sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

OS ESCORPIÕES DO DESERTO DE HUGO PRATT - VOLUME 1 - Edição Ala dos Livros


OS ESCORPIÕES DO DESERTO 
DE HUGO PRATT
VOLUME 1
Edição Ala dos Livros 


O PAÍS DA GUERRA
A Introdução de Michel Pierre

Um vasto espaço que se estende entre a Península Arábica e o Magrebe, e do mar Vermelho ao Cáucaso.

Um território marcado pelas religiões do Livro cujos fiéis não param de se confrontar, há milénios, em nome de Deus e dos textos sagrados repletos de massacres e pilhagens, vinganças e chacinas. O Antigo Testamento especifica assim que, após a tomada de Jericó: «Tudo quanto havia na cidade destruíram totalmente ao fio da espada, desde o homem até à mulher, desde o menino até ao velho, e até ao boi e gado miúdo, e ao jumento.» (Josué 6/ 21).

E o Corão exige combater «pela causa de Deus» (Surata 11/ 244), o que não deixa de ser algo excessivo; bem como contra os maldosos de Medina, hostis ao Profeta, que aconselha os seus fiéis a exterminá-los: «Serão malditos! Onde quer que se encontrem, deverão ser aprisionados e cruelmente mortos.» (Surata 33/ 61).

Nas origens da sua expansão, o Islão resumiu bem a lógica do ímpeto guerreiro de religiões jovens, designando o mundo dos não-crentes por Dar al-Harb, «O país da guerra», por oposição ao Dar al-Islam. Para estes primeiros fiéis, era grande a hostilidade dos infiéis e era necessário defenderem-se, pois «a quem vos agredir, rechaçai-o, da mesma forma» (Surata 2/ 194). E como a melhor defesa é o ataque, compreende-se melhor a fulgurante epopeia guerreira do Islão nos séculos VII e VIII.


Com estas disposições e ao sabor das conquistas de uns, das cruzadas de outros e das lutas tradicionais entre clãs e tribos, estes territórios foram propícios ao fragor das armas.

As conquistas coloniais do final do século XX, a Primeira Guerra Mundial envolvendo a Turquia otomana e, mais tarde, a Segunda, que tornou a Líbia num palco estratégico importante, não ficaram atrás. É a época dos Escorpiões do Deserto que proporcionam uma espécie de representação barroca dos múltiplos confrontos, das coligações variáveis e do futuro carregado de muitos perigos.

As fronteiras do novo atlas, que estes combatentes ao serviço do Império Britânico ajudam a desenhar, desencadeiam, a partir de 1945, conflitos inexpiáveis.

A necessidade vital para o Ocidente de controlar as fabulosas riquezas em hidrocarbonetos existentes nesta parte do mundo, o nascimento do Estado de Israel que se impôs pela força das armas, a emergência de líderes nacionalistas e carismáticos no cenário da Guerra Fria tornam-se factores e actores de novos confrontos sangrentos.


Alimentado por ódios antigos e rancores tribais, étnicos, religiosos e sociais que apimentam a situação, estimulado pela criação de armas novas, enriquecido com novas tácticas de guerrilha, o caos instala-se. Um caos simultaneamente incontrolável e manipulável. Guerras israelo-árabes, ou opondo o Irão ao Iraque, confrontos entre as duas grandes correntes do Islão – sunita e xiita – golpes de Estado, revoltas populares, confrontos civis, golpes militares, populações bombardeadas, assassínios dirigidos a alvos específicos, fundamentalistas de todas as crenças religiosas, Gaza como uma gigantesca prisão a céu aberto, fronteiras minadas, massacres de geometria variável... Um universo esquizofrénico e paranóico, que reserva ainda reviravoltas sangrentas.

Ao criar Os Escorpiões do Deserto em 1969 e ao prosseguir as suas aventuras em 1973 no contexto da Segunda Guerra Mundial, Hugo Pratt esboça, na realidade, uma visão metafórica do grande Médio Oriente, levando à partilha da opinião do tenente Kord: «Já chega de trapalhada.»

Michel Pierre
Historiador, autor de várias pesquisas sobre a História colonial e de obras em colaboração com Hugo Pratt.







Legendei pelo menos dois dos álbuns editados pelas Edições 70, talvez em 1986/7 



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