quarta-feira, 2 de outubro de 2019

A EDITORA PORTUGUESA POLVO E A BANDA DESENHADA BRASILEIRA

A EDITORA PORTUGUESA POLVO 
E A BANDA DESENHADA BRASILEIRA 
ou QUADRINHOS, como eles dizem no Brasil
ou, já agora QUADRADINHOS, como diziamos nós por cá 
até mais ou menos aos anos 1970

A DEBANDADA DA BANDA


BDpress #517 – Artigo de Érico Assis, publicado na “Folha de S. Paulo” em 21 de Setembro de 2019.

Com a crise do mercado editorial e a perda do incentivo público, quadrinistas brasileiros buscam alternativas de financiamento e encontram nichos de publicação em Portugal.

Por Érico Assis

LISBOA. A publicação de “Luzes de Niterói”, último trabalho do quadrinista Marcello Quintanllha, passou por alguns percalços. Pronta no ápice da crise das livrarias Saraiva e Cultura, no segundo semestre de 2008, a obra exigiu jogo de cintura da editora Veneta, que lançou outras quatro HQs de Quintanilha.

A opção foi o financiamento coletivo – uma arrecadação virtual prévia para pagar os custos do livro. A meta era angariar R$ 70 mil para uma produção luxuosa, com 240 páginas coloridas e capa dura. Tendo atingido menos de 40% da meta – dentro do esperado, segundo a Veneta –, o livro foi produzido e começou a circular entre os apoiadores da campanha em janeiro deste ano, chegando no mês seguinte às livrarias.

Quando saiu aqui, porém, “Luzes de Niterói” já era lido na Europa. Em Portugal, a HQ – ou BD, de banda desenhada, como lhe chamam por lá –, inspirada em memórias do pai de Quintanilha, foi lançada em novembro de 2018, dois meses antes, sem campanha de financiamento nem nada do tipo.



A responsável pela publicação portuguesa foi a editora Polvo, de Lisboa, que tem o quadrinho brasileiro contemporâneo como uma de suas principais frentes. A publicação em Portugal começa a virar a primeira opção – ou às vezes única – para artistas [autores] vindos do Brasil.

Do catálogo atual de 170 títulos da Polvo, 28 são da coleção Romance Gráfico Brasileiro. Quase todos os álbuns de Quintanilha estão lá, incluindo a sua adaptação de “O Ateneu”, de Raul Pompeia, “Cumbe” e “Angola Janga”, os tomos sobre o “Quilombo dos Palmares” por Marcelo D'Salete, premiados respectivamente no Eisner Awards e no Jabuti, também. Odyr Bernardi, Rafael Coutinho, Felipe Nunes, Rodrigo Rosa, os irmãos Magno e Marcelo Costa, José Aguiar, Aleimar Frazão e outros também têm títulos por esta editora portuguesa. Não há editora brasileira que concentre o mesmo quilate de autores brasileiros.

A Polvo tem só dois tentáculos: os braços de Rui Brito, lisboeta de 49 anos que se divide entre ela e seu emprego de horário comercial como bibliotecário e editor – “numa área completamente diferente dos quadrinhos”, ele explica. Brito conheceu a produção brasileira do género nos anos 1970, quando HQs eram importadas para lá de forma intermitente.

Acompanhou a “Chiclete com Banana” de Angeli, “Piratas do Tietê”, de Laerte, e “Níquel Náusea”, de Fernando Gonsales, nos anos 1980, e disse que viu a revista “Animal” – com quadrinho autoral brasileiro e estrangeiro – como “a chegada de um óvni”. Publicou o brasileiro Arthur Garcia no seu fanzine Banda, bastante premiado no além-mar. Fundou a Polvo com dois sócios em 1997, mas toca o barco sozinho desde 2006.

Além de garantir apuro gráfico equivalente ou superior às edições nacionais, a Polvo tem um apoio importante do governo de Portugal. O Plano Nacional de Leitura já selecionou 12 quadrinhos brasileiros como sugestões para crianças e adultos.

Na prática, é um “selo de qualidade” – literalmente colado na capa dos álbuns – que cada obra recebe. Diferentemente dos planos de incentivo do governo brasileiro, porém, o governo português só recomenda e não faz aquisição para escolas ou bibliotecas.

Mesmo sem ter apoio financeiro, Brito diz que suas tiragens são de respeito: “Posso dizer que, comparativamente à dimensão populacional brasileira e o respectivo mercado de quadrinhos, a Polvo efetua tiragens semelhantes [às brasileiras] e, em casos pontuais, até superiores”, explica.

No Brasil, falta casa para a produção nacional. Segundo levantamento do Guia dos Quadrinhos, que regista dados desse mercado no país, o número de HQs publicadas pelas dez maiores editoras brasileiras vem caindo. Em 2016, foram lançados 81 titulos. Em 2017, foram 43. Neste ano, até julho, foram só 19. Os dados só contabilizam obras adultas e excluem, por exemplo, material da Turma da Mônica.

A crise das grandes livrarias é um dos motivos. Custos gráficos também aumentaram. As compras do governo federal para o Programa Nacional Bibtioteca da Escola, que alimentaram o setor até inicio desta década, minguaram. Ainda há, porém, algumas iniciativas de fomento como a do Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura de São Paulo, que financia dez projetos de quadrinhos paulistas por ano. E há a produção independente, responsável pelo maior número de HQs brasileiras – o Guia dos Quadrinhos registra 158 publicações em 2018. Há também semi-independentes, como o caso do autor Wagner Willian, cuja editora, a Texugo. por enquanto só publica seus próprios trabalhos.

“As feiras e as plataformas de financiamento coletivo ou de vendas online têm se mostrado uma saída melhor em termos de grana”, afirma Willian. “Por outro lado, se perde a distribuição e a visibilidade do selo editorial.”

"O Maestro, o Cuco e a Lenda", que Willian publicou no Brasil, foi lançado em seguida pela editora Polvo em Portugal e pela editora Casterman na França. "E as ditoras estrangeiras, pasme, pagam adiantamento!", ele afirma.

O carioca André Diniz inaugurou a linha brasileira da Polvo com "Morro da Favela", em 2013. Desde então, lançou mais cinco obras pela editora portuguesa – quatro deles antes de saírem do Brasil.

Diniz inclusive se mudou em 2016 para Lisboa. "Os quadrinhos são a minha linguagem, e ser tão bem aceite e compreendido pelos leitores portugueses fez com que me sentisse à vontade aqui desde a primeira vez que vim", comenta.

Rui Brito, o editor; diz que Diniz já tem público fiel no pais europeu. Seus dois últimos trabalhos, Malditos Amigos” e "Entre Cegos e Invisíveis", ainda nem têm previsão de lançamento no Brasil, mas já saíram em Portugal.

A Polvo também traduz autores europeus e aposta em novos nomes portugueses, como a premiada Joana Afonso ("Zahna' e "Deixa-me Entrar").

No momento, Brito está à procura de tentáculos brasileiros.

"Ficaria muito satisfeito se surgisse no Brasil alguma editora a fazer com os autores portugueses o que a Polvo tem feito com os brasileiros. O intercâmbio cultural não deveria ser de sentido único", diz.

ENTREVISTA COM MARCELO QUINTANILHA
VER AQUI: https://quintacapa.com.br/entrevista-marcello-quintanilha/

Marcello Quintanilha (Niterói,1971)

O seu primeiro trabalho em banda desenhada foi publicado em 1988. Ainda adolescente, desenhou histórias de artes marciais para a revista Mestre Kim, da Bloch Editores. Na altura, assinava como Marcello Gaú, por acreditar que as histórias em BD não poderiam servir como profissão.

Aos 18 anos, concluído o Segundo Grau do ensino (actual ensino médio), começou a trabalhar como animador para uma escola de inglês. Passou sete anos no emprego, usando o tempo livre para desenvolver os seus projetos pessoais. A convite de Rogério de Campos, director da editora Conrad, começou a colaborar com as revistas General e General Visão, nas quais publicou histórias como Granadilha e Dorso. No mesmo período, criou trabalhos também para as revistas Nervos de Aço, Metal Pesado, Zé Pereira e Heavy Metal.

A sua primeira graphic novel foi publicada em 1999: Fealdade de Fabiano Gorila, que era uma história baseada na vida do seu pai, que foi jogador de futebol do Canto do Rio na década de 1950.

Naquele ano, durante a primeira edição do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, conheceu o francês François Boucq, que se interessou pelo seu trabalho e convenceu-o a enviar os seus desenhos para editoras europeias. Em 2003, publicou La promesse (A promessa), primeiro volume da série Sept balles pour Oxford (Sete balas para Oxford), pela editora belga Le Lombard, com argumento do argentino Jorge Zentner e do espanhol Montecarlo.

O contrato com a editora belga levou Quintanilha a mudar-se para Barcelona, para ficar mais próximo dos argumentistas da série. Passou a publicar também ilustrações nos jornais espanhóis El País e Vanguardia.

Ao mesmo tempo, continuou a produzir álbuns para o público brasileiro. Em 2005, publicou Salvador, na colecção Cidades Ilustradas da editora Casa 21. Seguiram-se Sábado dos meus amores (2009, troféu HQ Mix de melhor desenhador de BD nacional) e Almas públicas (2011). Em 2016, recebeu o prémio Fauve Polar SCNF do Festival de Angoulême, principal prémio do principal Festival francês de Banda Desenhada, pela BD Tungstênio.

Em novembro de 2018, Quintanilha e a Editora Veneta lançam uma campanha de financiamento colectivo no Catarse da HQ para Luzes de Niterói.
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ALGUNS LIVROS BRASILEIROS EM PORTUGAL

Entre Cegos Invisíveis e Malditos Amigos
Duas últimas HQs de André Diniz, inéditas no Brasil

Luzes de Niterói
Marcello Quintanilha se inspirou em uma história de seu pai

Olimpo Tropical
André Diniz e Laudo Ferreira mostram um garoto que vigia o acesso a um morro

Seu Nome Próprio ... Maria! Seu Apelido, Lisboa
Versão portuguesa de HQ publicada no Brasil de forma independente por Henrique Magalhães

Fealdade de Fabiano Gorila
Fora de catálogo no Brasil, é a primeira HQ de Marcello Quintanilha

Matiné
Organizado pelos irmãos Marcelo Costa e Magno Costa

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