Um dos versos de capa, de Pedro Brito
MESINHA DE CABECEIRA #23
JÁ À VENDA
Antes de apagar a luz…
Não vou dizer que 20 anos passam rápido – embora seja verdade quando se ultrapassa a barreira dos trinta – como também não vou dizer que tudo mudou desde 22 de Outubro de 1992 quando eu e o Pedro Brito lançamos o número zero do Mesinha de Cabeceira.
Se nesse ano, o MdC era uma reacção à apatia que a BD sofria na altura, em 2012 os motivos para continuar um título embevecido de ''bedroom punk'' não são muito diferentes apesar de tudo. Aliás, é curioso que quando houve uma "época alta" para a Nova BD Portuguesa – entre 1996 e 2002 durante a Direcção de João Paulo Cotrim na Bedeteca de Lisboa – foi quando o MdC teve menor actividade editorial. Quero dizer com isto que vejo o MdC como uma "oposição", não necessariamente a um sistema ou urna ordem instituída mas contra a modorra e a inércia na BD portuguesa. Geralmente cada número é feito para dar o exemplo, é portanto um projecto moralista. Isto soa mal mas parece que faz algum sentido...
Em 1992, eu, o Pedro e alguns amigos precisámos de zines para os nossos desenhos xungas com argumentos escatológicos, e os zines de BD que existiam não abriam portas a toda uma cultura urbana que estávamos a descobrir: música, poesia, colagem,... Foi a nossa mini-vingança a todos os coninhas que nos rejeitaram! Em 1995 precisava de deitar a BD autobiografia, a que passei a dedicar-me, género 'inédito' na BD portuguesa. Em 1997 ninguém queria saber do meteórico Nunsky e fez-se uma edição especial, já ela comemorativa e de passagem para as produções profissionais que continuaram até hoje. Em 2000 não se faziam concursos de BD em que se contemplasse a publicação dos trabalhos vencedores em livro... Fez-se então!
Em 2002 ninguém ligava ao André Lemos nem à técnica de serigrafia, e o polémico autor norte-americano Mike Diana não tinha um livro a solo, por isso saíram dois monográficos que rapidamente esgotaram! Em 2003 só se pagava 10 euros por página nas revistas de editoras profissionais, então a pobretanas da Associação Chili Com Carne, até ela, seria capaz de dar esse miserável valor e preparou três números do "laboratório sincopado de texto + imagem"! Em 2006 já não me lembro, foi apenas por luxúria ou porque tinha deixado de haver BD em Portugal, não me lembro... Em 2009 o João Maio Pinto merecia um livro num formato de meter respeitinho. Em 2010 por causa de vários projectos falhados tinha de limpar a minha honra pessoal e publicar vários trabalhos que estavam "embargados"! Coincidência cósmica, tive acesso a uma nova geração de autores brasileiros a merecer embaixada em Portugal. E em 2012? A primeira razão seria vaidade pura pelos 20 anos de existência que, "noblesse oblige", têm de se comemorar. E chegava-se ao número 23 que sempre foi uma das obsessões do Pedro Brito – e de muita outra boa gente – para que ele voltasse aos comandos do MdC e acabava-se com a coisa, afinal 20 anos é demasiado tempo para um fanzine. Para quem não sabe, o Pedro por volta do número 6 abandonou para se voltar para outras actividades profissionais mas nunca deixámos de ser amigos. Este 23 seria uma forma de amizade, de lhe passar uma batata quente – os amigos não são para as horas difíceis? – mas ele conseguiu afastar-se outra vez. Entretanto à perna, foi feito compromisso de participar na Trienal Desenha 2012 que incluía uma exposição retrospectiva na Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos entre 25 de Outubro e 16 de Dezembro.
Sendo um número de despedida, o "'lnverno" como tema, seria ideal, porque representa o "final" (a morte ou o fim de um ciclo) e como o número zero do MdC começou com 'Outono... regresso às aulas" (merda de tema juvenil, bem sei!), a estação do frio traria o sentido para fecharmos esta publicação de vez.
Só que entretanto comecei um trabalho de alguma envergadura que me exigiu uma publicação regular para conseguir concluí-lo, logo... já saiu o número 24 em Julho 2012 sem este 23 ter ainda a sua forma completa – e em breve sairá o 25 e mais alguns números nesse registo.
E como se poderia comemorar? A forma iria ditar o conteúdo porque queria um abjecto grosso que se pudesse abrir com prazer à mesinha-de-cabeceira a caminho do descanso merecido do final do dia – uma pretensão que explica o título deste zine, para quem nunca o adivinhou... Queria um bloco de papel que tivesse muita BD com narrativas fortes – embora se aceite outras deambulações textuais. Eis uma situação complicada num período (outra vez) negro da BD portuguesa em que os autores (e tudo mais) perderam as evoluções que se registaram na BD do mundo ocidental nos últimos... 20 anos!
Falo da ascensão da BD de autor, da abertura das livrarias, galerias e instituições a este medium (na sua vertente literária e artística, não pela mera sociologia da popularidade), da interactividade entre agentes no plano internacional, do uso da autobiografia – e as vertentes paralelas dos diários de viagens, jornalismo, ensaio, crítica e reportagem –, a imposição comercial do romance gráfico como modelo editorial, etc...
Aspectos todos eles de máxima importância e que tenho orgulho – e talvez o único que tenho nestes 20 anos de actividade – ter difundido pelos meios limitados a que tive acesso. Aproveito para agradecer à Associação Chili Com Carne (e à ElPep) por terem editado alguns dos números do MdC, algumas vezes até com apoios institucionais. Já agora, sobre os outros "selos", a FCKómix (doze primeiros números) e a MMMNNNRRRG (quatro números) não contam para os agradecimentos oficiais porque são estruturas por onde me "escondo"...
Voltando à irritável BD portuguesa, este MdC deveria ser um "tour de force" para mostrá-la energética e com (alguma) saúde, cof cof... Criou-se o tal tema do Inverno, um formato, uma língua universal (o esperanto, claro está!) ou ausência de texto (a BD muda!), e convidaram-se autores amigos. As encomendas foram recebidas com atenção e amor desde os colaboradores da "estaca zero" (Pedro Brito, João Fazenda), passando pelos que participaram em números antigos (João Chambel, Rafael Gouveia, João Maio Pinto, o alemão Dice Industries, Filipe Abranches, José Smith Vargas, Stevz, José Feitor, Daniel Lopes, Bruno Borges, Silas) até a estreias absolutas como Sílvia Rodrigues, Afonso Ferreira, André Coelho, Sara Gomes, Martin Lopez Lam (Peru/ Espanha), Lucas Almeida, Uganda Uhie, Tea Tauriainen (Finlândia) e Zé Burnay.
A todas eles agradeço o empenha e (espero eu) o gozo que tenham tido para me ajudarem a marcar a data.
O vosso criado, Marcos Farrajota 29/09/2012 Lx
AUTORES
9 - João Charnbel – 54
55 - Daniel Lopes - 94
95 - João Maio Pinto - 121
123 - Sara Gomes & André Coelho -147
149 - Uganda Lebre - 165
167 - Lucas Almeida - 183
185 - Martin Lam Lopez - 199
201 - João Fazenda - 215
217 - Rafael Gouveia - 230
231 - Sílvia Rodrigues - 243
245 - Bruno Borges - 256
257 - Afonso Ferreira - 268
269 - Dice Industries - 280
281 - Stevz - 292
293 - Silas - 303
305 - Zé Burnay - 314
315 - Filipe Abranches - 324
325 - José Smith Vargas - 333
335 - Tea Tauriainen – 344
As duas capas, de Pedro Brito
Este número comemorativo da Mesinha é um grosso volume de 352 páginas (formato 10,5 x 15 cm), com duas capas alternativas de Pedro Brito e contracapas de José feitor.
Este número da Mesinha de Cabeceira pode ser adquirido AQUI, por € 10,00.
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