segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

JOBAT NO LOULETANO (140-141) – NA PISTA DE UM SONHO (2–3), por José Batista


O Louletano, 23 | Junho | 2008

NA PISTA DE UM SONHO – 2
por José Batista

Ante a perspectiva de cumprir os 18 meses de serviço militar, na metrópole, comparado com os apenas três na sua Guiné natal, Augusto Trigo optou por aceitar a sugestão de seu irmão Manuel, aí residente há vários anos, de para lá regressar e fazer nessa província os três curtos meses de tropa. Porém, a estada de vários anos em Portugal e os amigos que entretanto fizera e com os quais convivia, – e quiçá, também alguma namoradinha debaixo de olho –, terão exigido ao jovem Trigo algumas reflexões acerca de uma mudança de alguma forma radical dada a disparidade entre a cosmopolita Lisboa e a longínqua província da costa africana. Talvez a escolha não lhe tenha provocado grandes insónias, mas, algumas vezes se deve ter questionado entre os prós e os contras provocados pela proposta do seu irmão.

Tomada finalmente a decisão, outra questão porventura se levantava: que iria para lá fazer em termos profissionais? Nessa altura era fácil arranjar em Lisboa, ou nos arredores, uma ocupação compatível com as suas capacidades. Mas como seria a sua vida na Guiné? Que condições encontraria para se realizar artisticamente nesse torrão perdido no umbigo de Judas? Não será difícil supor ter sido a família, – a mãe e os irmãos que há muito não via –, a pedra de toque na resolução de partir rumo a África.

Feitas as despedidas, já na passada semana referidas, ei-lo, após curta semana de viagem, com escala em Cabo Verde, pisando o solo onde há quase duas décadas nascera. Por certo sua mãe acusaria a passagem do tempo, – e porque não as saudades sentidas durante a sua ausência – mas o alvoroço do reencontro e o calor da proximidade dos braços mais chegados encheram os olhos e o coração do jovem Augusto Trigo no seu regresso ao seio familiar, e ao ambiente onde em criança crescera e brincara.

Depois, não fora descurado, em termos profissionais, a ocupação do seu tempo na província, pois que o Governador-Geral da mesma, na altura Peixoto Correia, oficial da Marinha, comprometeu-se, perante sua mãe, a arranjar-lhe colocação nos Serviços Geográficos e Ca­dastrais, algo que o próprio Trigo desconhecia quando deixou Portugal. Sua mãe e ele foram recebidos dias depois pelo Governador-Geral, o qual confirmou o que prometera, tendo Augusto Trigo iniciado funções nos serviços acima referidos quase de imediato. »»

Esboço de página da série "Turu-Bã", ilustrada por Augusto Trigo na Guiné, em 1965.

Primeira ilustração de Augusto Trigo, publicada no Jornal da Guiné.

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O Louletano, 30 / Junho / 2008

NA PISTA DE UM SONHO – 3
por José Batista

O seu trabalho, nesse departamento, longe da área artística que desejaria, mais não era que desenhar mapas, depois de verificar no próprio local, localizando e de­marcando terrenos cedidos pelo governo da província a quem os solicitasse, tendo em vista a sua utilização para a agricultura ou outros fins de acordo com o pedido feito. Mapas rigorosos e completos da Guiné não existiam na altura, pois que os disponíveis eram feitos na metrópole e não estavam actualizados de modo a reflectir em pormenor os acidentes geográficos no terreno, especialmente as ilhas Bijagós que estavam apenas esboçadas no seu contorno, dimensão e localização. O governador solicitou, com o au­xílio da Marinha nas respectivas medições, e também com apoio de fotos aéreas, que Augusto Trigo, dado o seu traço seguro, desenhasse o mapa da Guiné/norte, na fronteira com o Senegal, e também das lhas Bijagós, sendo de sua autoria o primeiro mapa credível dessas respectivas áreas. Para a execução dessa tarefa, Augusto Trigo foi transferido para a Capitania do Porto de Bissau de modo a facilitar a coordenação da equipa encarregue de materializar esse específico objectivo. Curiosamente, viria a encontrar no seu regresso à metrópole, em 1979, o responsável por esse departamento da Marinha na Guiné, como director do Aquário Vasco da Gama, em Algés.

Outra das áreas em que a arte de Augusto Trigo perfeita­mente se enquadra, é na da edição, nas várias ilustrações que o então responsável pelo pelouro da educação na província, por sugestão do Governador-Geral, lhe solicita, as quais ele executa para publicações do primeiro ciclo. Os livros utilizados na instrução primária, nessa província ultrama­rina, eram até aí ilustrados e impressos em Portugal, se não porventura os mesmos lá usados, de modo algum reflectindo a especificidade humana e geográfica do local. Coube ao Governador-Geral seguinte, Vasco Rodrigues, também ele oficial superior da Marinha, a ideia de modificar o esquema até então vigente, mormente o de neles incluir mais temática refe­rente à região e seus costumes, reconhecendo em Augusto Trigo o cola­borador que na província ilustraria os temas que de­pois seriam enviados para a metrópole a fim de serem impressos, pois a Guiné não possuía na altura estruturas técnicas para exe­cutar esse serviço.

A pintura a óleo é uma das multifacetadas áreas artísticas que o artista bem conhece e domina, capacitando-o, assim, com perfeito à vontade, para executar tarefas de maior envergadura nesse género. Uma delas a ele solicitada é a de pintar, a óleo, para o Salão Nobre da sede do governo, na capital da província, o retrato dos respecti­vos Governadores-Gerais, depois de terminados os seus mandatos. Por norma, cabia ao governador seguinte a encomenda do retrato do seu antecessor. »»

Rapariga "Manjaca", com tatu­agem. Ilustração de um costume local, feita por Augusto Trigo, na Guiné, em 1967.

Vinheta da série incompleta "Turu-Bã", ilus­trada por Augusto Trigo na Guiné, em 1965.

CAROS LEITORES

Por lapso de revisão, saiu errada, na passada semana, a legenda da ilustração da 1a coluna de texto, cuja rectificação é a seguinte: "Esboço da página 20 da série inédita inacabada, "Quelé-Fabá", baseada numa lenda da Guiné, ilustrada por Augusto Trigo em 1992, com argumento de Jorge Magalhães, feita em Portugal depois do regresso definitivo do ilustrador."

As nossas desculpas. Jobat

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