O Louletano, 20 | Julho | 2009
Quando Jesús Blasco, em 1971, resolveu ressuscitá-lo, por influência de Roussado Pinto — que lançara, entretanto, o Jornal do Cuto, em jeito de homenagem nostálgica ao célebre herói luso-espanhol e ao seu criador —, os tempos também já não eram os mesmos.
Segundo Blasco afirmou na altura, "Cuto esteve apenas adormecido alguns anos, mas acompanhou o processo natural e mental do seu autor". No entanto, apesar de todo esse desejo de renovação, a tentativa de dar novamente vida ao mito de Cuto foi uma experiência inconclusiva.
"Crime Mundial Inc", a aventura que o Jornal do Cuto começou a publicar no n° 94, de 1 de Maio de 1973, assinalando o segundo fôlego do seu juvenil patrono, é uma história marcada por várias e atribuladas fases, interrompendo-se tempos antes da morte de Jesús Blasco, em 1995. Divulgada também em Espanha na revista Chitos (uma espécie de sucedâneo de Chicos), foi concluída por Adriano Blasco, falecido em 2000, e publicada na íntegra nos n°s 95 e 96 (Maio e Julho de 2001) do Boletim do Clube Português de Banda Desenhada.
Rica em efeitos gráficos, retoma algumas ideias mestras do criador de Cuto, como a associação de criminosos instalada num local secreto, desta vez sob a capa de uma espécie de sindicato do banditismo internacional, dirigido por um estranho homúnculo de aparência assexuada, com o solene cognome de Supremo Poder.
Numa ideia de certo modo oportuna, Blasco transferiu a acção para um contexto que conhecia bem (por ter trabalhado durante muitos anos para revistas inglesas), pontuando o enredo com alguns apontamentos curiosos, como os cabelos compridos, as camisas floridas e as calças boca de sino, à moda dos "hippies".
Cuto sofre nova transformação, continuando a assumir a postura de um jovem moderno e descontraído, cujos hábitos se sintonizam com os ares da época. No seu quarto está pendurado um poster de Jimi Hendrix e todo o cenário espelha os símbolos da cultura "pop" e da juventude rebelde dos anos 70.
Sempre ágil, arguto e destemido, Cuto mostra-se tão convincente no seu novo papel que quase esquecemos a sua verdadeira identidade, confundindo-o com um súbdito de Sua Majestade britânica. Mas, apesar dos esforços de Jesús Blasco e da sua evidente preocupação de realismo, essa metamorfose acaba por parecer deslocada, tanto no espaço como no tempo. O que prova que cada herói tem a sua época e o seu público.
O Jornal do Cuto publicou ainda duas histórias curtas, '"Pesadelo" e "S.O.S. Petróleo", ambas inéditas, e algumas páginas humorísticas, tentando prolongar um mito que já não era acalentado pelos leitores. Cuto não iria sobreviver ao seu criador, destino inexorável que tem atingido muitos dos maiores heróis da Banda Desenhada.
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O Louletano, 03 | Agosto | 2009
Na tentativa de evitar a morte prematura do MdA – a menina dos olhos do seu sócio, António Joaquim Dias –, Mário de Aguiar, director geral da APR, chamou dois profissionais competentíssimos nessa área, Roussado Pinto e Vítor Péon, e deu-lhes carta branca, no campo da edição, para susterem a queda livre em que a revista se encontrava, um ano antes, alguns números depois do seu lançamento.
Uma das primeiras medidas tomadas foi a mudança do formato tablóide para o de A4, o tamanho da revista "O Mosquito", que se publicava na altura, vítima mortal do MdA, dois anos depois, devido à pujança que esses dois profissionais imprimiram à nova revista aos quadradinhos da APR.
A colaboração entre ambos – Roussado Pinto, escritor, e Vítor Péon, ilustrador –, vinha de longe, das revistas "O Pluto" e "O Papagaio", de entre outras, cimentando uma complementaridade que emergiria nas páginas por eles concebidas e publicadas nas várias revistas que a APR editaria, até 1954, época em que os dois saíram para a "Fomento de Publicações".
No ano de 1950, o MdA atingiu, na minha opinião, o seu apogeu, aquele que o caracterizou, publicando-se mais de uma década com pequenas mudanças de figurino, revivescendo nos seus últimos anos mercê da apurada capacidade e saber de Jorge Magalhães, a quem esta coluna tanto deve. Creio estar ainda por fazer a historiografia dessa publicação, na profundidade e especificidade que como grande revista de BD, tal como "O Mosquito", merece. Mas voltemos a 1950 e ao MdA.
Em Outubro desse ano, no dia 19, a dupla daria início à publicação no "Mundo deAventuras", n° 62, da mais emblemática personagem de BD por eles criada, aquela que mais fundo calou na preferência dos leitores dessa revista, e não só. Referimo-nos, concreta e especificamente, à série "Tomahawk" Tom, que hoje temos a honra e o prazer de iniciar, como preito de homenagem a esses dois grandes vultos da BD portuguesa: Roussado Pinto e Vítor Péon. Fui amigo, colaborador e colega de ambos, quase duas décadas depois, porém é sobre o segundo, como ilustrador, que mais pormenorizadamente me debruçarei nestes textos.
Os meus jovens 14 anos – na altura ainda a estudar na António Arroio, Escola de Artes Decorativas que funcionava na Av. Almirante Barroso, à Estefânia –, ficaram surpresos com a extraordinária originalidade do início da série, ao "nascimento" invulgar da personagem, algo que nunca vi em qualquer outra, a atestar plenamente a criatividade ímpar dos seus autores. Chamo, por isso, a especial atenção dos leitores para a página que hoje publicamos. »»
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