cleto e Pina
Em cerimónia realizada ontem nos Recreios da Amadora, foram revelados os vencedores dos Prémios Nacionais de BD, atribuídos pelo Amadora BD, após uma votação feita por profissionais ligados à 9ª arte.
“Asteroid Fighters #1 - O Início” (ASA), de Rui Lacas, um registo de acção futurista, que apresenta a Terra sob ameaça de destruição por uma chuva de asteróides, foi considerado o Melhor Álbum Português. A distinção para Melhor Argumento coube a Filipe Melo por “As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça e PizzaBoy” (Tinta da China) e, no que respeita a Melhor Desenho, o contemplado foi Filipe Andrade por “BRK #1” (ASA). “O Homem que ia contra as Portas” (Everest Editora), valeu a Richard Câmara o troféu para Melhor Ilustração para Livro Infantil e, ainda em termos de autores nacionais, “Célibataires” (Joker Editions), de Nélson Martins, foi a única obra a concurso para Melhor Álbum de Autor Português em Língua Estrangeira.
“Paixão e outros usos para Hormonas em excesso” (Gradiva), uma compilação de Zits, que o Jornal de Notícias publica diariamente, foi considerado o Melhor Álbum de Tiras Humorísticas, e “Os Passageiros do Vento - A Menina de Bois-Caiman - Livro 1” (ASA), de François Bourgeon o Melhor Álbum de Autor Estrangeiro. O Prémio Clássicos da 9ª Arte foi para “Corto Maltese: Mü, A Cidade Perdida” (ASA), de Hugo Pratt, e o número dos “Cadernos Moura BD” dedicado a Fernando Bento foi distinguido como melhor fanzine.Finalmente, o troféu de Honra foi entregue a António Gomes de Almeida, argumentista, entre outras obras, da “História Alegre de Portugal”, desenhada por Artur Correia.
O Amadora BD 2010, que decorre no Fórum Luís de Camões, na Brandoa, até ao próximo dia 6 de Novembro, conta este domingo com a presença do norte-americano Sean Gordon Murphy bem como de alguns dos autores nacionais premiados.
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Jornal de Notícias, 1 de Novembro 2010
FILIPE ANDRADE DESENHA HOMEM DE FERRO
F. Cleto e Pina
Acabado de lançar nos Estados Unidos, durante a corrente semana vai chegar às lojas nacionais especializadas em importação de BD norte-americana “Iron Man – Titanium #1”, que conta entre os seus desenhadores o português Filipe Andrade.
É um conjunto de quatro histórias, uma das quais corresponde ao primeiro trabalho de Andrade para a Marvel e logo com uma das personagens mais emblemáticas e em voga da editora.
“Tudo aconteceu”, conta o desenhador , “há cerca de um ano, depois do C. B. Cebulski”, um caça-talentos da Marvel, “ter estado em Portugal e ter visto o meu portfólio. Duas semanas depois recebia um e-mail propondo-me este primeiro trabalho na Marvel”.
Por isso, desenhar uma personagem da dimensão do Homem de Ferro foi uma “enorme responsabilidade pois o primeiro trabalho é sempre importante para chamar a atenção”.
E tão bem funcionou esta estreia que, depois dela, Filipe Andrade já desenhou “nova BD do Homem de Ferro, outra com os Vingadores, um one-shot da X-23”, editada em Maio, como o JN na altura noticiou, e “uma mini-história do Homem-Formiga que sairá este mês”. Para além disso, está “a finalizar um conjunto de 7 historias curtas de Nomad”, em publicação na revista “Captain America”, que possivelmente serão depois compiladas em livro.
Mas a grande novidade, que a Marvel acaba de revelar, é que durante a New York Comic Con que teve lugar no início do mês, Filipe Andrade foi escolhido para desenhar os 5 números da mini-série “Onslaught Unleashed”, que começará a sair em Fevereiro de 2011. Escrita por Sean McKeever, reunirá o capitão América e alguns dos X-Men, marcará o regresso do vilão Massacre e terá capas de dois nomes grandes dos comics de super-heróis: Humberto Ramos e Rob Liefeld.
Jornal de Notícias, 3 de Novembro, 2010
AS VÁRIAS FACES DA BD NACIONAL
F. Cleto e Pina (ou apenas Pedro Cleto)
Festival da Amadora potencia chegada ao mercado de diferentes sensibilidades da banda desenhada lusa
Fruto de uma aposta continuada e consistente na promoção da banda desenhada portuguesa, o Festival da Amadora tem-se revelado o local ideal para o lançamento de novidades lusas aos quadradinhos.
Agora, chegam nove de uma vez.
É compreensível, isto porque, no Amadora BD, os originais estão expostos e os autores presentes, o que potencia a sua divulgação junto dos leitores. E esta é uma realidade quer para as editoras de maior dimensão quer para os pequenos editores independentes, cuja distribuição se limita depois a lojas especializadas e, eventualmente, a uma ou outra cadeia nacional de livrarias. Este ano não foi excepção, tendo sido lançados quase uma dezena de novos títulos, bem diversos gráfica e tematicamente, a maioria de jovens autores.
A excepção - e talvez o de maior impacto - é "Eternus 9 – A cidade dos espelhos" (ver caixa), mas o de maior potencial fora do círculo da BD é "New Born – 10 dias no Kosovo", de Ricardo Cabral, espécie de foto-reportagem desenhada. Numa ténue fronteira entre a sequência narrativa e a ilustração, é fruto de uma estadia do autor no Kosovo e traça um retrato mais humano - e, por isso, mais real :. do país e da sua situação, para lá dos estereótipos veiculados pela Comunicação Social.
Também com fundo político é "Agentes do CAO.S. - A conspiração Ivanov", de Fernando Dordio, Filipe Teixeira e Mário Freitas, cuja acção decorre em 1981. Tendo as FP 25 de Abril como pano de fundo, é uma movimentada história de acção, vingança e espionagem, que envolve operacionais da Polícia portuguesa e mafiosos russos.
Bem mais intimista é a proposta de Paulo Monteiro, também director do Festival de Beja, em "O amor infinito que te tenho e outras histórias", colectânea, com alguns inéditos, de cariz autobiográfico e poético, em que o traço fino e os tons cinzentos salientam os sentimentos.
Diverso é o projecto colectivo Zona, que apresentou na Amadora o seu sexto tomo em ano e meio, "Zona Negra 2", que tem o terror como tema aglutinador e o preto e branco como veículo para fortalecer "o ambiente obscuro do seu conteúdo".
Do instilucional ao punk
Também colectiva, da autoria de Álvaro Áspera e Marta Portela (argumento) e António Brandão, João Martins, Pedro Alves, Pedro Colaço, Pedro Serpa e Ricardo Cabrita (desenhos), mas de carácter institucional, é "Sete histórias• em busca de uma alternativa", que reúne uma série de histórias em torno dos serviços públicos, ao mesmo tempo que homenageia personagens e autores da banda desenhada portuguesa.
Diferente, no propósito e na forma, é o "BDjornal" #26 (pedranocharco), publicação semestral que alia à publicação de BD artigos de crítica e análise, que neste número destaca Dinis Conefrey e Fernando Relvas.
Apresentados no festival, surgem dois outros títulos: "É de noite que faço as perguntas", narrativa ficcionada dos acontecimentos que levaram à implantação da República, escrita por David Soares e desenhada por Richard Câmara, Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho e Daniel Silvestre Silva, e "O Menino Triste – Punk Redux", passeio semi-autobiográfico pelas origens, valores e ideias por detrás do punk em Londres, em1976.
Regresso de um clássico dos “anos de brasa”
Nascido na mítica revista "Visão", que, animada pela revolução de Abril, agitou as águas da BD nacional no Verão quente de1975, "Eternus 9- Um filho do cosmos", complexo relato filosófico e de ficção científica, seria suspenso ao fim de seis números, surgindo em1979 em forma de álbum (reeditado em 2009). Agora, 35 anos depois, Eternus 9 regressa em "A cidade dos espelhos", sequela que Victor Mesquita há muito anunciara e nela "um portal caleidoscópico atravessa um mundo cujo coração é Lisboa, após a guerra nuclear que transfigurou a face do Planeta e fragmentou a Lisboa de hoje até quase não se poder reconhecê-Ia, mas onde continuam as referências que a distinguem".
É o 2° tomo de uma trilogia que se concluirá com "Cidadela 6", que Victor Mesquita resumiu ao JN: "Encontraremos um universo de violência e denúncia dos aspectos mais crus que se vivem nas sociedades de hoje, onde se constatará que até os santos são humanos e, como tal, muitas vezes, saem dos limites da santidade".
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