DE
WATCHMEN A DOOMSDAY CLOCK
AMANHÃ COM O JORNAL PÚBLICO
Textos de
João Miguel Lameiras sobre esta nova série da Levoir com o Público
BDpress #534 Recorte do artigo publicado no Público de 13/02/2020
Há obras
que marcam profundamente um género, tomando-se um marco incontornável da sua
história. É indiscutivelmente o caso de Watchmen, a obra-prima de Alan
Moore e Dave Gibbons, não por acaso, a única BD incluída pela revista Time na
sua lista dos 100 Melhores Livros de Todos os Tempos. Watchmen é o
centro desta nova colecção do Público e da Levoir, que inclui ainda Renascer
e Doomsday Clock, de Geoffjohns e Gary Frank, saga que revisita o mundo
de Watchmen integrando-o no resto do universo DC.
Nascido
em Northampton em 1953, Alan Moore é uma lenda viva da BD, até pela excentricidade
da imagem que cultiva e pelo afastamento total das grandes manifestações
públicas, como os Festivais e as Convenções de BD, trocados pelo exílio
voluntário da sua casa de Northampton, uma pequena cidade do interior de Inglaterra.
A sua longa carreira, recheada de prémios e sucessos comerciais, iniciou-se em
Inglaterra, nas páginas das revistas 2000 AD e Warrior (onde começou
a ser publicado o notável V de Vingança) mas seria em 1984, ao passar a trabalhar
para o mercado americano, que o mundo pôde finalmente apreciar todo o talento
de Moore e a sua capacidade de insuflar uma nova vida a personagens cansados, provando
que a BD também pode ser literatura. Como refere Barbara Kessel, editora da DC
na altura em que Watchmen foi publicado, "Alan mudou o papel do
argumentista nos comics. Os seus argumentos contêm mais do que uma
história completa. Pode-se ler um argumento dele e ter o mesmo impacto de um comic
completo. Com a maioria dos escritores, o argumento é uma mera descrição
para o desenhador. No caso de Alan Moore ele descreve cada porção da cena com
um detalhe tal que acabamos por visualizá-la de uma forma tão completa que ler
o comic é como ver Shakespeare outra vez".
A dar
vida aos argumentos incrivelmente densos e detalhados de Moore, está Dave
Gibbons.
Desenhador
inglês nascido em 1949 com uma carreira iniciada em Inglaterra na série Dan
Dare e na revista 2000 AD, Gibbons estreou-se nos EUA trabalhando
nas revistas Green Lantern e Flash e, além de Moore, colaboraria
ainda com Frank Miller na série Martha Washingtort e com Mark Millar em Kingsman, para além de
escrever argumentos para Mike Mignola, Steve Rude (Batman e Super-Homem: Os
Melhores do Mundo,já editado pelo Público e Levoir) e Adam e Andy Kubert, entre
outros.
Pegando
num grupo original de super-heróis inspirados em personagens da editora
Charlton, cujos direitos a DC tinha adquirido, Moore constrói uma obra complexa
que, além de fazer a autópsia do universo de super-heróis, explora de uma forma
nunca antes vista as extraordinárias potencialidades narrativas da linguagem da
BD.
Como o próprio refere: "É muito fácil deduzir as nossas intenções quando nos sentámos para produzir o primeiro número de Watchmen: queríamos fazer uma banda desenhada de super-heróis nova e inusitada, que nos desse a oportunidade de experimentar algumas ideias narrativas novas pelo caminho. Mas acabámos por obter algo stubstancialmente maior do que isso.
Nalgum
ponto ao longo desse caminho, entre o material com o qual estávamos a trabalhar
e as novas técnicas narrativas que estávamos a experimentar, começou a
acontecer uma coisa que não tinhamos antecipado.
Quanto
mais olhávamos para a história, mais profundidade ela mostrava ter. Quanto
maior a nossa compreensão dos detalhes subliminares que serviam de pano de
fundo que estávamos a usar, mais esses detalhes se tomavam parte integrante da
linha da história, agindo como uma
espécie
de mera continuidade que acabou por igualar-se ao guião em termos de importância
para a obra acabada."
Tentar
dar continuidade a uma obra com esta complexidade e importância é algo a que
poucos se atreveriam, mas Geoff Johns, um dos principais arquitectos do actual
Universo DC, cujo trabalho os leitores portugueses têm podido apreciar nas
colecções que o Público dedicou à editora do Batman e Super-Homem, saiu-se com
distinção de tão espinhosa missão, muito bem secundado pelo belíssimo traço de
Gary Frank.
Pegando
em muitos dos elementos narrativos de Watchmen, desde a grelha de nove quadrados
por página, a narração em voz off e os dossiers no final do capítulo, Johns
cria uma história excitante e original, que homenageia a obra de Moore e
Gibbons e a história da DC, sem se sentir aprisionada por elas.
SABIA QUE?
Todas as
pranchas originais de Watchmen foram vendidas ainda antes de serem
publicadas. O desenhador Dave Gibbons tinha, à época, um acordo com uma
livraria especializada inglesa que lhe deu um adiantamento pelas pranchas
originais em troca de ficar com todas as páginas dos doze números para venda à medida
que o desenhador as fosse desenhando. Um acordo que, face à popularidade que a
série acabou por adquirir, se revelou muito mais vantajoso para o comprador do
que para o autor.
Entre o
inúmero merchandising a que Watchmen deu origem, está uma
torradeira que faz torradas com as manchas de Rorschach. Esse processo passa
por uma placa de metal com as manchas de Rorschach recortadas colocada entre a
resistência e o espaço onde entram as fatias de pão de modo a que o calor passe
pelos espaços recortados, deixando a marca nas torradas.
A
primeira presença dos personagens de Watchmen no Universo DC não
aconteceu apenas com o especial de DC Rebirth, incluído nesta colecção.
Muito antes, em 1988, Rorschach faz uma participação especial no n° 17 da
revista Question, numa história intitulada A Dream of Rorschach em
que o herói adormece a ler o Watchmen num avião e sonha com o Rorschach.
Uma
homenagem, feita com o conhecimento e aprovação de Moore e Gibbons, que têm
direito a um agradecimento especial na ficha técnica e que tem uma dimensão
simbólica pois Alan Moore inspirou-se precisamente no Questão para criar
Rorschach.
Os
àutores tinham um acordo com a DC que lhes permitia recuperar para si todos os
direitos de Watchmen um ano depois de a série estar esgotada. Algo que a
DC contornou facilmente, reimprimindo Watchmen de ca da vez que estava
perto de esgotar, mantendo-a sempre disponível no mercado. Essa impossibilidade
de conseguir os direitos da série que tinha criado, foi um dos motivos que levou
Alan Moore a cortar relações com a DC e a exigir que o seu nome não aparecesse
nas adaptações cinematográficas das obras que escreveu para a editora
americana.
Alan
Moore tevé um a participação especial na série de animação The Simpsons. No
sétimo episódio da temporada 19, Husbands and Knives, Moore, que dá voz
à sua própria personagem, participa numa sessão de autógrafos em Coolsville,
a nova livraria de BD de Springfield juntamente com Art Spiegelman e Daniel
Clowes, em que Millhouse lhe pede para autografar um livro dos Watchmen
Babies chamado V for Vacation, numa paródia aos dois mais populares
títulos que Moore fez para a DC, Watchmen e V de Vingança.
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