APRESENTAÇÃO
DA
COLECÇÃO BLUEBERRY
ÀS QUINTAS FEIRAS COM O JORNAL PÚBLICO
ÀS QUINTAS FEIRAS COM O JORNAL PÚBLICO
Os seus autores, o argumentista Jean-Michel Charlier e o desenhador Jean Giraud, deram ao herói o nome de um fruto produzido por um arbusto (blueberry é mirtilo em inglês). Ao fazê-lo, estabeleceram uma relação bem contrastada entre a dureza, por vezes hostil, dos ambientes representativos do Oeste americano, onde decorre a acção, e a atitude singular e diferenciada do protagonista para manter viva uma centelha de humanidade em ambientes e circunstâncias adversos à manifestação dessa mesma humanidade.
O herói não é uma figura linearmente positiva, mas um outsider – um renegado em muitos momentos da aventura – que tem por companheiros fiéis e incondicionais um alcoólico e um ex-vaqueiro de duvidosa reputação. O que parecia uma fórmula arriscada revelou-se um êxito seguro, cuja popularidade chegou, com todo o mérito, aos nossos dias.
O que ressalta em cada aventura é a luta permanente do homem com os elementos, e também consigo mesmo e os seus semelhantes, num esforço continuo de sobrevivência e, porque não dizê-lo, de transcendência. Notável fresco sobre o espírito da fronteira, Blueberry é um hino ao espírito empreendedor do homem e à aspiração de justiça, assim como um apelo ao respeito das diferentes culturas, desafiando a valorizar o que une e a desprezar o que divide os seres humanos.
Os 10 álbuns que integram esta segunda colecção Blueberry, a distribuir semanalmente (à quinta feira) com o Público, têm a particularidade de dar a conhecer dois ciclos extremados da série – o Ciclo das Guerras Índias (os cinco primeiros episódios da obra), em que o estilo gráfico de Giraud começa a despontar e afirmar-se, e o Ciclo Mister Blueberry (já apenas com a assinatura de Giraud e onde ele leva mais longe a exploração temática e gráfica das suas inovadoras propostas), ambos há muito tempo ausentes do mercado português.
Quando tudo começou, em 1963, foi Charlier que esteve no epicentro desse furacão criativo – era um homem que se desmultiplicava em mil tarefas e paixões, sempre com uma energia que parecia inesgotável. No seu currículo pode ler-se, entre muitas referências, a direcção literária nas Éditions Dargaud, a sua paixão pelos aviões – deixa o nome associado a nada menos do que três séries de banda desenhada sobre este tema – ou a co-fundação da conhecida e marcante revista francesa de banda desenhada Pilote, em 1959.
Todavia, o seu nome está sobretudo associado à criação de heróis, séries e histórias aos quadradinhos a que emprestou o seu talento e imaginação como argumentista.
Basta olhar para as mais populares séries a que esteve de algum modo associado Buck Danny (desenhos de Victor Hubinon ou Francis Bergêse), Jean Valhardi (Eddy Paape), La Patrouille des Castors (Mitacq), Marc Dacier (Eddy Paape), Tanguy e Laverdure (Uderzo, Jijé, Patrice Serres e Alexandre Coutelis), Barba Ruiva (Hubinon, Jijé, Christian Gaty, Patrice Pellerin), Jacques Le Gall (Mitacq), Dan Cooper (AI Weinberg), Jim Cutlass (Giraud e Christian Rossi) ou Os Gringos (Victor de La Fuente) – para se perceber até que ponto a BD europeia perdeu com a morte de Charlier.
Jean Giraud, por seu lado, é um criador que também dispensa apresentações. Como Giraud através do seu alter-ego Moebius, o desenhador de Bluebeny emprestou o melhor do seu talento e inquietação pessoais às muitas obras que deixou para a posteridade.
Blueberry é, indiscutivelmente, uma delas.
Regressemos agora brevemente ao já distante mês de Outubro de 1963, data em que a revista francesa de banda desenhada Pilote surpreendeu os seus leitores ao publicar as primeiras pranchas de Fort Navajo. O grafismo deste western realista era bastante convencional e o herói, um jovem oficial do exército americano que muito se assemelhava ao actor francês Jean-Paul Belmondo, era uma figura ainda pouco estabilizada. Em contrapartida, o argumento já deixava entrever o enorme potencial do projecto: Blueberry não seria apenas mais uma série de índios e cowboys. As décadas seguintes mostraram à saciedade que esta avaliação era justa e certeira. Hoje, é possível afirmar, sem grande risco de ser desmentido, que a criação da dupla Charlier-Giraud é, provavelmente, a melhor que a BD europeia produziu sobre um fenómeno histórico-cultural tipicamente americano.
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