ZÉ DAS PAPAS (31-32)
Gazeta das Caldas, 18 de Abril, 2014
ADOÇAR A BOCA
Doces são as cavacas e as mais famosas, as das Caldas da Rainha. Em plena época pascal começo pelos primos: os Cavacórios de S. Lázaro, arautos da chegada deste período na região de Vila Real. Os cavacórios passaram, muitas vezes a encerrar uma refeição especial. Os cavacórios servem de copo para "vinho fino" ou Vinho do Porto, para os brindes. Apontam-se várias origens para as cavacas, doces secos em forma de concha, de diferentes tamanhos sendo sempre os cavacórios de uma dimensão maior, mas todos da mesma família.
O S. Lázaro, dos Cavacórios, é celebrado no Domingo anterior ao de Ramos e representa uma parábola da Bíblia, simbolizando o S. Lázaro como protector dos pobres, e a figura que representa o bem em contraponto à ostentação dos ricos.
Não há documentação sobre esta tradição para além de um estudo publicado por Juvenal Cardápio, citado por Virgílio Gomes, muito mais autor do que eu desta crónica...
São tradições que nos vêem por via oral, sucessivamente alterada. Exemplificam a doçaria popular, outrora confeccionada em conventos, mas que não viram a luz em ambiente conventual. A sua forma côncava parece sugerir uma mão estendida à caridade, como fez S. Lázaro, o da parábola.
É uma especialidade doceira, com muitas variantes no país, que deve acompanhar com Vinho do Porto, vinho fino, ou simplesmente um café.
Doçaria popular, regional, está associada às grandes festas e romarias, muitas de origem religiosa. O maior número das diferentes cavacas provem das Beiras.
A composição das massas e a sua cozedura distinguem-nas umas das outras: em Viseu temos as de Romaria. Também na Beira Alta temos as da Zona do Alto. E há as da Guarda e as de Envendos, como as do Juncal do Campo, Castelo Branco.
Voltemos às das Caldas da Rainha. A massa é simples. Batem-se os ovos com farinha à qual se junta manteiga derretida, que faz a diferença em relação às outras massas. A massa vai cozer no forno em forminhas semelhantes às das dos queques. Para a cobertura usa-se açúcar em ponto de estrada, que se bate fora do lume, até obter uma massa opaca e na qual se mergulham as cavacas, que depois irão secar.
Nos Açores, confeccionam cavacas na Ilha de Santa Maria, com uma forma de preparação bem diferente das anteriores. Põe-se o azeite ao lume até ferver, e depois junta-se a farinha batendo bem até obter uma massa uniforme e então juntam-se ovos um a um. Por fim junta-se um poco de água. Deita-se a massa em formas de queques previamente untadas com manteiga e polvilhadas com farinha. Enquanto cozem no forno prepara-se açúcar em ponto de bola que se bate para ficar opaco. Cobrem-se as cavacas com este açúcar e deixa-se secar.
Mas há mais cavacas em Portugal: em Sabrosa, Aveiro, Sernancelhe, Coimbra, Santa Clara em Amarante, e há as de Resende que, de cavacas, só têm o nome - é doce delicado, tipo pão de ló.
João Reboredo
Cavacas de Resende
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Gazeta das Caldas, 2 de Maio, 2014
COINCIDÊNCIAS
(O BIFE À MARRARE)
Como declaração de interesses começo por declarar que as minhas escrevidelas gazeteiras são exercício egoísta para a minha cabeça, com vista a tentar sistematizar conhecimentos e afastar o alemão, dito Alzheimer.
Visto isto, ataque-se o bife. O dito Marrare seria, para alguns, galego de refinado bom gosto que abriu em Lisboa vários estabelecimentos com o seu nome. Para outros, categoria em que me incluo, era napolitano e veio para Portugal servir o Marquês de Abrantes, como copeiro. A "má língua"refere que, por o dito nobre ter deixado de lhe pagar, veio abrir os tais restaurantes. A biografia "oficial", tal como a conheço é a seguinte:
"Marrare - nome do café localizado na Rua Garrett, ao Chiado, que deu brado na Lisboa da Regeneração; em verdade, nome de vários cafés fundados pelo napolitano António Marrare - empresário do Teatro S. Carlos entre 1825 e 1828 - e de que os mais célebres foram o "Marrare de S. Carlos" (1801-1844), na esquina da Rua Anchieta com a Rua Capelo, o "Marrare do Cais de Sodré" (1809-1827) na Travessa dos Remolares, o "Marrare da Rua do Bandeira", o Marrare das Sete Portas 1804-?) na esquina da Rua de Sta. Justa com a Rua dos Sapateiros - que se celebrizou por ter sido aí que se apresentou ao público o famoso bife à Marrare - e, o primeiramente citado e o mais famoso, "Marrare do polimento" (1819 - 1866), assim conhecido em virtude de ser forrado de madeira polida e que, após a morte do proprietário fechou as suas portas. O prestígio do Marrare era imenso como, aliás, Júlio César Machado documenta ao localizar no café o primeiro capítulo de "A Vida em Lisboa - Romance-contemporâneo ia. ed, 1857".
O topo do Chiado na época do Romantismo, no tempo de Garrett e do Marrare do Polimento. Chamava-se ainda Rua das Portas de Santa Catarina. Reparem na estátua do chafariz. O mesmo Neptuno que, depois de passar pela Praça do Chile, está agora no Largo de D. Estefânia.
Mandava a mesma derreter duas colheres de sopa de manteiga numa frigideira de ferro, e colocar o bife a alourar dos dois lados, operação que deverá ser bastante rápida para que os sucos da carne não saiam. A seguir temperar com sal grosso e pimenta moída. Escorrer a gordura em que o bife fritou, conservando o bife na frigideira e juntar a restante manteiga. Reduzir o lume e adicionar as natas até engrossar o molho, agitando sempre a frigideira. Servir acompanhado com batatas fritas aos palitos.
O local de nascimento deste bife, um café, foi o "responsável" pelo nome de outro semelhante, cuja designação se deve ao local onde era tradicionalmente servido - o chamado bife à café.
No Bife à Café, o molho é feito, não com natas mas com leite, e leva um pouco de mostarda e limão.
Também sobre as semelhanças há divergências...
João Reboredo
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