9ª ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(LXVII-A e LXVIII)
ROUSSADO PINTO - 30 ANOS DEPOIS (4)
Por José Batista
Tão surpreso ficou Vitor Peon pelo serôdio revivalismo da reposição de algumas histórias por si ilustradas, que ainda tentou ressuscitar a sua mais emblemática criação - Tomahawk Tom – iniciada no N° 62 (19/10/1950) do "Mundo de Aventuras". Não que o personagem não fosse apelativo, porém, o lume que atiçara o fulgor juvenil de outros tempos era, nos anos 70, apenas fumaça que o momento actual rapidamente diluía. Depois, a experiência, a pesquisa e a criatividade espontânea, o génio da planificação e o nervoso da linha, há muito tinham emigrado para paragens de onde o retorno é impossível. O Regresso de Tomahawk Tom, então dado àestampa, foi quase um pastiche do garboso personagem de outrora, aquele que animou os longínquos anos cinquenta da nossa adolescência.
Factores, outros, justificaram tais republicações: de uma maneira geral, não eram pagos direitos de autor e, erguê-los do mais que evidente esquecimento, era preço que bastava aos seus autores; sem tal publicação, como chegariam ao conhecimento das gerações mais jovens? Assim, o "Jornal do Cuto" – e não só – cumpriram uma meritória tarefa: a da pesquisa e divulgação de um precioso acervo, para muitos desconhecido; talvez o que de melhor se ilustrou e editou em Portugal nos anos 40 e 50, os quais foram classificados por muitos como a Era de Ouro da BD portuguesa e americana.
Não fora o momento político conturbado então vivido, potenciado pela também crise do petróleo, as publicações então editadas pela Portugal Press não teriam terminado tão inglória e abruptamente. Porém, falemos do homem.
O convívio com Roussado Pinto era agradável, humano e enriquecedor. Colhera das múltiplas e facetadas experiências uma filosofia de vida que lhe permitia encarar as mais difíceis situações com uma serenidade inquebrantável, quase búdica. Apreciador da boa comida e bom garfo diplomado, fazia jus a uma boa refeição na companhia de amigos e colaboradores.
O agravamento no preço do papel e da impressão, conjugado com o período acima descrito, colocou a empresa em difícil equilíbrio financeiro, pois só a distribuição absorvia 45 % sobre opreço de capa.
O Jornal do Cuto passou de semanal a quinzenal, e por fim a mensal, com histórias completas e estupendo material, mas o momento atribulado que então se vivia não era consentâneo com o esforço exigido na sua manutenção. Interrompido no n.° 109 e relançado um ano depois, arrastar-se-ia, penosamente, até ao n°174-Nov.78. Porém, nessa altura, há muito me afastara da empresa.
O êxito posterior do "Jornal do Incrível", e de algumas publicações eróticas, fruto da alteração editorial então vigente, - terminadas todas as edições de BD - permitiu a Roussado Pinto algum desafogo económico, a ponto de confidenciar o desejo de futuramente ainda relançar "O Jornal do Cuto". Não chegaria a tal, pois que uma crise cardíaca fulminante interrompeu cerce a longa e atribulada carreira de um dos mais fecundos amantes das histórias aos quadradinhos, em 3 de Março de 1985.
A sua colaboração, espalhada por quase todas as publicações de BD entretanto editadas em Portugal, atesta bem o esforçado labor e a originalidade da sua obra, impondo o seu nome à admiração dos amantes dessa área específica que é a 9.a arte.
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O Louletano, 17 de Agosto de 2005
ROUSSADO PINTO - 30 ANOS DEPOIS (4)
Por José Batista
Em princípio – confirmando a regra de que o programado raramente se cumpre – os textos sobre Roussado Pinto (RP) deveriam ter terminado na passada semana. Mas valores de outra ordem – quais os da gratidão e camaradagem, entre outros – exigem uma adenda aos anteriormente publicados.
Nesses cinco anos de convívio com R.P. (1971/75), o último dos quais mais próximo e intenso, foi possível conhecê-lo na profundidade que só o trato diário plenamente permite; analisar o interlocutor na sua humanidade, psicologia, fraquezas e grandezas, aptidões e projectos.
Roussado era um sonhador, mas os sonhos fugiam-lhe qual areia entre os dedos. Sem um suporte económico que servisse de cabouco à concretização dos seus projectos, estes esfumavam-se assim que consumidos os recursos iniciais disponíveis, quase sempre minguados. Com um enriquecido trajecto no campo da edição e tarimba que bastasse na área da escrita, - fruto da sua extensa colaboração em jornais e revistas -, Roussado era, no seu tempo, um elemento indispensável em qualquer redacção. Poder-se-ia dizer, em linguagem popular, que era pau para toda a obra, tal a sua adaptabilidade a qualquer género de textos que se fizessem necessários para complementar uma qualquer edição.
Um dos que mais me cativaram e surpreenderam, foi a "sua" coluna sentimental, no "Diário da Manhã", assinada com nome
feminino, na qual aconselhava as leitoras que consultavam essa secção - maioritariamente escritas pelo próprio Roussado! - A resolver as mais intricadas situações do foro íntimo e sentimental que a sua verve criativa congeminava!
Os pseudónimos por si utilizados foram imensos, sendo talvez Edgar Caygill o mais conhecido na área da BD, e Ross Pynn, como autor literário.
Era fecunda a sua capacidade efabulativa na criação de temas, fruto de longos anos em contacto com a escrita e a vida, as quais lhe deram uma incomum e facetada experiência. Nota-se, por vezes, nos seus escritos em relação a personagens, técnicas e autores na área da BD, análises e opiniões algo fantasiosas e desfasadas da realidade, fruto mais do amor por esse tema que conhecimento específico adquirido sobre os mesmos. Foram no entanto úteis no seu tempo pois que eram nulos e inexistentes na altura em que os deu à estampa, mormente nas páginas do "Mundo de Aventuras".
Não era hábito, nos jornais de BD, fazer referência aos autores das historietas ilustradas que publicavam, argumento e desenhos, tanto nacionais como estrangeiros.
No que a mim me toca, o meu nome teve mais projecção, em termos de o tornar conhecido, num único ano, que na dúzia e meia em que colaborei na Agência Portuguesa de Revistas, em que assinar um boneco era quase um sacrilégio. Roussado não era avaro nesse campo. Talvez sentisse na pele o haver criado e dirigido imensas publicações de êxito sem que o seu nome nelas viesse impresso, como que escondendo ou ignorando o autor a quem deviam esse mesmo êxito. Essa era uma falha intencional na maioria dos editores portugueses - e não só - não publicitando o nome dos autores dos trabalhos artísticos publicados, forma subtil de os manter ignorados e subjugados aos seus interesses editoriais imediatos.
Foi também Roussado o primeiro a escrever um artigo sobre o meu trabalho, técnicas utilizadas e experiência adquirida, texto esse ilustrado com fotos e publicado no "Jornal do Cuto" n.° 102 (Jan. - 74).
A sua camaradagem para comigo - como chefe de redacção das publicações de BD da Portugal Press - foi sempre de sadio convívio, mútua admiração e respeito. Não fossem esses conturbados anos então vividos - o chamado PREC - e a empresa teria singrado, conquistando um lugar de pleno direito no universo editorial português do género.
Trinta anos volvidos, é justo reconhecer o mérito da sua capacidade e profissionalismo e bem assim demonstrar a minha gratidão pelo trato humano e projecção pública da minha arte e do meu nome, fruto de uma postura editorial que considero coerente, justa e digna. Essa a razão e finalidade deste texto. Silenciá-lo, seria indesculpável esquecimento.
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O PERRO NEGRO em TIPHAINE
(2 – 3)
Benoit Despas (arg), José Pires (des)
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