MENSAGEIROS
João Ramalho Santos
BDpress #523
Recorte do artigo publicado no JL – Jornal de Letras de 18/12/2019
Na última década têm havido importantes, e nem sempre previsíveis, movimentações no que diz respeito à BD. Se algumas editoras habituais neste formato desinvestiram, esse efeito foi compensado pela chegada de outras. Talvez a surpresa maior venha da Gradiva, pela aposta na banda desenhada para fazer passar aquilo que tem sido a sua mensagem fundamental de luta contra um sempre ameaçador obscurantismo na área da ciência.
Curiosamente a escolha (depois de obras "puras" de divulgação científica) recaiu sobre BDs em que o didatismo passa com recurso, quer a personagens históricas (Magalhães, Darwin), quer a mitologias (Prometeu, Pandora, Édipo). Para mais utilizando um formato típico de álbum franco-belga, que já vai sendo raro; e incluindo sempre a mais-valia de dossiês que dão contexto e bibliografia, algo que muito pouca gente faz (bem).
Na coleção "Descobridores" destacam-se um volume dedicado a Fernão de Magalhães (nos 500 anos do início da sua jornada), com um interessante, e polémico, ponto de vista (como se calhar convém, numa história que, nos pormenores, parece sempre mal contada), e o primeiro volume dedicado ao trabalho de Charles Darwin, focado na icónica viagem no "Beagle", durante a qual foram feitas observações fundamentais para o formular da Teoria da Evolução.
Ambos bem escritos (pelo explorador, viajante e divulgador franco-suíço Christian Clot), com um excelente ritmo narrativo, e muito competentemente ilustrados, conseguindo fugir ao pedagogismo balofo que .tende a limitar o alcance deste tipo de obras.
Há mensagens a passar, e elas passam, mas sem esquecer as fantásticas histórias de aventuras associadas, e não a narrativa já digerida e assética, que é o que é geralmente divulgado. A escolha de temas pode não ter nada de acaso: se continuamos a ter dificuldades no encontro com o outro, muitos questionam ainda a Evolução pela simples razão de ser urna "teoria", ou dar origem a verdades "chatas" que é difícil aceitar, e que costumam ser as verdades que valem mais a pena.
Se estas obras estão (grosso modo) associadas a um certo tipo de visão de "progresso", é interessante a publicação, também pela Gradiva, da coleção "A sabedoria dos mitos", focando no primeiro volume, com a mesma competência dos dois livros anteriores, as histórias de Prometeu e da Caixa de Pandora. É que se há mitos que questionam a natureza do dito progresso, e valorizam o princípio da prudência, são certamente estes dois, podendo argumentar-se até um certo contraponto editorial. Apesar de ser igualmente um mito marcante, o segundo volume, "Édipo", não tem a mesma profundidade, apesar de enquadrar de urna forma interessante o porquê da popularização de certos mitos num determinado espaço-tempo. Por princípio deve desconfiar-se sempre de urna obra aparentemente feita "por comité", como, ao contrário dos livros sobre Darwin e Magalhães, parece ser o caso nesta coleção. O filósofo e ex-Ministro da Educação francês (no governo Raffarin), Luc Ferry trabalhou os conceitos, mas foram vários a pô-los em prática, e muitos cozinheiros Podem estragar urna boa receita. Ao menos agora (ao contrário do que acontecia no passado, na Europa como nos EUA}, os nomes estão lá todos. E o resultado são BDs franco-belgas do mais clássico possível, quer no desenho, quer no argumento. Mas, e isso é que importa, bem feitas e, espera-se, úteis (também) para quem já raramente lê livros.
É bom ver uma editora como a Gradiva reforçar, com outro tipo de obras, o que tem sido a essência da sua atividade.
Argumento de Christian Clot, desenhos de Thomas Verguet e Bastien Orenge
MAGALHÃES: ATÉ AO FIM DO MUNDO Gradiva. 56 pp., 16,50 Euros
Argumento de Christian Clot, desenhos de: Fabio Bono
DARWIN 1. A BORDO DO BEAGLE Gradiva. 56 pp., 16,50Euros
Conceção e guião de Luc Ferry, Argumento de Clotilde Bruneau, direção artística e storyboard de Didier Poli, desenhos de Giuseppe Baiguera, cor de Simon Vignaux.
PROMETEU E A CAIXA DE PANDORA Gradiva. 56 pp., 16,50 Euros
Conceção e guião de Luc Ferry, Argumento de Clotilde Bruneau, direção artística e storyboard de Didier Poli, desenhos de Diego Oddi, cor de Ruby
ÉDIPO
Gradiva. 56 pp., 16,50 Euros
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