sexta-feira, 10 de maio de 2019

SPIROU UM HERÓI DIFERENTE DE TODOS OS OUTROS

Recorte do jornal Público de 20 de Abril de 2014
SPIROU
UM HERÓI DIFERENTE DE TODOS OS OUTROS 

COM O JORNAL PÚBLICO 

A génese dos heróis de banda desenhada tem, por vezes, características peculiares. A de Spirou está nessa categoria.

A meio da década de 1930, quando os ecos da Primeira Guerra Mundial, com os seus muitos milhões de vítimas mortais nas trincheiras, ainda não se tinham dissipado, e outra guerra global germinava na Alemanha, o francês Robert Velter (1909-1991) ganhava modestamente a vida como animador a bordo do transatlântico "ile-de-France", depois de ter começado como "groom" ao serviço dos navios que garantiam as ligações entre a Europa e a América do Norte.

Numa dessas travessias conheceu Martin Branner, desenhador e argumentista norte-americano que criou a série Winnie Winkel. Velter mostrou-lhe alguns desenhos pessoais e tornou-se assistente do americano. Passa dois anos nos Estados Unidos e regressa a França em 1936, onde inicia carreira como autor de bandas desenhadas.

Dois anos depois surge a grande oportunidade da sua vida, quando o editor belga Jean Dupuis o desafia a criar uma personagem – o objectivo era rivalizar com Tintin, aparecido em 1929 – para uma revista que estava prestes a lançar. Assim surge Spirou, o jovem herói de cabelo ruivo, fato vermelho com botões dourados e chapéu redondo,em homenagem aos seus tempos de juventude.
As primeiras aventuras são, como sublinha Henri Filippini, crítico francês de BD, "simplistas, engraçadas e ingénuas". A guerra chega entretanto e Velter, que assinava com o nome artístico de Rob-Vel, não tem tempo para desenvolver a sua criação. É feito prisioneiro pelos alemães em 1940 e será Jijé (1914-1980) a assegurar a obra durante cerca de um ano. Rob-Vel ainda volta a dar vida a Spirou entre 1941 e 1943, mas neste último ano decide vender os direitos da sua criação à editora Dupuis.

Até 1946 é Jijé quem, de novo, alimenta a série, mas um irreprimível desejo de correr mundo leva-o a pedir ao jovem Franquin (1924-1997) que o substitua. Assim acontece e a primeira aventura de Spirou desenhada por Franquin vê a luz do dia em L:Almanach Spirou 1947, distribuído em Dezembro de 1946. Tem deste modo início a "idade de ouro" de Spirou, em tudo tributária da fabulosa criatividade e perfeccionismo de André Franquin. É essa fase que a presente colecção do PÚBLICO, desenvolvida em parceria com as Edições Asa, homenageia através de uma série de 11 álbuns duplos com as histórias desenhadas e escritas pelo artista belga (algumas com a colaboração de outros nomes de primeira linha da BD franco-belga: Greg, Jijé, Will, Roba e Rosy).

Não tendo criado a figura de Spirou nem o seu inseparável esquilo Spip, Franquin teve talento e capacidade para levar a série ao máximo expoente criativo, caracterizado por uma ironia total e um humor sem fronteiras, num registo que continua a ser o da pura aventura.

Jijé já tinha dado ao herói um companheiro, o colérico jornalista Fantásio, mas a galeria de personagens seria consideravelmente enriquecida, a partir de 1951, por Franquin.

A ele se devem as geniais figuras de Pacómio Hegésipo, Adelardo, Ladislau de Champignac, conde e micólogo; o vilão Zantáfio, o ambicioso e sem escrúpulos primo de Fantásio; Zorglub, megalómano e ignóbil criminoso; Seccotine, repórter enérgica e ambiciosa que deixa frequentemente Fantásio à beira de um ataque de nervos; e, acima de todos, o inefável Marsupilami –uma adorável criatura de pelo amarelo e bolas pretas com uma temível cauda de vários metros – que Spirou e Fantásio capturam na floresta tropical no ano de 1952.

Num punhado de aventuras, Franquin consegue criar um universo muito coerente, onde não falta uma decoração de interiores que o crítico Claude Moliterni define como "em estilo 'átomo"', arquitecturas futuristas e invenções como a "turbotracção", que aplica na construção do turbomóvel em que se deslocam os dois heróis.

Mas tudo tem um tempo.

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