9ª ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(L - LI)
O Louletano, 15 a 21 de Março 2005
CARLOS ALBERTO E O MUNDO DA BD
Esboços de memória – 5
por José Batista
A banda desenhada, mais do que a pintura, exige um esforço visual contínuo, provocando, não raro, problemas que obrigam a uma vigilância médica aturada como prevenção de graves anomalias que, nalguns casos chegam a incapacitar o próprio artista. Dotado de uma vista frágil, essa terá sido também, outra das razões que induziriam Carlos Alberto (C A) a redireccionar a sua apetência artística para a área da pintura.
Sempre o conheci de óculos, não apenas enquanto desenhava, o que atesta que a natureza lhe não foi pródiga no que concerne aos delicados órgãos da visão, o que de modo algum beliscou a sua capacidade, estilo e nível artísticos. Embora fosse na área da BD que CA iniciou a sua caireira, desde cedo expressou que essa não seria a via artística em que se sentia realizado; que não era de modo algum um homem da ilustração a preto e branco, mas sim da pintura. Dada a qualidade atingida – não sendo a BD a sua área prioritária – interrogamo-nos, se o fosse, a que culminância não teria chegado o nível da sua produção nesse campo.
Colega de muitos anos na mesma editora e secção, (na qual chegaram a estar nove
elementos, no final dos anos 60) assisti à natural evolução artística de CA, e, bem assim, das vincadas peculiaridades como ser humano. Dotado de apurada capacidade de análise psicológica –, pese embora o meio simples que lhe fora berço, era e é de um humanismo a toda a prova. Tímido e introvertido, desconhecia o valor do seu próprio trabalho, o que levou a que a Agência Portuguesa de Revistas, nas muitas reedições de originais seus o não ressarcisse como seria sua obrigação, sendo o caso mais flagrante as inúmeras edições da "História de Portugal".
Ressalta no convívio com Carlos Alberto uma vasta e diversificada cultura, adquirida num perquirir constante ao longo da vida. Foi por seu intermédio – melómano por excelência – que além da área do desenho, descobri as minudências sonoras, em ritmo e melodia, da música clássica da qual é profundo conhecedor. Admirador de Roussado Pinto desde longa data, conheci-o através de CA, colaborando a partir daí no "Jornal do Cuto" desde o início da publicação, no "Caminho de um Velho" e, mais assiduamente depois, como chefe de redacção a partir do nº 99. Remontando ao início dos nossos primeiros contactos 1955 – recordo de, face à assinatura que CA apunha nos seus originais, o ("C. Alberto" manuscrito que sempre utilizara até à "Ousadia Triunfante"), lhe ter sugerido que a fizesse em maiúsculas, pois que em minha opinião, me parecia graficamente melhor.
Carlos Alberto experimentou fazê-la em maiúsculas e gostou, passando, a partir dai a assim assinar. A história seguinte, "A Espada Nazarena", foi o inicio da mudança que até hoje mantém, no tipo, que não na extensão.
Em relação aos anos em que colaborou com a APR (friso colaboração, porque o vinculo profissional nunca ultrapassou esse nível, embora os compromissos fossem totais, a tempo inteiro) foi reduzida a obra em BD por si executada. A sua capacidade artística foi utilizada – tal como a de alguns outros – pelo comum das publicações que a APR editava, desde histórias aos quadradinhos a capas para livros: ilustrações avulsas para textos; paginações; pintura de material publicitário; cromos; inclusive em móveis, chegando, também, a pintar em suporte de vidro, bonecos de Walt Disney.
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O Louletano, 22 a 28 de Março 2005
CARLOS ALBERTO E O MUNDO DA BD
Esboços de memória – 6
por José Batista
Quando em 1972 abandonei a APR já Carlos Alberto há muito se dedicava à pintura, embora permanecesse na empresa por mais um ano praticamente ocupado na feitura de capas para as várias publicações e de cromos. Estes eram pintados a ecoline, um material extremamente exigente em termos de execução, pois não permitia sobreposição de tonalidades nem emendas. A história de Camões, em cromos, talvez desenhada no triplo do tamanho publicado, já tinha sido editada meia dúzia de anos antes. C.A. ocupava agora o seu tempo com outra colecção, a de "Romeu e Julieta", a qual sairia no ano seguinte pouco antes dele próprio deixar a empresa. Não errarei se afirmar que, nessa época, a produção de Carlos Alberto a tinta da china – ilustrações a preto e branco – já seria quase nula.
Cedo me apercebi no convívio com C.A. que por detrás do ilustrador de BD, uma outra área dessa unidade, que é a arte do desenho – a pintura – começava a emergir, consequência natural da experiência adquirida na execução, primeiro na BD, e depois, na utilização da cor na modelação dos volumes nos cromos e capas executadas durante toda a década de sessenta.
Na área exclusiva das vinhetas executadas a tinta da china, logo, a preto e branco, à quem considere tal como a E.T.Coelho aconteceu, que C.A. é mais um ilustrador que um especialista em BD dada a fulgurância das ilustrações soltas (de ambos), nas quais um determinado momento é exuberantemente pormenorizado, enriquecendo a descrição desse específico momento. Na BD, dada a sua característica narrativa sequencial, as vinhetas são como que um fio de contínua acção, cortado à tesoura, na qual uma câmara atenta capta pormenores e ângulos despercebidos ao distraido leitor, e nos quais o movimento é oferecido em sugestivos planos que induzem os sentidos à participação na trama apresentada.
Creio que, salvo melhor análise, todos os desenhadores que "beberam" no catecismo que foi "O Mosquito" e, concretamente, tomaram como modelo a figura tutelar desse jornal – ET Coelho – ficaram "reféns" da sua singularidade como extraordinário desenhador nas quais as suas BD's eram mais uma sequência de óptimas ilustrações que histórias aos quadradinhos no exacto sentido do termo, de forma alguma diminuindo o artista.
Outra das possíveis razões que poderiam ter originado essa natural tendência talvez tenha sido a ausência de argumentistas disponíveis, induzindo os próprios ilustradores a serem os autores dos enredos e planificação das histórias que ilustravam. Por outro lado, e em relação à BD, todos os profissionais sabem quanto ela é exigente em termos de tempo, pesquisa, planeamento e execução, e não rentável economicamente (na altura), tendo mesmo um editor disponível, como era o caso.
Enquanto ilustrador de BD, Carlos Alberto ocupou, de pleno direito, posição destacada nessa área artística, distinguindo-se por um estilo depurado, belo e harmónico, simultaneamente expontâneo e vigoroso, digno de ombrear ao lado de grandes nomes da BD Mundial.
Poucos artistas iniciados na BD fizeram a passagem desta área para a da pintura com tanto êxito, como CA. Todavia, é ao Carlos Alberto, desenhador de BD, que rendemos homenagem pela sua obra publicada em Portugal.
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A FILHA DO REI DE NÁPOLES
Jorge Magalhães (arg.) - Carlos Alberto (des.)
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