segunda-feira, 16 de março de 2020

CONTINUA - BANDA DESENHADA -Texto de João Ramalho Santos

CONTINUA 
BANDA DESENHADA 



Texto de João Ramalho Santos 

BDpress #540 – recorte do artigo de João Ramalho Santos no JL de 11/03/2020

Várias séries clássicas europeias continuam hoje após a retirada dos criadores originais, como "Blake & Mortimer", "Astérix", "Corto Maltese" (ou "Lucky Luke"). Na verdade há hoje mais álbuns de "Blake & Mortimer" produzidos por meia dúzia de equipas diferentes do que os da autoria do criador Edgar Pierre Jacobs. As séries passam assim a ser uma espécie de "franchise", tentando manter a mesma receita sem estragar a marca. É pois um conceito diferente do mundo mutável dos super-heróis, no sentido em que, fora ajustes (o mais fácil de detetar é a atenção dada a não-caucasianos e mulheres enquanto personagens em "Blake e Mortimer" ), o objetivo é o mimetismo. Ou seja, criar obras que os autores originais poderiam ter feito, não fosse o caso de já terem falecido (exceto o nonagenário Uderzo), bastando ver o destaque dado aos seus nomes nas capas.

Essencialmente há duas abordagens: histórias independentes (que "aceitam" qualquer leitor, à partida), ou histórias muito ligadas a álbuns originais, e que pressupõem algum conhecimento prévio, de fã. Em edições recentes "A filha de Vercingétorix" cabe na primeira categoria em relação a "Astérix"; enquanto os acontecimentos de "O vale dos imortais" são posteriores aos de "O segredo do Espadão", um dos marcantes registos de "Blake e Mortimer" (e convém conhecê-lo); e "Dia de Tarowean" precede a primeira aventura de Corto Maltese assinada por Hugo Pratt, "A balada do Mar Salgado", embora não seja essencial tê-la lido.

É importante sublinhar a qualidade, todos os argumentistas participantes nestes projetos têm boa (por vezes excelente) obra original, todos os desenhadores cumprem a sua função mimética de forma mais ou menos competente (Pellejero e Conrad são mesmo brilhantes). Sobretudo, e este elogio é um pouco dúbio, todas as histórias se "lêem bem" dentro do universo em que foram concebidas, incluindo alguns "Blake e Mortimer" menos conseguidos, sendo verdade que a verbosidade e a planillcação "atafulhada" dos originais podia ter o mesmo efeito, apesar da sua elegância formal. Nesse sentido "O vale dos imortais" só desilude quem se deixe iludir.

Em ''Astérix" o humor funciona, apesar de Ferri não ser Goscinny (e porque alguns álbuns de Uderzo a solo eram dolorosamente maus), e o conceito de "A filha de Vercingétorix" é bem conseguido, no sentido em que, não só é inteligente a retratar conflitos de gerações, mas foca a relutância de uma jovem em assumir a herança do seu pai, herói da resistência gaulesa contra Roma. Uma posição não muito diferente da dos próprios Ferri e Conrad. Por último, e para além da qualidade de Pellejero, é justo referir que Diaz Canales tem melhorado nos argumentos de "Corto Maltese", mas continua a esforçar-se demais para ser "digno" de Hugo Pratt, sendo demasiado inteligente (sim, é um defeito) ao tentar ligar tudo e mais alguma coisa. Só que os pormenores obscuros e referências históricas estão longe de ter a fluidez narrativa de Pratt, e alguns elementos são francamente ridículos.

No fundo estas obras, que parecem cumprir a tradição do "continua..." nas antigas revistas de BD, levantam três tipos de interrogações, duas de resposta linear. Ofendem? Não. São necessárias? Também não. Atraem e inspiram novos leitores, ou apenas os já fidelizados? Esta última é a única questão a que vale a pena tentar dar resposta. JL

> Argumento de Juan Diaz Canales, desenhos de Rubén Pellejero 

CORTO MALTESE: DIA DE TAROWEAN 

Arte de Autor. 80 pp., 19,90 euros 



> Argumento de Jean-Yves Fern, desenhos de Didier Conrad 
ASTÉRIX: A FILHA DE VERCINGÉTORIX 

ASA. 48pp., 10,90euros 




> Argumento de Yves Sente, desenhos de Teun Berserik e Peter van Dongen 
BLAKE E MORTIMER: O VALE DOS IMORTAIS 1 e 2 

ASA. 56 pp., 15,90 euros






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