domingo, 18 de janeiro de 2015

GAZETA DA BD #37 (NA GAZETA DAS CALDAS) – AFINAL O QUE É O “CHARLIE HEBDO”?

Nota: a Gazeta das Caldas nesta sua edição de 16 de Janeiro levou à página primeira matéria sobre o atentado ao Charlie Hebdo e dedicou-lhe também as páginas centrais (além da nossa rubrica Gazeta da BD sobre o mesmo tema), onde se destacam os cartoons de Bruno Prates, cartoonista desta cidade e cujas páginas reproduzimos abaixo:



GAZETA DA BD #37 
(NA GAZETA DAS CALDAS) 

AFINAL O QUE É O “CHARLIE HEBDO”? 

Gazeta das Caldas, 16 de Janeiro de 2015

Jorge Machado-Dias

O ataque levado a cabo no passado dia 7, por jihadistas muçulmanos ao semanário satírico e humorístico “Charlie Hebdo” em Paris, causando 12 mortos, deixou o mundo consternado e revoltado, apesar da esmagadora maioria das pessoas não saber muito bem o que o “Charlie Hebdo”. Dois homens envergando vestes de combate negras e armados de Kalashnikov, aos gritos de Allahu Akbar (Deus é grande) entraram na sede da publicação durante a reunião semanal da redacção e começaram a disparar. À saída ainda gritaram “Vingámos o Profeta Maomé! Matámos o Charlie Hebdo!!!” Penso que muita gente perguntará: mas afinal o que é o “Charlie Hebdo”?

Vejamos: para o mundo da banda desenhada e do cartoon (mas também para milhões de cidadãos pelo mundo fora), este ataque foi um choque tremendo. Em causa está a total liberdade de expressão – neste caso expressa através do cartoon, da caricatura, da ilustração.

Digamos que tudo isto (a vingança muçulmana) já remonta a 2006, quando o “Charlie Hebdo” republicou as caricaturas de Maomé, publicadas inicalmente no jornal dinamarquês “Jyllands-Posten”, em Setembro de 2005. Em Novembro de 2011, a redacção da revista é destruída com uma bomba incendiária, depois de ter lançado uma edição com o no­me Charla Hebdo (um trocadilho com a palavra "sharia", a lei islâ­mica), e apresentada como obra do próprio profeta Maomé.

Agora partiram para o assassinato! Alguns dos autores mortos: Stéphane Charbonnier, conhecido como Charb, era o diretor do “Charlie Hebdo”, tinha 43 anos e dizia: “prefiro morrer de pé do que viver de joelhos”. Jean Cabut, ou Cabu, 76 anos. Georges Wolinski, 80 anos. Bernard Verlhac, conhecido como Tignous, 57 anos. Bernard Maris, que escrevia sob o pseudónimo Oncle Bernard. Phillipe Honoré, 73 anos. Eram gente que estava nesta “cruzada” desde 1960!

Insteressa-nos, nesta altura, depois deste bárbaro ataque ter sido amplamente acompanhado nos canais informativos da televisão e por todos os jornais, contar como tudo isto – o “Charlie Hebdo” – começou. Em Setembro de 1960, foi criado o magazine mensal satírico “Hara Kiri”, onde colaborariam François Cavanna, Roland Topor, Moebius, Wolinski, Gébé, Cabu, entre outros nomes do cartoon, ilustração e BD europeias. Em 1969 o “Hara Kiri” passa a hebdomadário (semanário portanto) com o nome “L’Hebdo Hara Kiri”. Contudo o seu número 94, de 16 de Novembro de 1970 ditará o seu fim, por ter publicado uma capa com o título “Bal tragique à Colombey: 1 mort” (Baile trágico em Colombey: 1 Morto) em referência à morte do general Charles de Gaulle, que falecera na sua residência de Colombey-les-Deux-Églises, parafraseando a notícia de dias antes, de um incêndio num “dancing”: “Baile Trágico em Saint-Laurent-du-Pont: 146 mortos!” O então presidente Georges Pompidou proibiu a revista!

Uma semana depois é criado um novo hebdomadário: “Charlie Hebdo”, cujo nome Charlie é uma referência mordaz ao primeiro nome do falecido ex-Presidente Charles de Gaulle. A provocação não pára! O primeiro director do jornal foi Georges Wolinski – agora um dos assassinados. Depois, durante 10 anos “Charlie Hebdo” deixa de se publicar (entre 1982 e 1992) devido à escassez de vendas. Reaparecerá em 1992 sob a direcção de Phillippe Val. Em Março de 2006, o Ministério da Cultura de França realiza uma sessão de homenagem ao desenho de imprensa, para saudar os desenhadores e caricaturistas que trabalhavam em França.

Em 2005 no Festival Internacional de BD de Angoulême, Georges Wolinski recebe o Grande Prémio da Cidade de Angoulême, realizando no ano seguinte o cartaz do Festival.

Mas deve dizer-se que apesar de os momentos mais con­troversos – e trágicos – terem sido provocados por sátiras ao extremis­mo islâmico, o “Charlie Hebdo” nunca poupou nada nem ninguém. Uma semana depois de ter sido alvo do atentado de 2011, a equipa do semanário respondeu com uma capa em que se vê um cartoonista a beijar um muçulmano na boca, debaixo do título "O amor é mais forte do que o ódio". Charb, o director sem medo (agora também assassinado), disse então ao jornal “Le Monde” que não iriam suavizar nem o seu discurso nem os seus desenhos: "É preciso continuar até que o islão seja tão ba­nal como o catolicismo." Na mesma altura, Gerard Biard, chefe de redac­ção, explicou o que está nos genes do “Charlie”: "Somos contra as religi­ões quando entram nos domínios público e político. Não é suposto que uma pessoa se identifique através de uma religião, pelo menos num Estado laico." Mas não são só as religiões os motivos (no seu sentido mais lato e mesmo laico) do “Charlie”, são também os políticos, como já percebemos acima no caso de De Gaulle, ou em outras situações como as caricaturas e cartoons sobre os Le Pen (pai e filha), ou do ex-Presidente Sarkozy e até do actual François Hollande.

Sobretudo, a filosofia do “Charlie Hebdo” guia-se pelo que os seus jornalistas, caricaturistas, cartoonistas... entendem ser a liberdade de expressão num Estado laico: "Somos um jornal que respeita a lei francesa. Se houver uma lei diferente em Cabul ou em Riad, não vamos sequer dar-nos ao trabalho de a respeitar."

 

A afirmação "Eu sou Charlie" ("Je suis Charlie") tornou-se, depois de 7 de Janeiro, o símbolo da defesa da liberdade de expressão e de imprensa em todo o mundo.

Stéphane Charbonnier “Charb” (assassinado em 7 de Janeiro de 2015) em frente da redacção destruída do “Charlie Hebdo” depois do ataque com bombas incendiárias, em Novembro de 2011

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