MUSEU NACIONAL DA IMPRENSA (PORTO)
VIAGEM PELO CHARLIE HEBDO
E HOMENAGEM A WOLINSKI
Diário de Notícias, 17 de janeiro de 2015
O Museu Nacional da Imprensa organizou em tempo recorde a exposição Wolinski-Hebdo, que abriu hoje portas, para honrar o nome do desenhador francês que durante a última década ajudou a transformar o Porto em capital internacional do cartoon e que sonhou acabar os seus dias neste "pais despretensioso". O diretor espera trazer mais público ao museu
Por Sérgio Pires
O Presidente da República, Cavaco Silva, aperta a mão a Georges Wolinski, que recebe uma martelada na cabeça em noite de São João... Na página 10 da edição de 4 de julho de 2012 do Charlie Hebdo não há caricaturas passíveis de provocarem a ira, apenas a homenagem bem-humorada no traço e nas palavras de um dos mais conceituados cartoonistas franceses ao Porto e ao festival de cartoon da cidade.
Desde que em 2004 foi convidado para ser presidente do júri do Porto Cartoon que o desenhador francês (nascido na Tunísia) cultivou o seu enamoramento pela Invicta. Durante a última década, presidiu ao júri do festival, contribuiu para a proclamação do Porto como capital internacional do cartoon e, recentemente, confessou a vontade de vir viver para Portugal: "Um dia, comprarei uma ruína e acabarei os meus dias neste país despretensioso..."
A cidade retribuiu o afeto e a autarquia, que esta semana fez um voto de pesar pelo desaparecimento de Wolinski, tem desfraldada no seu edifício uma tarja negra gigante com o nome do jornal satírico e o rosto do autor.
Tal como Charb, Tignous, Cabu e Honoré, Wolinski está no rol dos ilustres artistas que perderam a vida naquela manhã de quarta-feira no massacre na redação do Charlie Hebdo. Quando soube da notícia do atentado de há semana e meia, Luís Humberto Marcos, diretor do Museu Nacional da Imprensa e do Porto Cartoon, não perdeu tempo a tentar contactar o amigo Wolinski. ''Estás bem? Diz-me o que está a acontecer." Deixei-lhe essa mensagem. Infelizmente, já não tive resposta. Em março de 2012, meses depois de a redação ter sido incendiada, ele falou sobre a ameaça ao jornal sem preocupação ou medo. Estava seguro da legitimidade do seu trabalho e acreditava muito no sistema securitário de França. Disse que nunca conseguiriam calar o Charlie Hebbdo, recorda ao DN, explicando que o luto e o choque brutal com os factos se transformaram rapidamente em vontade de erguer em tempo recorde a exposição Charlie-Wolinski, que hoje abre no Museu Nacional da Imprensa.
"Concluímos que havia material suficiente para se fazer uma boa exposição (mais de duzentas obras), que vai assentar na história do Charlie Hebdo, desde os primeiros números, com imensas capas feitas pelo Wolinski e também pelo Cabu, sobretudo das décadas de 1970 e 1980.Vamos expor também livros do Wolinski, que é o cartoonista com mais obras mais editadas em França, alguns originais e também trabalhos que ele fez para a Paris Match ou o Le Journal du Dimanche", conta ao DN Luís Humberto Marcos, reconhecendo que a extraordinária mediatização do caso poderá trazer muito público ao museu. "Há duas semanas, talvez só uma em cada cem pessoas por cá soubesse o que é afinal este jornal... Admito que agora haja muita gente que queira vir à exposição para conhecer um pouco da história, mas o objetivo primeiro é honrar o nome de um cartoonista genial e divertido e através dele homenagear a liberdade de imprensa e o humor como elementos essenciais da vida."
Uma liberdade difundida através dos desenhos e dos pensamentos do autor que durante a mais de meio século de carreira feitos de traços que expressavam sarcasmo, lascívia ou a bonomia que o caracterizavam, embora Wolinski preferisse definir-se de uma forma despretensiosa e cheia de humor: "Sou um idiota, mas quando vejo o que pessoas inteligentes fizeram ao mundo..."
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