9ª ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(LXVI - LXVII)
O Louletano, 12 a 18 de Julho de 2005
ROUSSADO PINTO – 30 ANOS DEPOIS (2)
Por José Batista
Foi através de Carlos Alberto que pessoalmente conheci Roussado Pinto (RP) na sede da Portugal Press (PP), na Rua Coelho da Rocha, a Campo de Ourique. Ele já conhecia de há muito as minhas ilustrações. Não que na Agência Portuguesa de Revistas (APR) elas saíssem assinadas. Mário de Aguiar, a exemplo dos editores ingleses, era avesso a que os ilustradores nelas apusessem os nomes, embora lhes exigisse a exclusividade da produção realizada.
Assim sendo, só alguém com pleno conhecimento no campo da edição, e também do estilo artístico dos ilustradores, saberia reconhecer a autoria de qualquer desenho publicado.
Inicialmente a minha colaboração para o "Jornal do Cuto" (JC) cingiu-se, apenas, às ilustrações de "Cantinho de um Velho", da autoria de Raul Correia (RC), o "Avozinho" de "O Mosquito", que bem conhecia através da sua colaboração com a APR, como tradutor. Era autor que muito admirava, que mais não fosse pela gentileza, sensibilidade e competência profissional demonstradas, sem esquecer a sua magnífica prosa nesse bissemanário, de grata memória.
Também Roussado Pinto – há muito esquecida a mordaz nota que RC publicara n' "O Mosquito" aquando do lançamento do "Pluto" – admirava o estilo literário – e não só – inconfundível de RC de quase três décadas antes. Grande parte do material inglês utilizado na PP, era por ele traduzido, inclusive toda a série dos livros de "Tarzan", editados pela "Portugal Press".
Sempre que ia entregar as ilustrações para os seus textos, as trocas de impressões com Roussado Pinto prolongavam-se por tempo ilimitado, versando o campo complexo da BD, seus ilustradores e técnicas, que ele tão bem conhecia de toda uma vida. Contam-se pelos dedos, aqueles – poucos conheci – que tudo arriscaram por amor à BD, servindo-a, como Roussado Pinto sempre o fez, e não apenas dela se servindo. A sua primeira aventura no campo da edição ocorreu tinha ele apenas 19 anos, lançando "O Pluto", o que atesta bem o fascínio que os jornais infantis ilustrados sempre sobre ele exerceram. A pequena fortuna – para a época – que enterrou nesse jornal, foi-lhe dada por seu pai, não logicamente com essa finalidade, mas sim para iniciar um negócio que lhe garantisse autonomia económica. Segundo me narrou, – certa tarde já como chefe da redacção do JC –, aquele não gostou mesmo nada do destino que o filho deu ao dinheiro disponibilizado. Todavia, a escolha da sua vida, que jamais abandonaria enquanto viveu, estava definitivamente tomada. Perdeu vezes sem conta muito dinheiro como editor; lançou inúmeras revistas cuja vida foi efémera, mas sempre se recompôs com o mesmo ímpeto inicial, como se outra coisa não quisesse, soubesse ou pudesse fazer que não isso. E, curioso: foi com as edições que o coração não escolheu que ganhou para alimentar o sonho que muitas vezes redundou nas inúmeras noites de insónia que sempre o afligiram: as suas queridas edições de banda desenhada!
Nesse final de 73, quando a minha colaboração com Roussado se tornou mais intensa, a PP já editava, para além do "Jornal do Cuto", outras edições em BD, tais como: "Colecção Titã", Colecção Modernos da Banda Desenhada" e "Canguru", entre outras que de momento não recordo.
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O Louletano, 19 de Julho a 9 de Agosto de 2005
ROUSSADO PINTO – 30 ANOS DEPOIS (3)
Por José Batista
Embora começasse a colaborar no "Jornal do Cuto" (JdC) a partir do 1° número, publicado em 7 de Junho de 1971, só em meados de 73 – após sair da Agência Portuguesa de Revistas (APR) – estive disponível para participar na área da BD, na Portugal Press (PP) – como chefe de redacção. O nº 99 do JdC, de Outubro de 73, publica uma nota referindo o facto, na terceira página.
O términos da minha estada de 18 anos na APR, ficou a dever-se a uma pequena história de Camões, por mim ilustrada, publicada no n.°49 desse jornal e assinada, tal como todos os desenhos até então aí publicados, por Jobat.
Com um estilo de desenho já perfeitamente definido, não foi difícil a Mário de Aguiar descodificar o acrónico que utilizei, tão identificável como a pintura de M. Gustavo, nome que Carlos Alberto escolheu para assinar os seus Quadros da História de Portugal, publicados nesse semanário. Este, o motivo pelo qual passei a grafar Jobat, e não José Batista, daí em diante, como assinatura dos meus desenhos.
Curiosamente, foi Roussado Pinto (RP). quem – quando colaborei mais assiduamente na PP – me informou que o mesmo tinha feito José Orlando Marques, colaborador de "O Mosquito", ao utilizar o acrónimo "Jomar" nas novelas que publicara no extinto "Pluto", muitos anos antes.
Profissional experimente na área específica de jornais de BD, o fracasso de RP, como editor, ficou prioritariamente a dever-se ao facto das principais editoras – caso da Agência Portuguesa de Revistas e Diário de Notícias (Diabrete, Cavaleiro Andante, Zorro, etc.) – possuírem um invejável potencial económico como suporte; depois, no caso concreto da Agência, o próprio RP ter adquirido – como chefe de redacção do " Mundo de Aventuras" (MdA) e de outras publicações dessa editora – boa parte dos personagens que a partir daí alimentavam o êxito das revistas que a APR semanalmente editava. Poder-se-á afirmar que o espaço editorial estava praticamente saturado com as várias edições em BD, semanalmente publicadas, e bem assim como os leitores com poder de compra fidelizados a personagens que os cativavam de há muito. Seria extremamente difícil quebrar o quase monopólio editorial existente na altura.
O relativo êxito do "Jornal do Cuto" ficou a dever-se, em minha opinião, a uma camada etária remanescente, saudosista do extinto "O Mosquito", condimentado com alguns personagens cuja publicação RP iniciara no MdA, – heróis da King Features Sindycatc, tais como Rip Kirby, Mandrake, Fantasma, Cisco Kid e outros –, pois que algum do público do ex "O Mosquito", com a sua extinção, optou pelo Mundo de Aventuras como natural substituto.
Só que toda a bela tem um senão! – a reposição de algumas séries, quase todas elas extraídas do velhinho bissemanário e também do MdA, vulgarmente compactadas – duas páginas ou mais numa só! – anulava a qualidade original das histórias, especialmente as de ET Coelho e Vítor Peon, muitas delas sofrivelmente impressas.
Se por um lado o "Jornal do Cuto" matava as saudades dos mais "velhos", saturava a apetência dos mais novos, mais exigentes que os leitores de BD dos anos 40/50. O desequilíbrio e a má qualidade de algumas reimpressões transformavam esse jornal num quase museu arqueológico dos anos quarenta. E um facto que relançou muito material desconhecido das gerações mais novas, o qual jazia no limbo poeirento de saudosas edições, inacessíveis aos leitores dos anos 70.
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Ainda bem que estes artigos vão sendo preservados digitalmente e divulgados.
ResponderEliminarA história da publicação de bd em Portugal ainda está por fazer e estas crónicas são boas contribuições.