quinta-feira, 30 de agosto de 2012

BDpress #367: ENTREVISTA COM JORGE MAGALHÃES – CONDUZIDA POR JOSÉ CARLOS FRANCISCO NO TEX WILLER BLOG



ENTREVISTA COM JORGE MAGALHÃES
CONDUZIDA POR JOSÉ CARLOS FRANCISCO
NO TEX WILLER BLOG

Republicamos aqui hoje, uma entrevista de José Carlos Francisco com Jorge Magalhães, publicada no Tex Willer Blog em 9, Dezembro, 2007.


Para começar, fale um pouco de si. Onde e quando nasceu? O que faz profissionalmente? 

Nasci na nobre cidade do Porto, rua de Cedofeita, em 22 de Março de 1938. Tive vários empregos, nomeadamente na função pública, antes de enveredar pela Banda Desenhada, em 1974, quando comecei a coordenar o “Mundo de Aventuras” da Agência Portuguesa de Revistas, função que exerci durante 12 anos, passando depois a colaborar com outras editoras, como a Futura, a Distri, a Meribérica e a Asa. Em suma, mais de 30 anos dedicados profissionalmente à 9ª Arte, com muitos obstáculos pelo caminho mas sem nunca me arrepender da opção que tomei quando, após o 25 de Abril, decidi não voltar a Angola, onde era funcionário do Instituto do Café. Actualmente, estou reformado mas ainda escrevo de quando em quando e faço traduções, além de ler muita BD (risos…). 


Quando é que teve início esta paixão pela Banda Desenhada, em especial pelo Tex? 

A paixão pelas histórias aos quadradinhos nasceu, por assim dizer, logo que aprendi a soletrar. Nesse tempo, com cinco anos, já gostava de folhear o “Mosquito“, que me ajudou bastante a decifrar as primeiras letras. Fui sempre um leitor assíduo de revistas infanto-juvenis e, depois do “Mosquito” e do “Diabrete“, comecei a coleccionar o “Cavaleiro Andante” e o “Mundo de Aventuras“. Não houve praticamente revista de BD que não me tivesse passado pelas mãos.


Quando fui para Angola, em 1961, desfiz-me de muitas delas, mas ao regressar a Portugal, alguns anos depois, voltei a sentir a febre do coleccionador e o resultado foi a colecção enorme que hoje possuo e que me rouba muito espaço em casa.

O meu interesse pelo Tex surgiu mais tarde, como é evidente, pois as edições brasileiras só começaram a circular entre nós nos anos 70. Mas a série não me agarrou logo. Só quando descobri nas bancas os primeiros números com histórias desenhadas por Jesús Blasco, comecei a procurar a revista. Esse primeiro passo levou-me a comprar também o Tex Coleção, desde o 1º número (mas infelizmente com algumas faltas pelo meio), e a partir daí todas as séries de Tex editadas no Brasil.


Porquê o Tex e não outra personagem? 

Bem, no meu caso, a paixão pelo Tex não é exclusiva, pois (e cingindo-me só ao campo do ‘western’) coleccionei também a “Epopeia-Tri” — com a magnífica História do Oeste criada por Gino d’António, Renzo Calegari, Sergio Tarquinio e outros — e Ken Parker, um dos ‘westerns’ que mais admiro e que me agrada tanto como Tex, por ser uma série diferente, que trata os temas do Oeste numa dimensão simultaneamente realista, psicológica e poética.

Mas como sou desde miúdo um adorador fanático do ‘western’, as minhas referências na BD vão muito mais além e devorei montes de histórias com personagens das mais variadas origens, como Jerry Spring, Comanche, Mac Coy, Jonathan Cartland, Buddy Longway, Sunday, Matt Marriott, Matt Dillon, Wes Slade, Cisco Kid… sem esquecer naturalmente Blueberry.

Aproveito a oportunidade para relembrar alguns dos ‘westerns’ italianos que li no “Cavaleiro Andante“, como “Lobo Branco” e “Forte Laramie“, de Renato Polese, “Dakota Jim“, de Caprioli, “O Forte do Huron“, de Gino D’Antonio, e “Pocahontas, a Princesa Pele-Vermelha“, de Sergio Tarquinio, que me revelaram essa magnífica escola nascida nas páginas da célebre revista “Il Vittorioso” e com ligações também à editora Bonelli.

E por que não referir, já agora, as inolvidáveis criações da ‘prata da casa’ no “Mosquito” e no “Mundo de Aventuras“, como Falcão Negro, de E.T. Coelho, e Tomahawk Tom, de Vítor Péon, dois grandes e saudosos mestres da BD portuguesa, que tive a honra e o privilégio de conhecer pessoalmente.


O que Tex representa para si? 

De certa forma, um regresso ao passado, quando as histórias de ‘cowboys’ estavam na moda, uma viagem nostálgica por um tempo em que a BD ainda era uma forma de entretenimento sem pretensões intelectuais, tal como os ‘westerns’ de série B que nos atraíam ao cinema, muitos deles rotulados hoje de clássicos que moldaram o género.

Qual o total de revistas de Tex que tem na sua colecção? E qual a mais importante para si? 

Nunca cheguei a contabilizar os exemplares que possuo, mas já devem rondar as quatro centenas, pelo menos, contando com todas as colecções paralelas de Tex. Quando as revistas da Mythos chegaram às bancas, também comprei Zagor, Mister No, Martin Mystère, Dylan Dog, Mágico Vento, Júlia e outras, mas infelizmente a distribuição desses títulos tornou-se tão irregular, a partir de certa altura, que me fui desinteressando.

É difícil escolher a revista de Tex com mais significado para mim, porque já me proporcionaram muitas horas de emocionante leitura, mas simbolicamente e por uma razão sentimental elejo a primeira que chamou a minha atenção, aquele nº 214 com o início da grande aventura “A Volta da Mão Vermelha“, desenhada pelos irmãos Blasco.


Colecciona apenas livros ou tudo o que diga respeita à personagem? 

Até hoje, só livros e revistas. Já não tenho espaço para mais, mas continuo à procura dos números que me faltam, cada vez mais difíceis de encontrar, sobretudo em bom estado. Há alguns meses, na Feira do Livro de Cascais, tive a sorte de comprar, por um preço bastante razoável, um pequeno lote que incluía o nº 100! Também possuo algumas edições estrangeiras, especialmente monografias, porque há tanta coisa a aprender sobre Tex… e eu só sei que ainda sei muito pouco (risos…).

Qual a sua história favorita? E qual o desenhador de Tex que mais aprecia? E o argumentista?

Também não é fácil responder a esta pergunta, pois são muitas as histórias de Tex que me deixaram uma recordação indelével, como tantos ‘westerns’ do passado. Do saudoso Galep, cito a aventura “A Lança de Fogo“, publicada no nº 200, com uma montagem dinâmica de planos, pouco vulgar nas edições normais de Tex, por causa do formato mais pequeno. Não sei se em Itália ela foi publicada noutro formato, mas foi a primeira vez que pude admirar a arte de Galep liberta da regra tirânica das três tiras por página. Nesse episódio, ele constrói a página como uma unidade, usando os mais variados recursos estilísticos para embelezar a composição, como vinhetas circulares, imagens grandes e tiras que se entrecruzam, à maneira de uma ‘graphic novel‘.


Outra história que especialmente aprecio é “O Vale do Terror“, de Nizzi e Magnus, que pelo seu ineditismo gráfico e pelo recorte humano e psicológica das personagens ficou certamente na memória de muitos, embora o estilo de Magnus, na minha opinião, seja completamente anti-Tex e anti-‘western’, o que não diminui o seu impacto estético.

Outro grande nome da BD italiana que passou fugazmente por Tex, mas deixando uma marca inconfundível, foi Guido Buzzelli, com a aventura escrita por Nizzi “Tex, o Grande“, que tive a ventura de ler numa das primeiras Edições Gigantes da Globo, comemorativa dos 40 anos do Ranger.

À parte estes exemplos, e num contexto mais genérico, a aventura de Tex que mais me empolgou e que aguardei com mais impaciência, foi incontestavelmente “O Cavaleiro Solitário“, publicada pela Mythos no Tex Gigante nº 9. Ou não fosse eu um grande admirador do Joe Kubert!… A propósito: alguém me pode informar se esta aventura foi publicada integralmente nos Estados Unidos pela Dark Horse? É uma teima que tenho há já algum tempo com o José Carlos Francisco (risos…).


Mas em relação aos desenhadores de Tex, não há dúvida que, desde que descobri Civitelli, o seu estilo límpido e harmonioso, de uma elegância que, de certa forma, me faz lembrar a de Caprioli e Giardino (dois dos maiores mestres da BD italiana), se impôs ao de todos os outros. E isto sem desprimor para artistas de tão grande calibre como Ticci, Villa, Fusco, Repetto, Ortiz, Font, De la Fuente, Ambrosini e outros, que igualmente muito admiro.

No tocante aos argumentos, destaco o trabalho e as ideias renovadoras de Mauro Boselli, mas também aprecio bastante a obra de Claudio Nizzi, numa abordagem mais convencional do universo de Tex… sem esquecer, é claro, o seu fundador, o grande Giovanni Luigi Bonelli, que criou, dentro da série, personagens tão carismáticas como o próprio Tex, feito que mais nenhum argumentista conseguiu ainda igualar. É claro que Bonelli imaginou Tex numa época diferente, em que as histórias de ‘cowboys’ eram mais elementares, em que a acção e a forma importavam mais do que o fundo, mas os seus extraordinários dotes de novelista revestiram-no de uma aura especial, que captou rapidamente a adesão dos leitores. Tex, como muita gente sabe, foi mesmo um herói que, para surpresa do próprio autor, não tardou a ultrapassar todas as suas outras criações.

E o facto de G.L. Bonelli ter sido o primeiro, em histórias do Faroeste, a criar cenários transcendentes, explorando temas como a magia negra e o fantástico, contribuiu largamente para essa carreira de sucesso.

O que lhe agrada mais em Tex? E o que lhe agrada menos? 

Para mim, Tex é o autêntico ‘homem do Oeste’, cujo padrão não foi corrompido pelo tempo nem pelas transformações da cultura popular, que quase ditaram o fim do ‘western’, nos moldes em que o conhecemos. Felizmente que em Itália ainda existe um editor como Sergio Bonelli, que não se deixa manietar pela ditadura da crítica moderna – pouco receptiva, na sua maioria, a este género de histórias -, e um público fiel, que de geração em geração continua a apreciar a personagem e o seu modelo original, fenómeno que era quase impossível acontecer noutro sitio, pois fora de Itália as séries do Oeste, com excepção de Blueberry, têm definhado uma a uma. Nem mesmo Tintin, noutra vertente, escapou a essa morte súbita e hoje é uma espécie de ‘cadáver‘ de que uma multidão de biógrafos se aproveita, dissecando-o de todas as formas e feitios.

A cadeia de produção criada por Bonelli pai e mantida até hoje, com inegável ‘savoir faire’, permitiu que o Tex de Galep não envelhecesse nem morresse com os seus criadores, tornando-se uma personagem intemporal. Tex está vivo e de boa saúde e todos os críticos e estudiosos que multiplicam também as suas análises sobre ele, sabem que o futuro será tão aliciante como o passado. É um dos raros exemplos em que o método de criação americano foi aplicado com sucesso na Europa, mas continuando a permitir aos autores a expressão da sua individualidade artística (o que nem sempre acontece quando há dois ou mais desenhadores a fazer o mesmo trabalho, como na indústria dos ‘comic books’).

Quanto à característica de Tex que menos me agrada, talvez o seu exagerado conservadorismo nas relações com as mulheres, que na fase actual já devia ter sido ultrapassado. Quando Jordi Bernet desenhou “O Homem de Atlanta” (quem já se esqueceu da insinuante Lola Dixieland?), esperava-se que o seu exemplo pudesse abrir um pouco mais o véu da censura que ainda pesa sobre o Ranger, apesar da galeria feminina da série ser vasta e variada. Mas as expectativas não se confirmaram…


Em sua opinião o que faz de Tex o ícone que ele é? 

Precisamente a fidelidade à matriz original, aos mitos do Velho Oeste que enformaram a sua criação, embora, nalguns aspectos, tenha evoluído com o tempo, sem perder as suas características primitivas. Tex representa para muitos leitores a personificação de valores éticos e morais como a coragem, a nobreza, a justiça e a lealdade, que definem – ainda que idealmente, na tradição romântica e folclórica do ‘western’ – os pioneiros da nova fronteira, os aventureiros que desbravaram o Oeste americano.

Mas os fãs de Tex, da velha e da nova guarda, apreciam também a estrutura clássica das narrativas e a escola realista implantada por mestres como Galleppini, Nicolò, Muzzi, Letteri e outros, cujos parâmetros, em linhas gerais, se têm mantido até hoje. A meu ver, o principal segredo da longevidade de Tex reside nesse conceito básico, que todos os continuadores de Giovanni Bonelli e Aurelio Galleppini — incluindo Guido Nolitta (Bonelli filho) — nunca esqueceram: embora evoluindo e modificando-se graficamente, a figura do Águia da Noite permanece, no âmago literário, igual a si própria.

Para concluir, como vê o futuro do Ranger? 

Promissor, considerando o batalhão de novos desenhadores – alguns deles autênticas revelações – que já se preparam para substituir os veteranos. Mesmo que os sinais de esclerose pareçam, por vezes, imperceptíveis, os heróis de ficção têm a tendência de envelhecer como os autores que lhes dão vida. Com Tex está garantido que isso nunca acontecerá. E acredito que, apesar da relutância de Sergio Bonelli, a sua personalidade possa sofrer gradualmente alguns retoques, sobretudo na abertura a um relacionamento mais adulto com o belo sexo… O que não contraria a minha afirmação anterior, pois para que um herói com 60 anos de existência continue a manter a sua popularidade impõe-se que haja algumas transformações subtis, em sintonia com a mentalidade dos próprios leitores, que não é imune à evolução dos costumes e da sociedade. Nessa lógica, e por ilusório que pareça, o cenário mítico do Faroeste só ‘fisicamente‘ é um espaço imutável. Mas os mitos consolidam-se e reforçam-se com o seu crescimento interior, como o próprio Tex… 

Prezado pard Jorge Magalhães, agradecemos muitíssimo pela entrevista que gentilmente nos concedeu.


 
Os quatro títulos da Colecão J.M. (de Jorge Magalhães) editados pelo Salão Moura BD

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1 comentário:

  1. Obrigado, Machado-Dias, por teres relembrado esta entrevista divulgada há quase cinco anos no blogue do Tex e que foi a primeira de uma longa série com leitores e colecionadores do famoso Ranger do Texas, que ainda não parou.
    O curioso é que algumas das minhas afirmações se vieram a confirmar durante este período: Tex permanece tão vivo e de 'boa saúde' hoje como há duas ou três décadas, graças a uma constante renovação gráfica e estética, posta em prática pelo saudoso Sergio Bonelli nos últimos anos, e até já se nota uma maior abertura (através de Boselli e de outros novos argumentistas) a temas como o da sexualidade, que dantes ninguém ousava abordar com frontalidade despida de certos preconceitos (porque SB, como sabemos, não o permitia).

    Um grande abraço do
    Jorge Magalhães

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