domingo, 17 de abril de 2011

INICIATIVA DA LIVRARIA INVICTA INDIE ARTS – COMEMORAÇÃO DOS 25 ANOS DO LANÇAMENTO DO FANZINE NEMO

Não é bem um BDpress, mas o Kuentro não podia deixar de se associar a esta iniciativa de Manuel Espírito Santo, proprietário da livraria Invicta Indie Arts, do Porto, de homenagem a Manuel Caldas, comemorando os 25 anos do lançamento do célebre fanzine Nemo.

Assim, aqui fica a entrevista que Manuel Espírito Santo realizou com Manuel Caldas, remetendo os leitores habituais do Kuentro para o blogue da Invicta Indie Arts, onde podem ser lidos os textos que Pedro Vieira  Moura, Domingos Isabelinho, João Lameiras, Geraldes Lino, João Ramalho Santos e Pedro Cleto escreveram para a dita comemoração.




Um Editor exemplar e único no mundo - Manuel Caldas da Libri Impressi

25 ANOS DO LANÇAMENTO DO FANZINE NEMO

No âmbito das comemorações do 25º Aniversário do lançamento do 1º número fanzine Nemo publicado em Março de 1986, decidi fazer esta entrevista e consequente homenagem ao editor Manuel Caldas através de palavras minhas e de pessoas que com ele foram colaborando ao longo dos anos bem conhecidas do panorama bedéfilo nacional.

(Sobre)vivências de um editor livreiro num quotidiano delirante e alucinante que conheci através dum artigo no JN aquando da publicação do seu livro “Surge Ferd’nand”.

Não consigo explicar o porquê de aquele artigo ter ficado na minha memória, pois nunca dei grande valor a artigos de opinião, mas notei que algo de diferente havia nele (nem sabia o nome do autor); seria algo que estava no meu subconsciente, alguma tira do Ferd’nand que vira quando era um miúdo de 5 ou 6 anos que vasculhava algumas BDs dos anos 70? Sinceramente não me lembro.

Deambulei pelas grandes e pequenas superfícies à procura desse livro sem o encontrar, até que, por via de outra pessoa, em 2009 contactei o Manuel Caldas para lhe propor um projecto (que ainda se encontra na gaveta) e a partir dai a minha admiração por esse editor foi em constante crescendo e muitas conversas se desenrolaram com ele acerca da sua obra e da sua capacidade de trazer para Portugal e para o mundo obras que engrandecem e muito o mercado da BD. Notei a luta interna e externa que o editor tinha para com a grande paixão que tem pelos autores e pelo tipo de livros de que gosta e comecei a admirar mais o editor e menos as obras em si, as quais edita quase como ramificações do seu próprio corpo e alma.

Passo de seguida a algumas perguntas a Manuel Caldas acerca da sua paixão pelos seus livros e a forma ordenada e meticulosa com que os edita e promove.

Manuel Espírito Santo

Manuel Caldas

ENTREVISTA COM O EDITOR MANUEL CALDAS DO SELO LIBRI IMPRESSI

Qual o motivo que te leva a fazeres livros com qualidade superior e reconhecida internacionalmente e a ligares a simples detalhes que te “roubam” demasiado tempo quando vivemos numa sociedade de consumo imediato e quando se nota no mercado que a grande maioria dos mesmos é descartável? Será a procura da excelência na concepção dum livro e o seu reconhecimento internacional ou simplesmente gostarias que o público tivesse a noção da excelência desta arte, por muitos esquecida, através da tua enorme paixão pelo livro impresso?

O que faço não tem uma intenção superior, não é levado a cabo para cumprir um qualquer dever. O que quero é fazer os livros de que gosto e partilhá-los com os outros. O que pode haver de mais agradável do que ter uma data de gente a admirar a mesma coisa que nós admiramos? A procura da excelência é natural: quando se faz aquilo de que mais se gosta, não há outra forma de fazê-lo que não seja da melhor maneira possível.

A primeira obra que te colocou nestas “andanças” foi o Príncipe Valente. De onde nasceu a paixão por ela e como é que ela te “tocou” de forma a largares o trabalho que tinhas antes para te dedicares à edição e restauro de outras bandas desenhadas?

A paixão pelo “Príncipe Valente” nasceu quando eu tinha onze anos e, atraído apenas pela banda desenhada de desenho humorístico, o meu pai me apontou a qualidade dos desenhos de Hal Foster. Foi instantânea a paixão. Depois foram anos e anos a tentar juntar toda a série, depois a procurar a melhor edição dela e, por fim, quando compreendi que não existia uma edição como Deus manda, a sonhar com fazê-la eu. Quando por fim tive a oportunidade de realizar o sonho, o êxito de vendas proporcionou-me o dinheiro que me fez avançar para outros projectos. Infelizmente, a edição do “Príncipe Valente” por mim restaurado foi interrompida ao sexto volume devido à traição e usurpação da pessoa que a mim se associara para a levarmos a cabo.

Uma coisa que noto quando converso contigo é que estás bem a par do mercado quer nacional e internacional, onde as tuas edições figurariam provavelmente num patamar superior. Achas que o mercado está demasiado flutuante e não há espaço para os livros impressos ou tens somente a noção de que o livro impresso deveria ser mais bem distribuído? É que noto que editoras como a Fantagraphics e a IDW, para citar somente estes exemplos, cada vez lançam mais séries clássicas dos jornais em edições luxuosas. Achas que isto é uma maior valência para estas editoras e que essas séries é que estão a dar ou é somente a nostalgia dos editores e até de novos criadores de BD que levam a que essas obras (algumas com mais de 100 anos, como os “Kin-Der Kids”) voltem á ribalta?

Infelizmente, parece-me que cada vez há menos gente interessada em livros de banda desenhada, pelo menos naqueles como os que eu publico, independentemente de a distribuição poder ser melhor. É verdade que as duas editoras citadas têm obtido grandes êxitos de venda com as suas edições de clássicos, mas o seu mercado é não só o dos enormes Estados Unidos mas também o mundo inteiro. Isso permite-lhes fazer edições relativamente baratas, e mais baratas ainda porque não têm despesas com traduções e legendagens. E o êxito tem a ver não só com a boa apresentação das edições (ainda que por dentro possa ser quase medíocre, como é o caso de “Terry and the Pirates”), mas também com a qualidade das obras em si. A nostalgia também ajuda, mas trata-se mesmo de obras notáveis.

O teu selo “Libri Impressi” surgiu da ideia de teres realmente os livros de que mais gostas feitos por ti e impressos ou será que estes mesmos livros poderiam ser lidos nas tablets como o IPAD e o Kindle? Já imaginaste que seria uma contradição “livros impressos” nestas tablets, mas ao mesmo tempo poderia dar-te uma visibilidade superior á que tens agora, numa altura em que tudo é comandado pela tecnologia? Dar-te-ias bem ao veres os teus livros nas tablets?

Ver os meus livros disponíveis apenas para o Ipad é uma ideia que não consigo aceitar. Inclusive, até começa a parecer-me que aos livros digitais não se deveria chamar livros. Mas se me vir obrigado a passar para as tablets (ou os tablets?), então o meus selo, se eu até lá não for à falência, tornar-se-á “Libri Digitali”, como não duvidamos que qualquer bom romano com alguns séculos de idade diria. Devo confessar, contudo, que tenho um amigo espanhol que está a preparar-se para adaptar a minha edição do “Lance” para Ipad.

O teu trabalho de restauro como é feito? O que te leva a “perderes” horas e dias inteiros a fio preso aos detalhes? Será que por vezes te imaginas na cabeça do criador da BD que editas e na concepção que ele teria da sua obra e tentas dar-lhe quase um “director’s cut”, com um cunho pessoal na visão que tens para o restauro, ou somente buscas a perfeição na edição e isso não te passa pela cabeça?

A minha concepção de restauro é muito simples: apresentar a obra com a nitidez de linhas e pureza de cores que ela teria se tivesse sido impressa com toda a perfeição. Compreender, através de uma página de jornal gasta pelo tempo e não muito bem impressa, quais eram os verdadeiros tons de azul ou de laranja de uma vinheta dos “Kin-Der Kids”, por exemplo, não é difícil; o que é preciso é ter a consciência de que devolvê-la à concepção original do artista exige muito tempo de trabalho. Muito tempo e o respeito absoluto pela obra do artista são coisas imprescindíveis.

Como te sentes quando notas o reconhecimento quer a nível nacional quer internacional? Sentes-te mais valorizado com isso ou preferes que a obra fale por si directamente aos leitores?

É bom ser elogiado, pois significa que nos compreendem e que atingimos o que pretendíamos. Mas quando vejo grandes elogios a edições que considero que não os merecem, pergunto-me sempre: não estarei a ser um pateta quando invisto tanto tempo num trabalho que só uma minoria aprecia e que seria igualmente apreciado por uma maioria se o descurasse e fosse antes para a praia?

Pensas muito, antes de conceberes um livro, no mercado que irá atingir? Se irá ser uma edição luxuosa ou não, e no menor preço possível para o consumidor fina, ou esperas que quem gosta do teu trabalho compre o livro não se importando muito com o preço ou com que a edição seja mais ou menos luxuosa?

Não acredito que a pessoa muito interessada num livro meu o compre seja por que preço for. Por isso, é importante que ele custe apenas o que tem de custar. Infelizmente, são demasiadas as pessoas que não compreendem que um livro tem de ser tanto mais caro quanto mais páginas tiver, quanto maior for o seu formato ou quantas mais páginas a cores tiver. E não falo já de quanto maior for o trabalho que estiver por trás da sua realização.

Não achas que, com uma crise tão acentuada a nível internacional, o marketing, a distribuição nacional e internacional, a concepção do livro, a globalização e a constante divulgação dos teus livros seja uma tarefa demasiado árdua para somente um homem? Por vezes não te sentes a pregar no deserto? Achas que a crise se reflecte em todos estes parâmetros? De onde vem essa tua força interior para continuar a lutar pelas melhores edições possíveis dos teus livros sabendo de antemão que é uma batalha gigantesca? Ao fim de tantos cabos de “tormentas” que passaste, continuas a achar que a paixão pelos livros se sobrepõe à razão de deixares de editar livros?

A força para continuar a publicar os livros que idealizo vem-me obviamente da paixão. E sem dúvida que esta já se sobrepôs à razão. Tendo em conta que o “Príncipe Valente” foi a minha única edição que se vendia bem (daí o roubo de que fui vítima) e que todas as outras se têm vendido mal (algumas delas muito, muito mal), já há bastante tempo que eu devia estar dedicado a outras coisas, para as quais tenho talento, que me proporcionariam mais dinheiro e me exigiriam menos trabalho. Mas, enfim, talvez seja este o ano em que receberei o abanão de que preciso para cair na realidade absoluta.

Achas que as vendas e tiragens dos teus livros poderiam ser bem maiores ou simplesmente o mercado estagnou e não surgem novos leitores para a BD impressa? Acreditas numa inversão a curto prazo e na tendência de o livro impresso voltar a ser procurado como era nos anos 60,70,80 e 90 ou não te preocupas muito com isso para já?

Preocupo-me e muito, e não creio que alguma vez venha a haver uma inversão. E o que faço eu para mudar as coisas? Nada, precisamente porque não podem ser mudadas. Continuarei enquanto puder.

A tua não aparição em grandes eventos ligados á banda desenhada em Portugal deve-se a quê? É que parece algo místico, e não tarda nada começas a ser conotado como o Alan Moore português.

Sofro de uma espécie de “fobia da viagem”. Sou muito caseiro e ao ficar longe da minha toca sou invadido por um enorme vazio interior. No entanto, quando as pessoas conversam comigo até constatam que sou um indivíduo bastante normal.

Será que podes falar-nos um pouco de futuras obras que tenhas na cabeça para restaurar e editar ou é um assunto que para já permanece no segredo dos deuses?

Podia dar-te muitos títulos de séries que gostaria de publicar antes de morrer, algumas nunca reeditadas de forma substancial (como “The Katzenjammer Kids” e “Skippy”) e outras de que eu seria capaz de fazer edições muito melhores do que as que actualmente estão a ser feitas ou que foram feitas há relativamente pouco tempo. Por exemplo: “Terry and the Pirates”, o “Príncipe Valente” a cores, “Gasoline Alley” e “Rip Kirby”. Na verdade, há um montão de séries que seria capaz de publicar melhor do que qualquer outro editor se tivesse tempo para tal e público para elas. Mas este mundo está a acabar.












As edições de Manuel Caldas (Libri Impressi) podem ser adquiridas em algumas livrarias - FNACs, por exemplo - ou pedidos ao editor AQUI
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Imagens do blogue da Invicta Indie Arts e do Kuentro
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Algumas outras matérias sobre Manuel Caldas que foram postadas no Kuentro, podem se vistas nos links:

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