terça-feira, 10 de junho de 2014

X FESTIVAL INTERNACIONAL DE BD DE BEJA 2014 (7) – AS EXPOSIÇÕES (6): MIGUEL MENDONÇA – TERMINAL TOWER

CASA DA CULTURA | MIGUEL MENDONÇA | Portugal


MIGUEL MENDONÇA 
ON THE BEATEN TRACK

Diogo Campos

Miguel Mendonça é mais um caso de sucesso de um português a trabalhar para o mercado norte-americano de banda desenhada. Como muitos da sua geração, teve contacto desde cedo com as 3 vertentes mundiais da banda desenhada. Através de influência do irmão mais velho conheceu os clássicos franco-belga e, já em adolescente, o contacto com a BD deve-se à mangá e aos comics norte-americanos através do Dragon Ball e Morte do Super-Homem respectivamente. Tentando imitar os desenhos animados que via na televisão, prometeu a si mesmo em 3 anos (tinha então 10 anos) desenhar melhor do que um amigo dele de 13 anos. A dedicação da juventude não esmoreceu e mais tarde entra no Núcleo de BD de Olhão, de onde é natural, onde teve mentoria do autor Carlos Rocha. A partir deste núcleo participou num pequeno curso de BD que gerou uma exposição e participações em diversos concursos.

Sempre influenciado pelas 3 grandes escolas mundiais de BD, o seu estilo de desenho foi evoluindo rapidamente para uma amálgama de estilos. Na narração e storytelling, Miguel encontra-se algures entre o dinamismo dos comics norte-americanos e da BD europeia. Vinhetas espaçosas e com um storytelling simples adicionando dentro de cada vinheta uma energia e dinamismo própria dos comics. O estilo de desenho das personagens com poses dinâmicas, figuras esbeltas e traço simples é também em si uma mistura de influências orientais e americanas.

Ao procurar a BD no ensino superior, depara-se com uma falta de oferta nesta área acabando por se matricular em design. Devido a esta formação, interessou-se por outras áreas como design gráfico, web design, ilustração o que o fez afastar-se da nona arte. Após a formação e alguns anos dedicados em exclusivo à área do design, a verdade é que a nona arte nunca esteve longe pois dedicava-se a fazer esquiços durante os tempos mortos de expediente. Tendo-se desinteressado um pouco pelo design, voltou novamente aos desenhos e em 2012 deslocou-se ao Festival Internacional de BD de Beja munido de portfolio e em busca de críticas e oportunidades. Neste ano deu-se uma viragem no seu percurso profissional. Tendo-se perdido um designer, a nona arte ganhou um novo talento que mostra o seu trabalho através de fóruns internacionais e do Deviantart. Aqui começou a receber encomendas de comissões e entre propostas de trabalho e candidaturas a várias editoras, a Zenescope acaba por lhe pedir para fazer 11 páginas para o título Grimm Fairy Tales: Unleashed # 1.

Após esta participação no universo adulto de contos de fadas que a Zenescope criou, uma tendência repetida por diversas outras editoras norte-americanas, Miguel tornou-se presença constante nos títulos da editora em Grimm Fairy Tales Unleashed #5, Oz #4, Tales from Oz #2: Cowardly Lion e está actualmente a desenhar a mini-série Warlord of Oz.

Em paralelo encontra-se também a trabalhar no projecto Sidekicks, fruto de uma campanha de crowdfunding, onde trata da arte a lápis e arte-final ficando as cores a cargo de Sara Machajewskie e argumento de Russell Brettholtz.

O próximo objectivo será perseguir o american dream dos autores de BD, participar em títulos das grandes editoras americanas e também publicar algo creator-owned.


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CASA DA CULTURA | TERMINAL TOWER 
de André Coelho e Manuel Neio | Portugal


O APOCALIPSE É FÁCIL

David Soares

A vida é líquida: derrama do corpo quando este fica repleto de memorias e cheio de perguntas. Não haverá dias melhores: apenas ausência. E confusão para quem permanece.

Quando os organismos morrem, ficam mais pequenos. Que lhes falta? Alma? Ou, apenas, informação? Vimos ao mundo somente para largar informação: genes e obras de arte – crianças, livros. Fósseis resgatados pelos corifeus do progressismo como provas de passados gloriosos; no entanto, quem os deixou não manteve nenhuma revivescência como horizonte. Não pode predicar-se o passado – nem o futuro – dessa forma.

Todas as culturas atribuíram um papel ominoso à ameaçativa estrutura que é a torre, símbolo da húbris, da catástrofe – cunha que se intromete nas rachas da cultura de modo a alargar o estrago e acelerar a queda das sociedades. Capciosamente, transformámos essa representação em transmissor de informação. Contrário ao sinal, o ruído é unidimensional. Contrária à vida, a morte é unidimensional. A vida é um esforço para criar relevo. Isto é Babel: relevo na desértica paisagem achatada; alto o suficiente para alcançar o empíreo. Os batimentos cardíacos no ecrã retinto do monitor são pequenas torres, coruscantes sismografías, avisando que ainda se está vivo, que ainda se comunica. E o mais admirável é a nossa inflexível esperança de que ALGUÉM ESTÁ A OUVIR!...

A esfera, o sólido perfeito, o corpúsculo, o ponto, o elemento constituinte da matéria, é, afinal de contas, unidimensional. Todos os mitos recipiendarios têm origem no surgimento da esfera – nunca existiu uma tabula rasa, mas uma orbis rasa. A esfera e a torre são a estilização gráfica da iniciática emissão que perdura em nós. Somos ecos. Somos apenas cópias. Imperfeitas, mas algumas são ainda mais defeituosas. Algumas são monstros.

Os monstros habitam as margens dos sistemas e invadem o centro quando este adoece. Ciápodes - ciclopes: o monstruoso representa uma deformação da unicidade, uma visão unária, indeclinável. Autocrática. Não é à toa que os ditadores são monstros, turiferando um discurso monossilábico até que a informação se transforme em ruído. A forma mentis do monstro fá-lo surgir no folclore como arauto do cataclismo, como mordomo do apocalipse, porém, na vida verdadeira, os monstros não irrompem antes, mas depois. Depois da bomba, os estropiados – depois da expilação nuclear, os mutantes. A monstruosidade é uma sátira cruel à diversidade, uma fantochada feita de ruído. Não tem beleza. Não tem significado. A não ser a beleza do aleatório e o significado que decidimos impor. Criar relevo é inventar significados: vivemos numa realidade imaginada, mas as ficções que criamos não são mentiras, são exofenótipos – não se pode ser humano sem uma torre, mas aceitar a torre é aceitar o monstro. Aceitar o apocalipse. Nada é mais fácil. Nada é mais terminante.



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