CENTENÁRIO DE JORGE DE SENA
Hoje, o Kuentro afasta-se por alguns instantes da banda desenhada, para comemorar o centenário de um nome, que o editor deste blogue reverencia desde cedo: Jorge de Sena. Não posso esquecer que, enquanto trabalhei como designer gráfico nas Edições 70, entre 1985 e 1989, tive acesso a toda a obra de Sena, editada pelas 70, cheguei mesmo a realizar as capas para os livros de Poesia do autor.
Jorge de Sena é tema e capa desta edição do JL. Como não podia deixar de ser, pois a 2 de novembro cumpre-se o centenário do seu nascimento. Raros vultos têm na história da literatura e cultura portuguesas uma obra tão vasta,diversificada e com a alta qualidade da sua, nos domínios da poesia, da ficção, do ensaio, dos estudos (muitos deles eruditos) sobre muitos autores e múltiplas matérias –, da crítica, do teatro, da epistolografia; e como tradutor, antologiador, conferencista, etc. Sempre polémico, sempre frontal, assumindo mesmo, por vezes, posições e atitudes de uma certa arrogância ou megalomania, que advinham sobretudo do facto de, com razão ou sem ela, se considerar perseguido, ou esquecido, ou menorizado.
Chega a parecer impossível como Sena conseguiu edificar uma obra de tal grandeza, em todos os sentidos. Para mais com uma vida familiar nada fácil, dado ter tido nove filhos, e uma vida profissional intensa, como engenheiro, em Portugal, até 1959, a partir daí como professor em diversas universidades do Brasil, primeiro, e dos EUA a seguir, até se fixar na de Santa Bárbara, na Califórnia, onde morreria a 4 de junho 1978. O próprio escritor, aliás, punha em evidência e se mostrava 'espantado' com aquela sua capacidade. Assim, numa uma edição a ele dedicada de O Tempo e o Modo, em abril de 1968, enumerando tudo que já tinha feito e o que estava a fazer, perguntava-se como tal era possível.. . E respondia, se bem me recordo (cito de cor), que talvez ele fosse um "monstruo de la naturaleza", como Cervantes definia Lope de Vega!
Não se pode dar uma ideia completa de uma figura e de uma obra como as de Sena numa dúzia de página. Com essa consciência, fizemos /fazemos nesta edição o viável, e o que nos pareceu mais adequado mormente tendo em consideração o muito, mesmo muito, que o JL sobre ele publicou ao longo de quase quatro décadas. Este jornal constitui uni acervo único sobre a nossa cultura, e ao tratar de um escritor, um artista, um assunto, não podemos esquecer tudo o que antes sobre ele aqui foi dado a lume.
No caso quero pelo menos lembrar que logo no nosso n" 1, de 3 de março de 1981, lhe dedicamos três páginas (el).tão de maior formato que as atuais), com um ensaio de Eduardo Lourenço e três poemas seus inéditos, um deles dos últimos que escreveu, a 23/2/78.
E lembrar que só na nossa edição 738, de 13 de janeiro de 1999, título da capa: "Jorge de Sena - Um escritor prodigioso", são 14 as páginas com textos importantes sobre os múltiplos aspetos da sua obra, sem esquecer a vida. A abrir, uma longa e reveladora conversa/entrevista de Rodrigues da Silva a Mécia de Sena, mulher, companheira e principal colaboradora de Sena durante toda a sua vida, incansável defensora, divulgadora, "continuadora" após a sua morte. Segue-se um também longo ensaio /evocação por Joaquim-Francisco Coelho, o prof. da Un. de Harvard que com Sena trabalhou, foi seu amigo e "testamenteiro literário" . Depois, ainda um ensaio de outro destacado especialista "seniano", com Mécia responsável pela publicação póstuma da maioria dos seus escritos, Jorge Fazenda Lourenço, e textos de Eugénia Vasques e de Orlando Nunes de Almeida, sobre o teatro e a ficção. Testemunhos ainda de dois dos mais antigos amigos do escritor, José-Augusto França e José Blanc de Portugal, este, segundo Isabel Sena (ler entrevista} "o amigo", só dando esse testemunho, escreveu, por lhe ser "indecinável o pedido honroso do JL, pelo que se lhe deve de ímpar no jornalismo português". A acompanhar tudo a mais completa bio – biliografia de Sena, também por Fazenda Lourenço, e a fechar três extensas cartas para Cario Vittorio Cattaneo, poeta, crítico, autor do primeiro trabalho universitário sobre a sua obra e tadutor para italiano diversos livros seus.
Uma nota final. Jorge de Sena foi colaborador brilhante, de vários jornais e revistas. De uma coisa tenho a certeza: se fosse vivo quando o JL apareceu tinha-o convidado para ser nosso colunista, desde o nº 1. .. E outra coisa (quase?) posso assegurar: ele aceitaria, seria um colaborador assíduo e mais um grande fator de valorização deste jornal. JL
Discurso de Jorge Sena na Guarda em 1977, no âmbito das celebrações do 10 de junho.
Jorge Cândido de Sena (Lisboa, 2 de novembro de 1919 – Santa Barbara, Califórnia, 4 de junho de 1978) foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português, naturalizado brasileiro em 1963.
Filho único de Augusto Raposo de Sena, natural de Ponta Delgada e comandante da marinha mercante, e de Maria da Luz Telles Grilo de Sena, natural da Covilhã e dona-de-casa. Ambas as famílias eram da alta burguesia, a paterna de suposta linhagem aristocrática de militares e altos funcionários, e a materna de comerciantes ricos do Porto. Segundo relata no seu conto Homenagem ao Papagaio Verde, teve uma infância recolhida, solitária e infeliz, o que fez com se tornasse introspetivo, observador e imaginativo.
Fez a instrução primária e os primeiros anos do liceu no Colégio Vasco da Gama. Concluiu os estudos secundários no Liceu Camões, onde foi aluno de Rómulo de Carvalho. Era um jovem que lia avidamente, tocava piano e escrevia poemas. Na Faculdade de Ciências de Lisboa, fez os exames preparatórios com as notas mais elevadas.
Na Escola Naval
Sena nutria a ideia algo romântica de se tornar oficial da marinha, seguindo as pisadas do pai. Em 1938, aos 17 anos, entrou para a Escola Naval como 1º do seu curso. A 2 de outubro de 1937, iniciou a sua viagem de instrução a bordo do navio-escola Sagres. Visitou os portos de S. Vicente, Santos, Lobito, Luanda, S. Tomé e Dakar, chegando a Lisboa no final de fevereiro de 1938. O contacto com a imensidão do oceano, a azáfama da vida a bordo e o movimento e mudança constantes agradaram ao jovem Sena, mas nem tudo correu bem. Segundo o relato de um antigo camarada de curso, naquele ano a viagem de instrução foi excecional e particularmente dura e exigente em termos de preparação e destreza física, copiando o modelo da marinha alemã. Na parte teórica do curso Sena era brilhante, mas em termos atléticos era medíocre e apesar dos muitos esforços que fez não conseguiu satisfazer as elevadas expectativas do comandante do curso, que parecia nutrir um ódio de estimação pelo cadete contemplativo e intelectual. No final da viagem, foi comunicado a Sena que iria ser proposta a sua exclusão da Marinha por lhe faltarem as "necessárias qualidades" para oficial. Sena ficou profundamente frustrado e desgostoso com esta rejeição e o seu afastamento definitivo de um modo de vida que tanto almejava.
Apesar da sua inclinação natural para a literatura, Sena frequenta, em setembro de 1942, o primeiro ciclo do Curso de Oficiais Milicianos, o qual abandona, enfrentando graves problemas de saúde. Depois de um ano letivo em Lisboa, regressa, em 1943, apoiado financeiramente por Ruy Cinatti e José Blanc de Portugal, à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (que iniciara em 1940) para frequentar o curso de Engenharia Civil, concluindo-o em 1944. O curso pouco o entusiasmou, mas durante todo esse tempo escreveu bastantes poemas, artigos, ensaios e cartas. Desde os 16 anos que escrevia e em 1940, sob o pseudónimo de Teles de Abreu, publicou os seus primeiros poemas na revista Cadernos de Poesia, dirigida por Cinatti, Blanc de Portugal e Tomás Kim. Em 1942, publica o seu primeiro livro de poemas, Perseguição, que não impressiona muito o seu amigo e crítico João Gaspar Simões. Adolfo Casais Monteiro considera-o um livro revelador mas difícil.
Em 1947, Sena inicia a sua carreira de engenheiro, que durou 14 anos. Trabalhou como engenheiro civil na Câmara Municipal de Lisboa, na Direção-Geral dos Serviços de Urbanização e na Junta Autónoma das Estradas (JAE), onde permanecerá até ao seu exílio para o Brasil em 1959.
Em 1940, no Porto, Jorge de Sena conhece e torna-se amigo de Maria Mécia de Freitas Lopes (irmã do crítico e historiador literário Óscar Lopes), começando a namorar em 1944 e casando-se em 1949. Jorge de Sena e Mécia de Sena tiveram nove filhos. Mécia, sua incansável companheira e enérgica colaboradora, apoiando o escritor nas inúmeras crises que lhe surgiram ao longo de uma vida por vezes atribulada.
Trabalhava incansavelmente, para sustentar a crescente família. Além do seu absorvente trabalho diurno na JAE (que lhe possibilitou viajar e conhecer o Portugal profundo), Sena também se dedicava à direção literária em editoras, à tradução e revisão de textos, ocupações que lhe roubavam precioso tempo para a investigação literária e a para a sua obra. A banalidade e a pequenez do quotidiano no Portugal de Salazar das décadas de 1940 e 1950 atormentam-no, bem assim como a mediocridade, a mesquinhez e a intriga dos meios literários, a opressão política, a censura literária, resultando num ambiente de trabalho sufocante e absolutamente frustrante, mas que não deixam de o inspirar para o poema É tarde, muito tarde na noite…
Durante esses anos publica várias obras: O Dogma da Trindade Poética – Rimbaud (1942), Coroa da Terra, poesia (1946), Páginas de Doutrina Estética de Fernando Pessoa (organização), 1946, Florbela Espanca (1947), Pedra Filosofal poesia (1950), A Poesia de Camões (1951), etc. Colabora na revista Mundo Literário (1946-1948) com contos e poesia e também como crítico artístico na rubrica cinema e também na revista Litoral (1944-1945).
A sua situação como escritor e cidadão estava a tornar-se insustentável. Como escritor, não tinha tempo livre para escrever, apenas o podia fazer de modo insuficiente e limitado à noite e aos domingos. Também o facto de não pertencer a nenhum círculo académico e a falta de apoio institucional lhe frustrava qualquer pretensão de poder vir a editar alguma obra mais ambiciosa. Por outro lado, a sua participação numa tentativa revolucionária abortada em 12 de março de 1959, colocou-o em posição de prisão iminente, no caso muito provável de algum dos conspiradores presos pela PIDE denunciar os que ainda se encontravam livres.
Em agosto de 1959, viajou até ao Brasil, convidado pela Universidade da Bahia e pelo Governo Brasileiro a participar no IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros. Tendo sido convidado como catedrático contratado de Teoria da Literatura, em Assis, no Estado de S. Paulo, aproveitou essa oportunidade e aceitou o lugar, iniciando assim o seu longo exílio. Ele faz amizade com o poeta Jaime Montestrela, que dedicou o seu livro Cidade de lama. Por motivos profissionais, teve de adotar a cidadania brasileira.
Não foi, contudo, um exílio libertador. Sentia saudades da pátria, apesar do rancor perene que nutria pela pequenez, mesquinhez e falta de reconhecimento nacionais que o atormentariam até ao final da vida.
Em 1961, Jorge de Sena foi ensinar Literatura Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Em 1964, depois de vencer alguns preconceitos académicos pelo facto de ser licenciado em Engenharia, Jorge de Sena defendeu a sua tese de doutoramento em Letras (Os Sonetos de Camões e o Soneto Quinhentista Peninsular), tendo obtido os títulos académicos "com distinção e louvor".
O período de seis anos que passou no Brasil foi muito produtivo. Finalmente, tinha toda a disponibilidade para se dedicar à sua obra com a devida profundidade e profissionalismo. Poesia, teatro, ficção, ensaísmo e investigação. Parte do romance Sinais de Fogo e a totalidade dos contos Novas Andanças do Demónio foram escritos neste período.
Estados Unidos e últimos anos
A degradação da situação política no Brasil, com a instalação de uma ditadura militar a partir de março de 1964, fez com que Jorge de Sena, mais do que nunca avesso a prepotências, aceitasse um convite para ensinar Literatura de Língua Portuguesa na Universidade de Wisconsin, para partir para os Estados Unidos em outubro de 1965. Em 1967 foi nomeado catedrático do Departamento de Espanhol e Português da referida universidade.
De 1970 até 1978 foi catedrático efetivo de Literatura Comparada na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara. Apesar da satisfação de ensinar e da amizade que os alunos lhe dedicavam, Sena não foi feliz. Queixava-se da "medonha solidão intelectual da América" onde não havia "convívio intelectual algum" e da esterilidade e espírito burguês do meio académico, que não se interessava pela sua obra.
Quando se deu o Revolução de 25 de Abril de 1974 Jorge de Sena ficou entusiasmado e queria regressar definitivamente a Portugal, ansioso de dar a sua colaboração para a construção da democracia. Sena visitou Portugal, contudo, nenhuma universidade ou instituição cultural portuguesa se dignou convidar o escritor para qualquer cargo que fosse, facto que muito o desiludiu e amargurou, decidindo continuar a viver nos Estados Unidos, onde tinha a sua carreira estabelecida.
Jorge de Sena morreu em 4 de junho de 1978, aos 58 anos, de cancro.
Em 1978, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o seu nome a uma rua na zona da Quinta de Santa Clara, na Ameixoeira.
Em 11 de setembro de 2009, os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, para o Talhão dos Artistas do Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, depois duma cerimónia de homenagem na Basílica da Estrela, com a presença de familiares, amigos e entidades oficiais.[5]
Obra
POESIA
Perseguição (1942)
Coroa da Terra (1946)
Pedra Filosofal (1950)
As Evidências (1955)
Fidelidade (1958)
Metamorfoses (1963)
Arte de Música (1968)
Peregrinatio ad Loca Infecta (1969)
Exorcismos (1972)
Conheço o Sal e Outros Poemas (1974)
Sobre Esta Praia (1977)
Quarenta Anos de Servidão (1979, póstumo)
Dedicácias (1980, póstumo)
Sequências (1980, póstumo)
Visão Perpétua (1982, póstumo)
Post-Scriptum I (1985, póstumo)
Post-Scriptum II (1985, póstumo)
Poesia I (1977)
Poesia II (1978)
Poesia III (1978)
FICÇÃO
Andanças do Demónio (1960, contos)
Novas Andanças do Demónio (1966, contos)
Os Grão-Capitães (1976, contos)
O Físico Prodigioso (1977, novela)
Sinais de Fogo (1979, romance póstumo)
Génesis (1983, póstumo)
DRAMA
O Indesejado (1951)
Ulisseia Adúltera (1952)
O Banquete de Dionísos (1969)
Epimeteu ou o Homem Que Pensava Depois (1971)
ENSAIOS
Da Poesia Portuguesa (1959)
O Poeta é um Fingidor (1961)
O Reino da Estupidez (1961)
Uma Canção de Camões (1966)
Os Sonetos de Camões e o Soneto Quinhentista Peninsular (1969)
A Estrutura de Os Lusíadas e Outros Estudos Camonianos e de Poesia Peninsular do Século XVI (1970)
Maquiavel e Outros Estudos (1973)
Dialécticas Aplicadas da Literatura (1978)
Fernando Pessoa & Cia. Heterónima (1982, póstumo)
CORRESPONDÊNCIAS COM
Guilherme de Castilho, INCM, 1981
Mécia de Sena (Anos de Portugal), INCM, 1982
José Régio, INCM, 1986
Vergílio Ferreira, INCM, 1987
Taborda de Vasconcelos, ed. Autor, 1987
Eduardo Lourenço, INCM, 1991
Dante Moreira Leite, UNICAMP, 1996
Sophia de Melo Breyner, Guerra & Paz, 2006
José-Augusto França, INCM, 2007
Raul Leal, Guerra & Paz, 2010
Delfim Santos, Guerra & Paz, 2011
Ramos Rosa, Guimarães, 2012
Mécia de Sena (Anos do Brasil), Afrontamento, 2013
João Gaspar Simões, Guerra & Paz, 2013
PRÉMIOS
Recebeu o Prémio Internacional de Poesia Etna-Taormina, pelo conjunto da sua obra poética, e foi condecorado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique (9 de abril de 1977), por serviços prestados à comunidade portuguesa. Recebeu, postumamente, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada de Portugal a 30 de agosto de 1978. Em 1980, foi inaugurado o Jorge de Sena Center for Portuguese Studies, na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara.
O erotismo segundo Jorge de Sena
Para se compreender o espírito livre e independente de Jorge de Sena, são úteis os seguintes textos, extraídos da obra Máscaras de Salazar, de Fernando Dacosta:
[...] a mais completa liberdade [deve] ser garantida a todas as formas de amor e de contacto sexual. Nenhuma sociedade estará jamais segura, em qualquer parte, enquanto uma igreja, um partido ou um grupo de cidadãos hipersensíveis possa ter o direito de governar a vida privada de alguém. [Um dos] prazeres sexuais dos seres humanos tem sido o de reprimir a sexualidade, a própria e a dos outros. Defendo todas as formas de prostituição, como profissão protegida pela lei e vigiada pela saúde pública. Ainda que isso possa chocar muita gente, parece que, desde sempre, houve machos e fêmeas cujo talento na vida, e cuja vocação definida, é emprestarem o próprio corpo. E quem se vende ou quem compra (o que não tem nada a ver com capitalismo, mas com o direito de qualquer pessoa a dispor de si mesma, em acordo com outra) deve ter a protecção da lei contra redes de exploração, chantagens, etc. O que duas pessoas (ou um grupo delas) fazem uma com a outra, fora das vistas dos demais, não diz respeito a esses demais, a não ser que eles vivam na observação mórbida de imaginarem (num misto de horror e curiosidade, que os torna moralistas raivosos) o que os outros fazem. E o que os outros fazem não altera em nada o equilíbrio social. [A pornografia pode ser] um prazer para muita gente e, às vezes, o único que lhes é concedido, pois as pessoas idosas, solitárias, não atractivas, não encontram nunca o chinelo velho para o seu pé doente. Uma prostituição oficializada é obra de caridade para com os feios e os tímidos. [Porque hão-de ser] só os ricos e os de maiores posses a terem acesso à pornografia, e não os pobres? As classes mais desprotegidas deviam ter a sua pornografia mais barata, subsidiada pelo Governo, se o Governo fosse ao mesmo tempo inteligente e progressista nestas matérias. Somos um país imoral, um país depravado às ocultas. Foi isso, no entanto, que nos salvou de mergulhar nas sombras horrendas do puritanismo. Puritanismo que não é parte da nossa herança cultural. Mil vezes a pornografia do que a castração, a prostituição do que a hipocrisia. Se alguma coisa há que deve ser sagrada, é o prazer sexual entre pessoas mutuamente concordantes em dá-lo e recebê-lo, ou negociá-lo. [Os adolescentes e as crianças sempre souberam] muito mais do que os adultos fingem que eles sabem. Raros terão sido os jovens seduzidos na sua inocência. Na maior parte dos casos, o contrário é que é verdade. Se alguma coisa há que deva ser sagrada, é o prazer sexual entre pessoas concordantes em usufruí-lo e partilhá-lo.
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