BANDA DESENHADA
CÓDIGOS
POR JOÃO RAMALHO SANTOS
BDpress #529 Recorte do artigo publicado no JL – Jornal de Letras de 15/1/2020
CÓDIGOS
O mercado nacional de banda desenhada tem estado tão ativo, e o espaço disponível para falar dele é tão diminuto, que é sempre ingrato fazer escolhas. Por isso, escolhe-se aquilo que talvez menos gente fale.
Como o notável trabalho gráfico de Diniz Conefrey na sua mais recente coletânea de narrativas curtas "Floema dorsal" (Quarto de Jade). "Floema" é o tecido vascular das plantas no qual circula matéria orgânica produzida a partir da fotossíntese, a chamada "seiva elaborada"; por oposição, no "xilema" circulam água e sais minerais ("seiva bruta"). Já "dorsal" implica as costas, onde, nos vertebrados, se desenvolve o sistema nervoso. No trabalho sempre onirico e aqui maioritariamente a preto e branco de Conefrey há essa articulação comunicante entre formas abstratas que evoluem e se interpenetram de forma quase orgânica ("Nas rajadas de um sonho"), ou desequilibram a noção que o leitor tem de abstrato-real ("Impermanência", "Onde estão as borboletas").
Texto e cor são aqui elementos raros, o primeiro por vezes estranha-se na sua poética (como no visualmente deslumbrante "Cigarra"), ou surge enquanto contraponto absoluto essencial ("O lugar sem espera", talvez a melhor sequência, enquanto BD). Já o uso de cor enquanto elemento gráfico é sempre superlativo ("Impermanência", "Cigarra"), e, apesar da mestria do preto e branco, sentimos muitas vezes a sua falta. Seja como for, o trabalho de Diniz Conefrey transporta sempre para onde nunca sabíamos poder ir.
Sim, talvez seja só para leitores que compartilhem memórias de brincadeiras similares: os meus eram Airfix e Matchbox, escala 1:72. Jogos talvez demasiado bélicos para um presente mais assético, que glosa a violência com outra matrizes. Mas não é assim para toda a Arte?
Com a mesma chancela foi também lançada a revista "Umbra", que pode ser um veículo interessante para histórias curtas, à semelhança de outras coletâneas com coordenadas distintas ("Apocryphus"; projetos do Lisbon Studio ou da Mmmnnnrrrg/Chili com Carne, como o muito interessante "Nódoa Negra") . No entanto este número inaugural, e de forma algo surpreendente dados os nomes envolvidos, promete mais do que o que entrega. Mas promete, uma constante no atual panorama da BD nacional. Que conta com mais duas obras de referência.
João Ramalho Santos
SELVA!!!
Argumento e desenhos de Filipe Abranches
Umbra. 64 pp., 10 Euros
FLOEMA DORSAL
Desenhos e palavras de Diniz Conefrey (com Maria João Worm)
Quarto de Jade. 236 pp., 22 Euros
Sem comentários:
Enviar um comentário