O texto que se segue foi publicado no Expresso, no dia da inauguração do 23º FIBDA. Àparte certas frases, que reflectem alguma ignorância sobre as características da Banda Desenhada, como a designação de “arte”, por exemplo, pecha esta de que enfermam até alguns dos mais notáveis escribas sobre o tema, não quisemos deixar de republicar aqui um texto que nos parece essencial, na compreensão do que foi o Festival deste ano.
A BD DA MINHA VIDA
A autobiografia é o género em destaque no 23.º AmadoraBD.
Expresso, 27 Outubro de 2012
Texto de Alexandra Carita
Num contraponto com as edições anteriores do AmadoraBD, o festival adotou como tema central deste ano a Autobiografia. Género pouco comum no panorama global da banda desenhada e, sobretudo, com um passado recente - as pranchas autobiográficas surgem nos anos 60 do século XX com a vigência do pós-modernismo. "Os últimos anos do festival foram dedicados a temáticas que implicavam um olhar histórico sobre esta forma de arte. No ano passado celebrámos o humor e visitámos 200 anos de banda desenhada. Em 2010, associámo-nos às comemorações do Centenário da República e resolvemos pôr em destaque as vanguardas europeias com a mais-valia de nos anos 1910, 1920 e 1930 os protagonistas dessas vanguardas serem autores portugueses como .Almada Negreiros, por exemplo. “Este ano era vital trazermos a contemporaneidade para o festival", explica Nelson Dona, diretor do AmadoraBD.
Essa assunção do hoje distanciado do ontem assume na 23ª edição do certame duas vertentes. Por um lado, a aceitação do individualismo como doutrina de um movimento que estabelece os direitos individuais – a génese da autobiografia aos quadradinhos –, por outro, o enquadramento da banda desenhada no devir das artes ditas maiores – como a literatura e o cinema de autor. Duas vertentes acompanhadas pelo momento presente que domina o trabalho de seleção das obras para a exposição de honra do festival. "As grandes decisões que nos afetam hoje são do foro da macroeconomia. Por oposição, quisemos expor a realidade, boa ou má, de pessoas de carne e osso. Poderíamos olhar de forma muito mais abstrata para a sociedade e para os seus problemas, mas preferimos um olhar pessoal e concreto sobre o racismo, o desemprego e tantas formas de discriminação ou segregação. As BDs aqui apresentadas são pontos de vista autorais e não de indivíduos sem rosto."
Com espaço também para as pranchas umbilicais, em que os egos e alter-egos são os únicos protagonistas da história, a grande tónica da mostra no que respeita à sua política editorial são as BD em que os autores a partir da sua experiência, da experiência da sua família ou de outros núcleos que lhes estão próximos relatam uma realidade social mais abrangente e que permite ao público rever-se e identificar-se. Eis alguns exemplos. Carol Tyler (n. 1951, EUA), um dos rostos da luta feminista usou a BD, expondo o seu próprio corpo da forma mais depurada possível para anular a existência de tabus exclusivos ao sexo feminino. O marido, Justin Green (n. 1945, EUA), é considerado o fundador da banda desenhada autobiográfica. Com uma educação católica e a crescer num país protestante, traduziu para as suas pranchas as dúvidas e as incongruências com -que se deparou ao questionar os dogmas que aprendeu como verdades absolutas. Robert Crumb (n. 1943, EUA) é o, grande representante da' cena underground americana associada à afirmação do indivíduo - todo o ser humano tem direito de existir com as suas diferenças, as suas qualidades e defeitos, credos, opções sexuais e de vida, passando pelo direito a drogar-se com a substância que escolher. O seu universo psicadélico não deixa de o colocar no centro do movimento hippie. Símbolo da primeira vaga da BD autobiográfica, Crumb assumiu no final do século passado e já nos anos 2000 o papel pioneiro no desenvolvimento da autobiografia como representação da sociedade: "eu artista quero falar deste tema que sei que importa aos outros". Racista, machista, homofóbico, exorciza os seus defeitos através da 9ª arte. Cabrice Neaud (n. 1968, França), homossexual assumido, fala da discriminação tal como a sente.
Todos eles estarão presentes no Amadora BD ao lado de muitos nomes portugueses: Marco Mendes, Ricardo Cabral, Fernando Relvas e Paulo Monteiro, este um verdadeiro autor autobiográfico (que parte da história única da sua família para abordar temáticas universais), por exemplo.
"É norma do festival ter as grandes estrelas do mundo da BD, os nomes mais conhecidos e mais comerciais ao lado de autores principiantes. Este ano, Mike Deodato estará presente na exposição que comemora os 50 anos do Homem-Aranha, e Zep, autor suíço considerado o novo Uderzo, também.
Na mesma sala estarão expostos os trabalhos dos concursos de BD, de onde sairão novos talentos. Assim começaram Richard Câmara, Rui Lacas, José Carlos Fernandes, só para citar alguns exemplos", refere Nelson Dona.
Festival plural por excelência, o AmadoraBD só se completa com um conjunto de mostras dedicadas a todas as faixas etárias, abrangendo uma imensa diversidade de géneros e de estéticas, distribuídas por dezenas de espaços na cidade. A elas se juntam os stands de livros, os debates, conferências, workshops e muito mais. A descoberta é sempre, por isso, uma certeza em cada visita ao festival.
Maus de Art Spiegelman
Ricardo Cabral
Ricardo Cabral
João Mascarenhas
Teresa Câmara Pestana
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Fotos de Álvaro
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Cabrice Neaud????
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