Pormenor da ilustração da capa (de João Lemos) da revista Ler...
NA REVISTA "LER"
DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS HOJE DE BD PORTUGUESA
por Sara Figueiredo Costa
A revista Ler, no seu nº 113, de Maio de 2012 (€ 5,00), número em que comemora 25 anos de publicação e com capa do ilustrador e autor de banda desenhada João Lemos, dedica um dossier de 12 páginas à BD portuguesa, pela mão de Sara Figueiredo Costa que, mais à frente escreve também sobre PERSÉPOLIS, de Marjane Satrapi (título do texto: Memórias do Irão). Para finalizar, na última página da revista, uma daquelas curtas entrevistas meio parvas, que se costumam fazer agora em diversas publicações (quase que diria para “encher chouriços”), com João Paulo Cotrim onde, como não podia deixar de ser, se fala também de Banda Desenhada, meio a sério, meio a brincar.
No texto de fundo sobre o momento actual da BD portuguesa, Sara Figueiredo Costa analisa as coisas desde meados da década de 90 até à actualidade. Na segunda parte debruça-se sobre o trabalho de cinco autores, Susa Monteiro, João Lemos, Filipe Abranches, Osvaldo Medina e David Soares. É uma escolha como qualquer outra, mas que, quanto a mim, reflecte uma percepção acertada daquilo que é actualmente o universo da BD que se produz em Portugal.
Já agora, tinha conhecimento deste número da revista Ler, por via da notícia que Geraldes Lino deu no seu blogue “Divulgando BD” no dia 10 de Maio passado, só que apenas agora a encontrei à venda.
Fazendo a enésima remissão para o escritor Raymond Carver, podemos lançar a pergunta do título e a resposta será uma de duas: ou um estranho paradoxo ou uma longa dissertação sobre os contrastes, a produção artística e as condições em que trabalham os autores e editores nacionais. Comecemos pelo paradoxo. Na última década, a edição de banda desenhada portuguesa desceu para números tão insignificantes que ninguém se deu ao trabalho de os contabilizar com pormenor. Antes de se arriscarem motivos, importa acrescentar elementos ao contexto, explicando que algumas editoras especializadas fecharam as portas ou assumiram a irregularidade como processo de trabalho, que vários autores se viraram para os mercados estrangeiros ou abandonaram a BD e que uma instituição com a relevância da Bedeteca de Lisboa passou a ser apenas mais uma biblioteca municipal, prescindindo de toda a programação que desenvolvia e onde se incluíam exposições, debates e alguma edição, para além de um site alimentado diariamente e de um dossiê anual que ajudava a aferir números e resultados práticos da cena editorial portuguesa. Os efeitos de tudo isto não se resumem à BD portuguesa, estendendo-se à edição de BD estrangeira em Portugal, o que tem privado os leitores de títulos recorrentes em qualquer boa livraria es-trangeira. Numa entrevista publicada no BDjornal n° 26 (outubro de 2010), Diniz Conefrey afirmava: «O mercado de BD em Portugal chegou aos níveis mínimos, estando comparável ao mercado de poesia no que diz respeito ao número de leitores.» Talvez a recente edição de Persépolis (Contraponto), que Marjane Satrapi criou a partir da suas vivências de infância e juventude no Irão dos aiatolás, seguindo-se à de Blankets (Devir/Biblioteca de Alice), de Craig Thompson, graphic novel merecedora de integrar o cânone da ficção norte-americana do século XXI, possa começar a alterar este panorama. Afinal, onde está o paradoxo? No facto de termos, na última década, uma produção vibrante e mais heterogénea do que nunca, com vários autores a escreverem e desenharem para pequenos projetos editoriais que, quase sempre, escapam ao radar das livrarias e da crítica, outros tantos a produzirem para diferentes campeonatos nos mercados estrangeiros, da megalómana Marvel à pequena editora russa Pipe and Horse, e outros a criarem pranchas enquanto esperam que a crise abrande ou que alguma coisa venha romper a apatia que se instalou do lado da edição.
Quanto à longa dissertação, podemos encurtá-la olhando para o panorama atual, ainda que para isso seja inevitável recuar um pouco. Não será preciso ir até aos idos de 1872 e à primeira BD em português, assinada por Rafael Bordalo Pinheiro (A Picaresca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa), nem mesmo às pranchas de Stuart Carvalhais (1887-1961) ou Carlos Botelho (1899-1982), ou às revistas O Mosquito (1936-1986) e Visão (1975-1976), essenciais em qualquer história da banda desenhada portuguesa. Fiquemos pelos anos 90 do século XX. Em meados dessa década, assiste-se ao aparecimento de pequenas editoras que começam a lançar trabalhos que, até então, não se imaginariam publicáveis num mercado onde pontificavam as séries franco-belgas e alguns – escassos – livros de autores portugueses, frequentemente debruçados sobre temas históricos. Editoras como a Polvo, a BaleiAzul, a Chili com Carne ou a Pedra no Charco* protagonizaram uma viragem assinalável nas tendências editoriais do mercado português de BD, beneficiando da dinâmica que configurou o aparecimento da Bedeteca de Lisboa (e, de forma recíproca, contribuindo para ela), que rapidamente assegurou um trabalho editorial relevante, muitas vezes em parceria, bem como a afirmação do Salão do Porto, com responsabilidades comprovadas na divulgação de autores que saíam do leque de escolhas habitual, na criação de uma dinâmica que ajudou a publicar e a divulgar autores...
Já agora, tinha conhecimento deste número da revista Ler, por via da notícia que Geraldes Lino deu no seu blogue “Divulgando BD” no dia 10 de Maio passado, só que apenas agora a encontrei à venda.
Excerto do texto de Sara Figueiredo Costa
Fazendo a enésima remissão para o escritor Raymond Carver, podemos lançar a pergunta do título e a resposta será uma de duas: ou um estranho paradoxo ou uma longa dissertação sobre os contrastes, a produção artística e as condições em que trabalham os autores e editores nacionais. Comecemos pelo paradoxo. Na última década, a edição de banda desenhada portuguesa desceu para números tão insignificantes que ninguém se deu ao trabalho de os contabilizar com pormenor. Antes de se arriscarem motivos, importa acrescentar elementos ao contexto, explicando que algumas editoras especializadas fecharam as portas ou assumiram a irregularidade como processo de trabalho, que vários autores se viraram para os mercados estrangeiros ou abandonaram a BD e que uma instituição com a relevância da Bedeteca de Lisboa passou a ser apenas mais uma biblioteca municipal, prescindindo de toda a programação que desenvolvia e onde se incluíam exposições, debates e alguma edição, para além de um site alimentado diariamente e de um dossiê anual que ajudava a aferir números e resultados práticos da cena editorial portuguesa. Os efeitos de tudo isto não se resumem à BD portuguesa, estendendo-se à edição de BD estrangeira em Portugal, o que tem privado os leitores de títulos recorrentes em qualquer boa livraria es-trangeira. Numa entrevista publicada no BDjornal n° 26 (outubro de 2010), Diniz Conefrey afirmava: «O mercado de BD em Portugal chegou aos níveis mínimos, estando comparável ao mercado de poesia no que diz respeito ao número de leitores.» Talvez a recente edição de Persépolis (Contraponto), que Marjane Satrapi criou a partir da suas vivências de infância e juventude no Irão dos aiatolás, seguindo-se à de Blankets (Devir/Biblioteca de Alice), de Craig Thompson, graphic novel merecedora de integrar o cânone da ficção norte-americana do século XXI, possa começar a alterar este panorama. Afinal, onde está o paradoxo? No facto de termos, na última década, uma produção vibrante e mais heterogénea do que nunca, com vários autores a escreverem e desenharem para pequenos projetos editoriais que, quase sempre, escapam ao radar das livrarias e da crítica, outros tantos a produzirem para diferentes campeonatos nos mercados estrangeiros, da megalómana Marvel à pequena editora russa Pipe and Horse, e outros a criarem pranchas enquanto esperam que a crise abrande ou que alguma coisa venha romper a apatia que se instalou do lado da edição.
Quanto à longa dissertação, podemos encurtá-la olhando para o panorama atual, ainda que para isso seja inevitável recuar um pouco. Não será preciso ir até aos idos de 1872 e à primeira BD em português, assinada por Rafael Bordalo Pinheiro (A Picaresca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa), nem mesmo às pranchas de Stuart Carvalhais (1887-1961) ou Carlos Botelho (1899-1982), ou às revistas O Mosquito (1936-1986) e Visão (1975-1976), essenciais em qualquer história da banda desenhada portuguesa. Fiquemos pelos anos 90 do século XX. Em meados dessa década, assiste-se ao aparecimento de pequenas editoras que começam a lançar trabalhos que, até então, não se imaginariam publicáveis num mercado onde pontificavam as séries franco-belgas e alguns – escassos – livros de autores portugueses, frequentemente debruçados sobre temas históricos. Editoras como a Polvo, a BaleiAzul, a Chili com Carne ou a Pedra no Charco* protagonizaram uma viragem assinalável nas tendências editoriais do mercado português de BD, beneficiando da dinâmica que configurou o aparecimento da Bedeteca de Lisboa (e, de forma recíproca, contribuindo para ela), que rapidamente assegurou um trabalho editorial relevante, muitas vezes em parceria, bem como a afirmação do Salão do Porto, com responsabilidades comprovadas na divulgação de autores que saíam do leque de escolhas habitual, na criação de uma dinâmica que ajudou a publicar e a divulgar autores...
(*) Notas do editor - toda a gente sabe que a grafia da chancela é Pedrancoharco e sei a Sara também sabe, uma vez que mais à frente escreve a coisa correctamente. Mas fica a observação. Por outro lado, o texto está grafado segundo o Aborto Ortográfico em vigor, não sei se por opção da autora ou da revista.
Agora, para lerem o resto, comprem a revista, certo?
Agora, para lerem o resto, comprem a revista, certo?
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Só para complementar, este número da Ler inclui também um dossier sobre esse espantoso escritor e pensador ítalo-lusitano (ou luso-italiano) falecido em Lisboa, em Março passado, que deu pelo nome de Antonio Tabucchi, com textos de Inês Pedrosa, Francisco Belard, José Guardado Moreira, Pedro Mexia e recupera um outro texto, de José Cardoso Pires (de Abril de 1984), intitulado Não há jogos gratuitos - variações pelo verso e reverso de Tabucchi (prefácio de O Jogo do Reverso, de Tabucchi) e que é uma delícia - quase que o comentaria como "quando os mortos escrevem sobre os mortos, podemos, se calhar, viver mais descansados..."
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