9ª ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(LII - LIII)
O
Louletano, 29 de Março a 4 de Abril 2005
CARLOS
ALBERTO E O MUNDO DA BD
Esboços de memória – 7
por José Batista
Para
Mário de Aguiar (M. de A.) os elementos da secção de desenho, nos últimos anos
da década de sessenta, deveriam estar sempre disponíveis para tudo o que a sua
criatividade congeminasse na área da ilustração ou pintura. Essa secção era
também a menina dos seus olhos, a qual exibia perante alguma visita que
quisesse impressionar, mormente elementos de outras editoras das quais republicava
material, sendo os espanhóis os mais frequentes. Foram poucas essas ocasiões,
mas causaram um certo mal-estar, pois faziam-nos sentir como se fossemos raridades em exposição.
Embora
a colaboração feita na empresa pudesse, sem prejuízo para a editora, ser executada
em casa ou no atelier particular de cada um – pois tanto Carlos Alberto quanto
Eu os tínhamos – M. de A. exigia o cumprimento de um horário – das 10h às 13h e
das 15h às 18h. Todos recebiam à peça, quer elementos da redacção, quer colaboradores
exteriores.
A
30 anos de distância, a perspectiva do tempo permite uma análise desapaixonada
em que as emoções sentidas na altura estão ausentes, logo isenta dos
condicionalismos que forçosamente interfeririam nas conclusões resultantes
de uma apreciação em cima do acontecimento. Não há duvida de que M.de A.
gostava de apostar na edição, para a qual
tinha especial faro, mas também é um facto que contava com um corpo redactorial
que plenamente materializava – mesmo enriquecia – os seus sonhos.
A
forçada disponibilidade da secção para trabalhos fora do âmbito artístico para
que estava vocacionada – o campo da edição – levava a situações um tanto ou
quanto incomuns, em que alguns dos seus elementos se viam enredados, sem
hipóteses de recusa.
Sócio
de uma casa comercial situada na área da Avenida Duque d'Ávila, era aos
ilustradores da APR que Mário de Aguiar recorria para executar os trabalhos de
decoração que em certas alturas julgavam necessários, tais como pinturas em
vidros de figuras de Walt Disney, pois que a casa se chamava Branca de Neve.
Certa
feita, não recordo se a tarefa era essa ou a publicidade a uma qualquer publicação
que ele desejava lançar, estava um pequeno grupo de que faziam parte Carlos
Alberto, Américo Tábuas, eu, e mais alguém que não relembro, noite a dentro, na
cave de um prédio, à volta com uns pincéis. De repente, um tremor de terra
lento e ruidoso, sacudiu o solo lançando o pânico entre nós, pois que a luz, se
não erro, se apagou. Nessa noite o serão terminou mais cedo.
Lisboa
foi sacudida por vários tremores de terra na década de sessenta e houve pessoas
que vieram para a rua em trajes mais que menores.
Este apontamento nada terá com a área da
BD, será apenas uma pincelada pitoresca na aguarela que foi esse tempo, cenário
onde Carlos Alberto e mais alguns artistas dessa época se entregaram de alma e
coração àquilo que gostavam e sabiam fazer – a ilustração. A obra aí está,
perene, desafiando o futuro.
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O Louletano, 5 a 11 de Abril 2005
O CAMARADA
UMA REVISTA 100% PORTUGUESA-1
por Jorge Magalhães
Com
este título – que poderia pressupor outras origens ideológicas – saiu para a
rua em 1 de Dezembro de 1947, Dia da Independência e simultaneamente, como era
celebrado nessa época, dia da Mocidade Portuguesa, o 1º número de uma revista
infantil editada por aquela organização nascida no seio do Estado Novo.
Tinha
como director Baltazar Rebelo de Sousa (que viria a ser figura
proeminente no governo salazarista e pai de um dos mais conhecidos políticos da
actualidade: Marcelo Rebelo de Sousa), e como chefe de redacção António
Manuel Couto Viana, escritor e poeta de apurado estro.
Talvez a faceta mais curiosa do Camarada,
logo nos seus primeiros anos de vida, fosse a quase total ausência de
proselitismo, ao contrário do que seria de esperar de uma revista apadrinhada
por uma organização que procurava captar e mentalizar os mais jovens,
arregimentando-os para as suas fileiras, não só de corpo como de alma.
Mas
esse aspecto doutrinário só tenuemente se descortina nas páginas do Camarada,
sobretudo após os primeiros vinte números. Em vez dele, surge o
propósito de informar, educar e divertir, sob a forma de histórias aos
quadradinhos, contos, poemas, curiosidades, passatempos, o que nào constituía
forçosamente um prolongamento da escola e da ideologia fascista que então
dominava a sociedade portuguesa.
As
histórias aos quadradinhos, que no início são raras, vão-se progressivamente
tornando mais frequentes, chamando a atenção para o grafismo de alguns jovens e
talentosos colaboradores, com particular destaque para Júlio Gil, então
com 23 anos, cujo estilo original iria criar escola.
Outros
nomes dignos de registo, ainda no dealbar das suas carreiras, que depois
seguiriam percursos diversos, foram Marcelo de Moraes, António Vaz Pereira,
San-Payo, José Leal, J. Mattoso, António Alfredo, Ribeiro Modesto, Bastos
Coelho, quase todos estudantes de Arquitectura, unidos por uma camaradagem
que se reflectia, de forma visível, nos seus próprios trabalhos.
A simbiose entre estes autores – apesar
das suas diferenças de estilos – advém, de facto, desse percurso comum, da
troca de ideias e experiências e da frescura da inspiração que caracterizavam o
seu pequeno grupo, tão distinto dos restantes desenhadores portugueses da época
como eram diferentes, por exemplo, o Diabrete e o Mosquito,
as duas revistas que dividiam as preferências do público infantil e
contra as quais não havia concorrência possível.
Capa desenhada por Júlio Gil para a revista Camarada (nº1 do 7º Ano - 2ª série - 11/1/1964),
onde é apresentada mais uma aventura de Chico,
um dos poucos heróis da BD portuguesa com acção em diversas aventuras e prancha da BD O Chico e o Espírito de Fogo, também da autoria de Júlio Gil,
publicada na revista Camarada (nº 1 - 7º Ano - 2ª série - 11 Jan.
1964). Para quem viveu em Angola e conhece bem Luanda, a imagem da prancha
inicial terá com certeza um fascínio especial, ainda mais por representar a
baía daquela cidade na década de 1960, com os edifícios bem desenhados por um
autor de BD que era arquitecto.
(Geraldes Lino in Fanzines de Banda Desenhada)
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A FILHA DO REI DE NÁPOLES
págs. 12 e 13
Jorge Magalhães (arg.), Carlos Alberto (des)
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