terça-feira, 31 de julho de 2012

BDpress #360: PASTISHES – BLAKE E MORTIMER VIRADOS DO AVESSO – EURICO DE BARROS NO DN



QUOCIENTE DE INTELIGÊNCIA
Ano 1. Numero 46. Sábado, 21 de julho de 2012 
'Q:' é um caderno cultural semanalmente publicado aos sábados com o 'Diário de Noticias'. Os títulos, pós-títulos, legendas, notas de rodapé e destaques dos textos publicados são da exclusiva responsabilidade da Redação do DN. Em 2012 recebeu o prémio de excelência do European Newspaper Award. 
Edição: Pedro Tadeu, Nuno Galopim e Ricardo Simões Ferreira 

BLAKE E MORTIMER DO AVESSO

A magistral dupla criada por Edgar P. Jacobs é homenageada numa nova série humorista que é capaz de deixar os puristas irritados, mas sem razão. As Aventuras de Philip e Francis, que vai no segundo volume - e com um terceiro a caminho -, tem qualidade para subir ao panteão dos grandes parodiadores da Nona Arte. Uma leitura muito recomendada para quem procura algumas valentes (e inteligentes) gargalhadas. Pág. 9.

Mais histórias na História das personagens de Tinti

Depois do sucesso do primeiro volume, lançado há um ano e que vendeu 250 mil exemplares, as revistas francesas Le Point e Historia voltaram a associar-se para publicar o volume dois de Les Personnages de Tintin Dans L’Histoie. O primeiro álbum analisava as dez principais personagens do universo de Tintin em tantos outros álbuns, e os acontecimentos que os inspiraram. Este segundo álbum foca uma série de personagens secundárias emblemáticas de Tintin (incluindo o "nosso" Oliveira da Figueira) noutra série de álbuns assinados por Hergé e os momentos históricos com que estão relacionadas, desde a era dos gangsters em Chicago ate à conquista do espaço, passando pela Guerra Fria e pela revolução cubana. Todos os textos são, mais uma vez, assinados por historiadores, por especialistas em história, em banda desenhada e em Tintin e na obra de Hergé.

Vários Autores 
'Les Personnages de Tintin Dans L'Histoire, Vol. 2' 
Le Point/Historia 
PVP 10,90 euros

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BLAKE E MORTIMER VIRADOS DO AVESSO 
Por Eurico de Barros 

A banda desenhada está cheia de 'pastiches', que costumam ser uma forma de homenagem entre autores. Blake e Mortimer, as magistrais criações de Edgar E Jacobs, são alvo da paródia de Nicolas Barral e Pierre Veys em dois álbuns de as 'As Aventuras de Philip e Francis' 

Se, como se costuma dizer, a paródia é a forma suprema da homenagem, então o desenhador Nicolas Barral e o argumentista Pierre Veys, autores da série de banda desenhada (BD) As Aventuras de Philip e Francis, que parodia as aventuras dos "monstros sagrados" Blake e Mortimer, criação de Edgar P. Jacobs (retomada por outras equipas após a morte deste, em 1987), podem desde já subir ao panteão dos grandes parodiadores da Nona Arte. Os dois álbuns de Philip e Francis publicados até agora, Ameaças ao Império e A Armadilha Maquiavélica, trazem em epígrafe a seguinte nota dos autores: "as personagens Philip e Francis inspiram-se muito livremente em Philip Mortimer e Francis Blake, os inesquecíveis heróis criados pelo genial Edgar P. Jacobs, a quem muito respeitosamente dedicamos este álbum."

E da leitura dos dois álbuns deduzimos que, longe de serem dois pobres toscos, Barral e Veys são uma dupla talentosa e profundos conhecedores e apreciadores da genial obra de um dos maiores autores da história da BD, contemporâneo, amigo e colaborador de Hergé, e expoente da "linha clara", estando totalmente familiarizados com o universo, o estilo, a estética, a identidade, os ambientes, a ideologia e os códigos narrativos das aventuras de' Blake e Mortimer, com a personalidade e o traço de Edgar P. Jacobs, e com as características e a psicologia dos dois heróis de clássicos como A Marca Amarela, O Enigma da Atlântida ou S.O.S. Meteoros. Só assim eles poderiam tê-los virado do avesso e passado ao fino crivo da paródia com tanta pertinência e competência, tanto sentido de humor (entre burlesco e nonsense) e prazer.

Os puristas poderão ranger os dentes, bufar, esbracejar e alegar sacrilégio, porque não têm razão. Seria legítimo fazerem-no se a paródia não fosse conseguida. Mas é-o, total, desopilante e jubilatoriamente, quer em Ameaças ao Império quer em A Armadilha Maquiavélica. (Esta dupla de autores é também responsável por outro pastiche de muita qualidade, Baker Street, em que a "vitima" é Sherlock Holmes, e cuja conceito e tipo de humor transportaram para As Aventuras de Philip e Francis).

Philip é inteligente mas infantil e desastrado, e tem um problema de peso. Francis ainda vive com a mãe, tem fantasias heroicas e é um mulherengo inveterado. Olrik é um vilão ridículo e muito pouco eficaz, cujos incompetentíssimos capangas são a vergonha do mundo do crime, e todos evoluem por uma Inglaterra semelhante às dos verdadeiros Blake e Mortimer, mas cujos tiques, idiossincrasias, atmosferas e manias nacionais são igualmente parodiadas sem dó nem piedade e voltadas de pernas para o ar sem qualquer cerimónia. 

Ameaças ao Império
por Pierre Veys e Nicolas Barral.
Gradiva, 13,63 euros 


A Armadilha Maquiavelica
por Pierre Veys e Nicolas Barral
ASA, 13,95 euros 














No primeiro álbum, Ameaças ao Império, Philip e Francis enfrentam uma tão súbita quanto estranha e inexplicável revolta do mundo feminino, que, de tão chocante, abala a ordem e os fundamentos da sociedade inglesa. E no segundo volume, A Armadilha Maquiavélica, os dois amigos veem-se transportados para uma Inglaterra paralela (por exemplo, a Marks & Spencer virou Spencer & Marks) onde travam conhecimento com os seus duplos e na qual Olrik é o primeiro-ministro e vai casar-se com a rainha, e Winston Churchill é um super-herói (com uniforme, identidade secreta e tudo) que combate o malvado coronel. 

Além de brincarem com a série original, muitos dos gags, das piadas visuais, das piscadelas de olho e das cotoveladas que encontramos nas duas histórias de Philip e Francis remetem para o cinema, desde os filmes de Brigitte Bardot aos de Louis de Funés (1), passando pelos clássicos franceses dos anos 30 e 40 e até pelas fitas de artes marciais. E o elemento de ficção científica, fulcral em quase todas as aventuras de Blake e Mortimer, encontra-se também presente e ativo nas de Philip e Francis, embora num registo cómico consistente e bem loufoque. Está já anunciado um terceiro tomo desta paródia "oficial" (porque autorizada pela editora e pelos detentores dos direitos das aventuras dos dois heróis de Edgar P. Jacobs). O título promete, desde já: La Marque Jaune Contre Godzilla


(1) Louis de Funés (1914-1983) - grande ator cómico francês de origem espanhola, protagonista de filmes como A Grande Paródia (1966), O Pequeno Banhista (1968) ou As Aventuras do Rabi Jacob (1973).


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