sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

CHARLIE, UM JORNAL CONTRA TODOS HÁ 45 ANOS – ASSASSINOS ABATIDOS HOJE!!!

CHARLIE, UM JORNAL 
CONTRA TODOS HÁ 45 ANOS

Nascido em 1970, o Charlie Hebdo responde a ameaças com renovadas provocações. Depois do atentado de 2011 que destruiu a redacção, a primeira página decretava que "o amor é mais forte do que o ódio"

Público, 8 Jan 2015
Alexandre Martins

Em Setembro de 2012, no auge das violentas manifestações no Médio Oriente e Norte de África contra o filme anti-islão A Inocência dos Muçulmanos, o jornal satírico Charlie Hebdo lança uma acha para a fogueira: na primeira página, um rabino empurra um mullah em cadeira de rodas, numa alusão a Amigos Improváveis, sucesso de bilheteira em França sobre a amizade entre um aristocrata tetraplégico e um jovem senegalês de um bairro problemático.


Sob o título Amigos Improváveis 2, essa caricatura do Charlie Hebdo era também um desafio à eterna ques­tão sobre os limites do humor, na forma de um balão com o aviso "Não se deve brincar com isto!". Neste caso, não se devia brincar com as multidões que nessa altura cerca­vam embaixadas no Iémen, Sudão, Egipto, Paquistão ou Líbia, mas tam­bém em França, em protestos que fizeram mais de 50 mortos, entre eles o embaixador norte-americano Christopher Stevens, num ataque ao consulado dos EUA em Bengasi.

Mas "não brincar com isto" era a única coisa que não valia a pena pedir aos caricaturistas e redactores do Charlie Hebdo. Todos eles sabiam o que estava em jogo. Muitos, como o director Stéphane Charbonnier (Charb), Bernard Velhac (Tignous) ou os mais velhos Jean Cabut (Cabu) e Georges Wolinski, pagaram com a vida o preço de se manterem fi­éis à ideia sintetizada um dia pelo humorista norte-americano George Carlin: "O dever de um humorista é descobrir onde se traça a linha, e ultrapassá-la deliberadamente."

Dias antes da edição que pôs na capa um rabino e um mullah, o Go­verno francês apelou à direcção do Charlie Hebdo que pensasse me­lhor sobre o assunto, com receio de que a violência das manifestações no Médio Oriente e Norte de África se alastrasse ao coração da Europa.

"No contexto actual", disse o mi­nistro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, "e perante a trans­missão deste vídeo absurdo [A Ino­cência dos Muçulmanos], há emoções fortes em muitos países muçulma­nos. É mesmo sensato ou inteligente deitar gasolina na fogueira?"

A resposta do chefe de redacção, Gerard Biard, resumiu anos de con­frontação com o poder político, de batalhas judiciais com celebridades, de lutas pelo que ele e os seus co­legas no Charlie Hebdo entendiam ser a liberdade de expressão num Estado laico: "Somos um jornal que respeita a lei francesa. Se houver uma lei diferente em Cabul ou em Riad, não vamos sequer dar-nos ao trabalho de a respeitar."

O assunto foi tão sensível que o Governo francês proibiu um pro­testo marcado para 22 de Setembro desse ano, três dias depois de a revista ter saído para as bancas. Mais uma vez, a resposta do Charlie Hebdo mostrou que o negócio do jor­nal não era apenas a confrontação: "Porque é que proíbem essas pesso­as de se expressarem?", perguntou o director. "Nós temos o direito de nos expressarmos e eles também têm o direito de se expressarem."

A gravidade do ataque de ontem uniu vozes de líderes políticos a mi­lhões de tweets e posts nas redes so­ciais, sob o lema "Eu Sou Charlie", a frase que ocupa a quase totalidade do site do semanário (para além dis­so, só um link para uma página com a mesma frase escrita em sete lín­guas, a primeira das quais árabe). O Charlie Hebdo nunca teve uma re­lação fácil dentro de portas, numa França dividida entre a tradição da sátira e a reserva da vida privada.

O próprio nascimento do semaná­rio, em 1970, das cinzas de outra dor de cabeça chamada Hara-Kiri, é um testemunho dessa fricção.


O sucesso do Hara-Kiri, uma pu­blicação mensal fundada em 1960, deu origem a uma versão semanal em 1969, o Hara-Kiri Hebdo, que não chegou a viver dois anos. A culpa foi da edição que assinalou a morte do então Presidente, Charles de Gaulle, em Novembro de 1970, em Colombey-les-Deux-Églises, uma semana depois da morte de 146 pessoas num incêndio numa discoteca.

Os cartoonistas do Hara-Kiri jun­taram as duas coisas e o que saiu foi um título que levou o Governo fran­cês a interditar o semanário: "Bal tragique à Colombey: 1 mort" (Baile trágico em Colombey: 1 morto).


Para contornar a proibição, a equipa do Hara-Kiri juntou-se à vol­ta de um novo projecto semanal, a que chamou Charlie Hebdo - um nome inspirado num outro jornal da época, o Charlie Mensuel, e uma piada pouco discreta com o nome do antigo Presidente francês (Charles - Charlie de Gaulle). Ainda em Novembro de 1970, dias depois de o antecessor Hara-Kiri ter sido banido, o Charlie Hebdo saía para as bancas com a manchete "Não há censura em França".

Caricaturas de Maomé

Depois de um interregno entre 1981 e 1992, por dificuldades financeiras, o Charlie Hebdo alcançou fama mun­dial ao republicar as caricaturas de Maomé feitas pelo jornal dinamar­quês Jyllands-Posten, em 2006.

Cinco anos mais tarde, em 2011, a redacção da revista é destruída com uma bomba incendiária, depois de ter lançado uma edição com o no­me Charla Hebdo (um trocadilho com a palavra "sharia", a lei islâ­mica), e apresentada como obra do próprio profeta Maomé.

Apesar de os momentos mais con­troversos - e trágicos - terem sido provocados por sátiras ao extremis­mo islâmico, o Charlie Hebdo nunca poupou nada nem ninguém. Uma semana depois de ter sido alvo de um atentado, em finais de 2011, a equipa do semanário respondeu com uma capa em que se vê um cartoonista a beijar um muçulmano na boca, debaixo do título "O amor é mais forte do que o ódio".

Charb, o director sem medo, disse então ao jornal Le Monde que não iria suavizar nem o seu discurso nem os seus desenhos: "É preciso continuar até que o islão seja tão ba­nal como o catolicismo." Na mesma altura, Gerard Biard, chefe de redac­ção, explicou o que está nos genes do Charlie: "Somos contra as religi­ões quando entram nos domínios público e político. Não é suposto que uma pessoa se identifique através de uma religião, pelo menos num Estado laico."
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Nota: temos vindo a acompanhar a France24 e, ao que parece os assassinos foram já mortos pela polícia!!!

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