segunda-feira, 16 de julho de 2012

JOBAT NO LOULETANO – 9ª ARTE – MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA (LVI e LVII) –O CAMARADA – UMA REVISTA 100% PORTUGUESA – 4 – por Jorge Magalhães E JOSÉ PIRES (1), por Jobat

Rosto do último número da 1ª série do Amarada


9ª ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(LVI - LVII)


O Louletano, 27 de Abril a 2 de Maio 2005 

CAMARADA – UMA REVISTA 100% PORTUGUESA – 4 

por Jorge Magalhães 

Outra figura de primeiro plano foi Marcelo de Moraes, que tal como Júlio Gil ilustrou inúmeras páginas de passatempos, curiosi­dades, contos, artigos, etc. Entre as suas histórias aos quadradinhos contam-se "O Rapto da Rainha do Volfrâmio", (uma aventura do saga Inspector Litos) e "Vic Este cm Paris", de parceria com Mascarenhas Barreto, que foi um dos mais prolíficos argumentistas do Camarada. Desenhador de feição humorística, com nítidas influências do criador de Tintín (mas também de Roy Crane, autor de Buz Sawyer), Marcelo de Moraes distinguiu-se ainda, na fase final do Diabrete e na 2ª série do Camarada, como um dos grandes pilares destas revistas.

Já dissemos que as histórias aos quadradinhos foram progressi­vamente conquistando autonomia e espaço no Camarada, mas sem nunca relegarem para segundo plano as restantes rubricas, como aconteceu, por exemplo, no Mosquito, pela mesma época. Foi essa abertura que permitiu o aparecimento e a aprendizagem contínua de um escol de jovens desenhadores, que nas páginas do Camarada puderam exercitar os seus dotes gráficos e narrativos, como os já mencionados Nuno San-Payo, com "Hassan, o Audaz" e "O Mis­tério de Castel-Diablo", Bastos Coelho ("O Estranho Caso de Bula-Ditadi", "Um Plano Tenebroso"), Ribeiro Modesto ("O Templo dos Mil Deuses", "Taça de Honra"), J. Leal ("O Gato Azul", "Zcphir"). J. Mattoso ("Trata-se de um Caso Estranho", "Os De­mónios do Garuda"), António Alfredo ("Aventuras de Chinchas e Camancéu", "Descobri a Atlântida"), e ainda Monteiro Neves ("As­salto ao Banco"), Artur Correia, que se estreara pouco tempo antes no Papagaio ("A Seita da Cobra Verde"), e sobretudo António Vaz Pereira, desenhador de veia lírica, cujas formas etéreas, de suave beleza, se fundiam com a rusticidade do traço, adaptando-se às mil maravilhas ao ambiente poético e fantástico de histórias como "Ama­dis de Gaula", "A Demanda do Santo Graal", "Por Terras de Além Atlântida" e "Aventuras de Manelito na Terra Oculta".

Resta-nos falar de Carlos Alberto Santos, uma das mais notá­veis descobertas do Camarada, que começou por ilustrar timida­mente algumas novelas de aventuras e se afirmou, já na fase final da revista, um desenhador de traço firme e seguro, com excelente domí­nio da arte da composição e do desenho anatómico, num estilo clássico, vigoroso e elegante que lhe renderia os maiores elogios, anos depois, ao ilustrar várias colecções de cromos para a Agência Portuguesa de Revistas (como já referimos noutro artigo publicado nesta rubrica).

Infelizmente, a sua primeira história aos quadradinhos, "O Es­cudo do Sarraceno", ficou interrompida com o fim brusco do Cama­rada, que, incapaz de alargar a sua distribuição, praticamente limi­tada aos centros regionais da Mocidade Portuguesa, leve de reduzir drasticamente o número de páginas, para, poucas semanas depois, anunciar a sua substituição por álbuns com aventuras completas, de periodicidade irregular.

A medida serviu apenas para permitir a conclusão da 2ª aventura de Chico, "Bres, a Ilha Afortunada", que deixara os leitores em suspenso no seu ponto mais culminante, e a publicação de uma história inédita de Marcelo de Moraes, "O Segredo do Centauro", com o seu herói Vic Este, um jovem e simpático detective amador, muito requestado (à semelhança de Chico), pelo belo sexo; além disso, frequentara o curso de arquitectura em Paris e ajudava, por vezes, o Inspector Litos (nota curiosa, que revela como o autor e os seus personagens se interligavam). Após estes dois álbuns, saídos em 1951, o Camarada desapareceu numa espécie de silencio envergo­nhado, só voltando a ressurgir seis anos depois, com uma nova e ambiciosa série, que teve vida bastante mais longa.

Importante ainda é referir que o Camarada deveu grande parte do seu excelente aspecto gráfico (todas as páginas eram coloridas, quer a duas quer a quatro cores) à circunstância de, a partir do número 59, ter passado a ser impresso nas oficinas das Edições O Mosquito, que, na sequência da cisão entre António Cardoso Lopes e Raul Correia, seus directores e proprietários, foram alugadas à Mocidade Portuguesa, para cuja posse transitariam posteriormente. Foi por­tanto, na mesma máquina de "offset" em que era reproduzido O Mosquito, na sua fase de maior popularidade e tiragem e que, ao que parece, ainda existe, incólume, como a lenda que ajudou a criar, à voragem irresistível do tempo –, que o Camarada se vestiu com as suas melhores galas.

De início com 20 páginas (o 1º número) e depois dezasseis, ao módico preço dc 12 tostões, a revista acabaria reduzida a 12 páginas, por 1$00, mas sem quebra de interesse nem de qualidade, o que tornou o seu fim prematuro ainda mais lamentável.

Desde o apuro gráfico e literário, até ao facto, ainda mais importante, de ter criado uma escola original de BD portuguesa, aberta ao modernismo e à inovação, muito antes de estar em voga entre nós a chamada «escola de Hergé» ou «escola de Bruxelas» com a qual apresenta curiosamente algumas afinidades, tanto no plano estético como onírico, tudo no Camarada se conjuga para lhe granjear um lugar de honra no panteão das revistas infanto-juvenis que assinalaram uma época.

Além disso, só publicou originais portugueses, numa altura em que a produção estrangeira, de custo presumivelmente inferior, inun­dava as nossas revistas, desde O Mosquito e o Diabrete até ao Mundo de Aventuras, e apenas as publicações da Mocidade Portuguesa, tanto masculina como feminina, fugiam à regra. A experiência deu bons frutos... mas não com a mesma re­gularidade na 2aªsérie, publicada entre 1957 e 1965, não certa­mente por falta de bons colabo­radores, mas por razões ditadas pela importância crescente da BD franco-belga no nosso exíguo mercado. ■


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O Louletano, 3 a 9 de Maio de 2005


JOSÉ PIRES

DESDE MUITO NOVO O INTERESSE PELA BD (1)

CHAMA-SE JOSÉ AUGUSTO DIREITINHO PIRES E NASCEU NO ALENTEJO, NA CIDADE DE ELVAS, EM 10 DE OUTUBRO DE 1935. É FILHO DE PAI EBORENSE, MAS, COM POUCO MAIS DE DOIS ANOS, FOI VIVER PARA A GRANDE CIDADE, POIS O PAI, GUARDA DA PSP, FORA TRANSFERIDO PARA CASCAIS.
DAS SUAS RAÍZES FICARAM-LHE A PAIXÃO PELA NATUREZA E OS GRANDES ESPAÇOS, ASSIM COMO A FORÇA TELÚRICA EXPRESSA NO ENTUSIASMO E NO AFÃ LABORIOSO E PACIENTE COM QUE SE DEDICA ÀS HISTÓRIAS EM QUADRADI­NHOS, ENTRE MÚLTIPLAS ACTIVIDADES QUE LHE ABSORVEM LARGAS HORAS DA JORNADA DIÁRIA.
GRANDE PARTE DA SUA OBRA, PUBLICADA NO ESTRAN­GEIRO, PERMANECE INÉDITA EM PORTUGAL, EMBORA, POR DIREITO PRÓPRIO, FIGURE ACTUALMENTE ENTRE OS AUTORES PORTUGUESES DE BANDA DESENHADA COM MAIOR PRESTI­GIO E ACEITAÇÃO JUNTO DO PÚBLICO E DA CRÍTICA.

Em 1938 residia em Cascais e no, ano seguinte, no Monte Estoril, onde ficou até princípios de 1947. Como era muito traquinas – chegou a pegar fogo a um campo – a mãe, que tinha descoberto que ele ficava muito sossegadinho, a ver jornais infantis (O Pirilau, O Mosquito, etc.) tratou de lhe comprar tudo o que havia na altura em matéria de histórias aos quadradinhos.

Foi a partir da série Falsa Acu­sação, original de Vitor Peon, co­meçada a publicar em 10 de Abril de 1943 no jornal in­fantil O Mosqui­to, que ele sentiu o apelo da BD, nas­cendo nele o dese­jo irreprimível de também fazer coi­sas daquelas e, daí para a frente, o sonho da sua vida era também ser autor de histórias aos quadradinhos. Infelizmente, nova transferência de seu pai para Lisboa não só lhe interrompe as hi­póteses de estudar e tirar um curso, como também a situação económica familiar se modificou para pior, obrigando-o a começar a fazer pela vida aos 14 anos de idade empregando-se numa tipografia, pois todo esforço familiar se concentrava na sua irmã mais nova, que, esta sim, precisava de um curso superior, pois um rapaz tudo o que precisava era ter uma profissão decente, e tipógrafo até nem era um mau modo de vida.

Em 1959, consegue entrar para as Oficinas do Anuário Comer­cial – da empresa proprietária do Diário de Notícias – onde eram impressos o Cavaleiro Andante, o Condor Popular e a revista Fagulha; enfim, finalmente o seu mundo...

Artur Correia, do qual se tornou amigo, descobriu um dia, perdida entre os arquivos da redacção do Cavaleiro Andante, uma história que ele tinha entregue uma meia dúzia de anos antes – O Último Prato de Tenton Gant – e logo magicou publicá-la, para lhe fazer uma surpresa ... 

Fumo de Pólvora em Gallows Crossing

Página de "A Tomada dc Santarém", (La Prisc de Santarém) publicada pela 1ª  vez no N° 5, de 29 de Janeiro de 1991, da revista "Hello Bédé" - Bélgica

...José Pires ficou siderado com essa prenda tão inesperada a qual porém lhe deu um novo ânimo para fazer de seguida Fumo de Pólvora em Gallows Crossing, o Cobarde e uma série mais ambiciosa – uma adaptação de Eurico o Presbítero onde o herói tinha o rosto de Charlton Heston. Porém, o preço ridículo que lhe pagavam por página – 150$00 – depressa o fez desistir da carreira de desenha­dor/ilustrador e, em princípio de 1963, enveredou pela carreira de publicitário, onde a sua relativa capacidade para desenhar encon­trou maneira de o compensar fi­nanceiramente de forma mais atractiva, passando a desenhar pra­ticamente todos os storyboards da agência Ciesa/NCK. Essa sua habilidade depressa o guin­daram ao lugar de visualizador, onde então só já fazia storyboards (para quem não saiba, são uma espécie de BD, onde se conta o entrecho de um filme, publicitário ou não) que a dupla criativa imaginava.

Foi autor de várias campanhas de sucesso – os filmes de cow-boy das Salsichas Nobre com um sósia do Charles Bronson, são um exemplo. Esteve presente em vários festivais do Filme Publicitário em Cannes e Veneza, mas nunca ganhou qualquer prémio.
Continua...)

Prancha de Fumo de Pólvora em Gallows Crossing - Cavaleiro Andante, 1962


No almoço do 80º aniversário de José Rui - Maio 2010:
José Pires, Luís Diferr, José Ruy e João Amaral
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A história que hoje se inicia foi publicada com o título de "Bertrand du Guescliri - De Zwarte Hond" no N° 9 de "Kuif Je", do ano 44, de 21/02/89, edição flamenga da revista "TinTin"

O PERRO NEGRO
Benoit Despas (arg), José Pires (des)


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