terça-feira, 30 de outubro de 2012

XXIII AMADORA BD’2012 – CYRIL PEDROSA – BDpress #377: NO PÚBLICO P3 E ENTREVISTA COM CYRIL PEDROSA NO D.N.



CYRIL PEDROSA SONHOU E DESENHOU O "PORTUGAL" DOS AVÓS 

O ilustrador francês deu o salto e durante três meses andou às voltas com as suas origens, com um álbum de recordações 

Público/P3, 04/12/2011 

Texto de Luís Octávio Costa

Cyril Pedrosa bebeu Alvarinho, provou as melhores sopas (com ou sem orelha de porco), apanhou nêsperas maduras no quintal e não teve mãos a medir — agradeceu a hospitalidade e foi juntando os produtos da terra na atafulhada mala do carro.

“Portugal” — inserido na colecção “Aire Libre”, da editora Dupuis — é um livro de banda desenhada com mais de 260 páginas imaginadas pelo neto de portugueses que emigraram para França nos anos 30. “É como descrever um labirinto”, diz Pedrosa, que nesta obra autobiográfica é Simon Muchat, um ilustrador com um bloqueio criativo e problemas conjugais.

O autor e a sua personagem (a família de Ciryl é natural da Figueira da Foz; a de Simon é de Marinha da Costa) andam “em ziguezagues, para a frente e para trás”, às voltas com as suas origens, com um volumoso álbum de recordações que foi reaberto em Maio de 2006, durante o Festival de Banda Desenhada da Amadora [nota do Kuentro: Foi no Salão de BD da Sobreda – ai estes jornalistas... –  em Maio não podia ser na Amadora] para o qual Cyril Pedrosa foi convidado.

Foram “três curtos dias” em que o autor (premiado criador de "Les Trois Ombres" que também trabalhou nos filmes “O Corcunda de Notre Dame” e “Hércules”, ambos da Disney) só teve tempo para aprender três coisas: que o café custa 0,80 euros, que os emigrantes são angolanos e brasileiros e que o Alentejo tem bom vinho.

BALÕES EM PORTUGUÊS

Cyril (Poitier, 1972) voltou ao seu “Portugal” no Verão de 2008. Ficou três meses. Termina assim a sua obra, que demorou três anos a concluir: “Querido pai. Vou ficar em Portugal mais tempo que o previsto. Apetece-me desenhar este país. Veremos onde isto me leva”.

Levou-o à varanda do casario do Bairro Alto (capa do livro), ao quarto número 213 e a uma série de blocos de apontamentos e esboços. Levou-o às escadas íngremes e às tascas de Lisboa, aos fios entrelaçados do eléctrico e às conversas cruzadas sobre o jogo de futebol da véspera numa língua que vai assimilando por paixão.

Portugal” são os seus primeiros passos de adulto pelo país que visitara 23 anos antes pela mão dos pais. Desta vez andou perdido, aprendeu a comer sardinhas à mão com uma senhora que deu o salto durante o salazarismo. “Frias não prestam”.

O álbum vive de milhares de cenários de aguarela e de balões. A grande parte dos diálogos do álbum são escritos em francês. Mas Cyril, o ilustrador que costuma apanhar o comboio e parar em vilas desconhecidas para conhecer as suas personagens, articula muito texto em português, transformando este álbum quase num insólito das duas línguas.




Imagens de Portugal
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Pranchas de Les Trois Ombres (Três Sombras) agora também editado - e à venda no FIBDA - em português, pela Polvo.

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ENTREVISTA COM CYRIL PEDROSA

Diário de Notícias – DN ARTES, 26 de outubro de 2012 

'Portugal' é o álbum onde o autor de BD luso-descendente Cyril Pedrosa, nascido em França, conta o seu regresso às origens. A tradução saíu na ASA e Pedrosa está no Amadora BD, que tem uma exposição dedicada a 'Portugal' 

"Quando voltei a Portugal era como se conhecesse toda a gente" 

Eurico de Barros 

Vem a Portugal lançar a edição nacional do álbum Portugal e participar no Amadora BD. E foi precisamente da visita a um festival de banda desenhada (BD) português em 2006 que este álbum nasceu.

Sim, ao Festival de BD da Sobreda, que é um festival pequenino, mas que representou um momento muito bonito para mim. E foi a primeira vez que voltei a Portugal em muito tempo. Acho que há uns 25 anos que não visitava Portugal.

O que o levou a fazer este álbum? O que sentiu quando regressou a Portugal, após tanto tempo?

Senti exatamente o mesmo que a personagem do álbum. Ou seja, o sentimento de reencontrar algo extremamente familiar, como se eu já conhecesse todas as pessoas que encontrei, como se reencontrasse a música da língua portuguesa, que não ouvia há muito tempo, e desse conta de como gostava dela e ela me tocava. Foi como voltar a ouvir uma canção da infância de que gostava de voltar a ouvir, que gostava muito e que estivesse esquecida.

Portugal é um álbum muito autobiográfico?

Sim, de uma certa forma. Há muitos aspetos que o são, em especial nos estados de alma da personagem e na relação que ele tem com Portugal. Há mais invenção nas coisas que lhe acontecem e aí já se trata de uma personagem de ficção, porque eu queria afastar-me da realidade para poder inventar à vontade.

É por isso que a personagem se chama Simon e não Cyril?

Exatamente. É porque eu queria conservarar as emoções que senti ao regressar a Portugal e tentar resolver as questões que tenho com o País, não fechando-me na minha história pessoal mas criando depois uma ficção para poder ter mais espaço.

Tem família em França, mas também ainda em Portugal?

Sim, principalmente em França, mas ainda tenho alguma em Portugal.

Como reagiram os seus familiares, e, também, os seus amigos, a este álbum?

A minha família francesa - sobretudo as pessoas da minha geração - foi a que reagiu mais a ele. Penso que por essas pessoas estarem na mesma situação geracional que eu. Elas têm uma relação com. Portugal que é muito parecida com a minha, mesmo que cada uma de forma diferente, claro. Todos eles sentem uma ligação muito forte ao País e ao mesmo tempo partilham uma ignorância total sobre ele. É estranho.

Daí que a personagem de Simon se sinta, ao mesmo tempo, em casa e estrangeira.

Sim, precisamente. É uma sensação muito estranha, que tem muito a ver com as recordações. Sentimo-nos em nossa casa, mas é uma "casa" que já não existe. E talvez nunca tenha existido, porque se trata de uma visão muito subjetiva e muito superficial. E que é unicamente emocional, porque, na verdade, eu não conheço Portugal em profundidade, conheço-o muito mal, apenas superficialmente.

Quando o álbum foi editado em França, disse numa entrevista que o Portugal que retrata é "realista, mas também imaginário". Porquê?

É realista, porque utilizei o Portugal que conheço, um pouco de Lisboa, um pouco da região onde mora a minha família. E, ao mesmo tempo, esse Portugal é também imaginário porque é visto através do olhar da personagem, que sobrepõe àquilo que vê as suas emoções. Logo, toda a gente parece ser calorosa e simpática. Só que, evidentemente, Portugal, como qualquer outro país do mundo, é composto por-pessoas simpáticas e pessoas desagradáveis. Mas o Simon não tem noção disso, porque tem uma relação muito, muito afetiva com todas as pessoas que encontra. E com os lugares, com a língua, as cores, os ruídos. Quando cheguei à Sobreda, fui à praia depois de me instalar no hotel e os pescadores estavam a regressar da faina.

Eu nem imaginava que ainda havia pescadores e essa cena enviou-me para a minha infância e foi como se voltasse a ter oito anos e meio, e a estar no meio dos meus primos. Foi muito estranho, foi uma mistura de realidade com recordações e emoções.

E expressou todas essas emoções e recordações quer no estilo quer nas cores do álbum.

Foi isso que eu tentei fazer. Que o desenho seguisse o estado emocional e interior da personagem, os seus estados de alma. Porque alguns têm a ver com a sua relação com o País, e outros são estados de alma quotidianos. No princípio do álbum, o Simon está a passar por dificuldades, não sabe bem para onde vai, o que fazer, e pouco a pouco ganha ânimo, liberta-se, e pretendi que o desenho contasse essa evolução. Quanto mais avançamos na história, mais o desenho é espontâneo, colorido, vivo, à imagem daquilo que o anima.

Passou muito tempo em Portugal a preparar o álbum?

Sim, foi um processo criativo demorado. Primeiro escrevi a história e vim passar três meses a Portugal, sobretudo para escrever e fazer desenhos, mas não para o álbum: principalmente esboços. E também tirei fotografias. Recolhi muitos elementos que depois utilizei para trabalhar em França, no meu atelier.

O sucesso de Portugal em França surpreendeu-o?

Muito, mesmo. Achei que era uma história muito pessoal e que não iria tocar os leitores de banda desenhada em geral. Mas passou-se o contrário. E mesmo apesar do formato do álbum, que é grande e caro. Penso que até o editor sabia que estava a correr um grande risco com este álbum. Por isso, o sucesso de Portugal surpreendeu-nos a todos, e é claro que ficámos também todos muito contentes. E estou muito curioso para saber como é que os leitores portugueses vão reagir, até porque a tradução vai alterar um bocadinho as características da narrativa. Estou muito curioso para poder falar com as pessoas que o leram em português. É uma questão muito interessante.


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