UM CAVALHEIRO RESPEITÁVEL
As taras das suas personagens [Vilhena] mantêm uma imagem indelével da sordidez política e moral lusitana
Jorge Silva
Com a censura, o Estado Novo bem cedo relegou o desenho de humor impresso para estafadas piadas de maridos enganados, sogras detestáveis e mulheres ninfomaníacas. Pelos anos 1960, o regime apodrecia lentamente e José Vilhena (Figueira de Castelo Rodrigo, 1927) fixava nas suas novelas auto-editadas um retrato cru da sociedade portuguesa: a igreja corrupta e manhosa; a alta burguesia lúbrica e abichadora de tachos, os latifundiários boçais e marialvas. O povo não saía melhor no retrato: alarve, servil e invejoso. Toda a pirâmide social unida, enfim, na ganância do lucro e da carne. Mas o lápis azul não dormia e Vilhena e os seus livros eram clientes assíduos da DGS [Direcção Geral de Segurança, desde 24 de Novembro de 1969 - atá essa data era denominada PIDE, Polícia Internacional e de Defesa do Estado], apesar da distribuição quase clandestina por quiosques e botequins. No seu livro A Cama, de 1971, o autor queixava-se com suprema ironia:
"Desgraçadamente, sabeis, porém, como venho sendo contrariado quando pretendo realizar-me artisticamente... Por tudo e por nada, a censura cai-me em cima, não me perdoando a mais ínfima liberalidade, encontrando o mal onde não havia senão inocência e atribuindo-me intenções equívocas que jamais afloraram o meu espírito."
Vilhena publicou 52 livros entre 1960 e 1974, saturados de sexo e recheados de sugestivas ilustrações nas capas e no interior. Por estes livros passam os narizes masculinos mais escrofulosos, as carnes femininas mais tentadoras, as fatiotas e cenários capazes de condensar, num detalhe, toda uma época. Vilhena, se não tinha o traço erudito de um Abel Manta, tinha um requintado preciosismo gráfico, enganadoramente popular. E, obviamente, mais divertido. A licenciosidade visual estava afinada com os ventos da libertação sexual que assolavam a Europa conservadora e com as Blanche Éphiphanie e Paulette de Georges Pichard, ilustrador e banda-desenhista francês. O Portugal dos seus livros parecia assim uma versão pelintra da França rançosa da época. Vilhena alinhou no regabofe geral pós-25 de Abril com as piratarias fotográficas da Gaiola Aberta, mas a sua produção ilustrada saiu razoavelmente incólume da porno-chachada geral. O traço simplificou-se até um discutível kitsch digital, mas a virulência do humor e as taras das suas pesonagens mantêm uma imagem indelével da sordidez política e moral lusitana, e que ganha agora um inquietante revivalismo.
http://almanaquesilva.wordpress.com/
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BIOGRAFIA
José Alfredo Vilhena Rodrigues (Figueira de Castelo Rodrigo, 7 de Julho de 1927) é um escritor, pintor, cartoonista e humorista português. Frequentou a Escola de Belas-Artes do Porto, mas não chegou a concluir o curso de arquitectura.
Filho de uma professora primária e de um proprietário agrícola, passa a sua infância na aldeia de Freixedas, concelho de Pinhel. Aos dez anos de idade foi estudar para Lisboa, indo no meio da adolescência para o Porto, onde realizou um ano de tropa. Cursa arquitectura na Escola de Belas-Artes do Porto, mas fica pelo quarto ano, já que começa a desenhar para jornais.
Fixa-se em Lisboa, na zona do Bairro Alto, onde desenha cartoons para os jornais "Diário de Lisboa", "Cara Alegre" e "O Mundo Ri" (de que foi co-fundador) durante os anos 50. Publica em 1956 Este Mundo e o Outro, a sua primeira colectânea de cartoons, e em 1959 Manual de Etiqueta, livro de textos humorísticos.
Durante os anos 60 a sua actividade de escritor desenvolve-se. Com o fim da revista "O Mundo Ri", publica uma grande quantidade de livros com textos humorísticos. Esses seus mesmos livros e desenhos, muitos deles usando a Censura como tema de paródia, provocaram-lhe problemas com a polícia, mais concretamente com a PIDE, que lhe apreendeu constantemente escritos e lhe causou três estadias na prisão, em 1962, 1964 e 1966. Isso tornou-o muito popular na época. Até ao 25 de Abril de 1974 Vilhena redigiu cerca de 70 livros.
Em 1973, Vilhena inicia a publicação, em fascículos, da Grande Enciclopédia Vilhena, que virá a interromper após a Revolução dos Cravos, em 1974, para dar início à publicação da revista Gaiola Aberta, cujo primeiro número sai logo a 15 de Maio desse ano. Esta revista de textos e cartoons humorísticos foi mantida por ele durante vários anos, satirizando a sociedade da época o que o levou a ser perseguido e a responder várias vezes em tribunal tendo ficado quase na banca rota.
Um interregno de quatro anos ocorreu depois devido a uma fotomontagem que envolvia a princesa Carolina Grimaldi [do Mónaco], da qual foi alvo de um processo judicial de que se defendeu com sucesso.
Vilhena volta assim com O Fala Barato, numa primeira edição em forma de jornal e mais tarde em revista. Depois de deixar de ser publicada seguiu-se O Cavaco e mais recentemente O Moralista.
in Wikipédia
Ver AQUI – O Universo de José Vilhena
Cartaz da Conferência Comemorativa dos 85 anos de José Vilhena, em 7 de Julho de 2012
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