NONA ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(LXXII — LXXIII)
A PAIXÃO de ROUSSADO PINTO (4)
por: Manuel Caldas
De qualquer modo, a verdade é que o Jornal do Cuto deixava de se publicar, o que era uma perda irreparável. Para trás haviam ficado páginas de excelentes bandas desenhadas, em especial três episódios do Rip Kirby de Alex Raymond, dois do Buz Sawyerà de Roy Crane notavelmente reproduzidos, um do Garth de Steve Dowling e outro de Prank Bellamy, a série Moira, a Escrava de Roma, de Alberto Salinas, A Casa da Azenha, de Vitor Peon e Raul Correia, uma enorme parte do Cisco Kid, várias histórias desenhadas originalmente para O Mosquito por Eduardo Teixeira Coelho (em especial A Lei da Selva, O Tesouro, Lobo Cinzento e o início de O Caminho do Oriente) e várias desenhadas por Jesus Blasco (os seus clássicos Anita Diminuta, Cuto nos Domínios dos Sioux e Tragédia no Oriente, de que foi também o argumentista, reproduziram-se a partir dos originais do artista no primeiro caso e de excelentes provas no segundo e terceiro, infelizmente completamente remontadas), assim como um episódio do extraordinário "western" Matt Marriott. E para além disso, destaque especial para o facto de ter sido no Jornal do Cuto que pela primeira vez em Portugal se publicou o início de Prince Valiant e de Mandrake, as pranchas dominicais do Tarzan de Russ Manning e (numa reprodução perfeita) o Flash Cordon de Alex Raymond; e que tiveram estreia mundial as primeiras vinte e seis pranchas do episódio de Cuto Crime Mundial Inc (que, de resto, o autor não chegaria a concluir). Estas pranchas de um espanhol e seis do português José Batista no número 49, sob o título de Trinca-Fortes, foram as únicas absolutamente inéditas que o Jornal do Cuto publicou.
O REGRESSO
Poucos meses depois da interrupção da sua publicação, a ausência do Jornal do Cuto seria em grande parte colmatada pelo Mundo de Aventuras, ao entrar, sob coordenação de um certo Jorge Magalhães, na melhor fase da sua já longa existência. Mas, ainda que o novo Mundo de Aventuras se apresentasse também com a tal capacidade de surpreender que era uma das características do Jornal do Cuto, a revista de Roussado Pinto continuava a fazer falta devido às outras características muito próprias.
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O Louletano, 27, Setembro, 2005
A PAIXÃO de ROUSSADO PINTO (5)
por: Manuel Caldas
O primeiro número da nova fase não era, no entanto, o número um de uma nova série. Antes se retomava a numeração, o que foi pena porque a revista tinha características que a distinguiam enormemente do que tinha sido e teria sido muito mais correcto o início de uma nova série. E os números seguintes permitiram bem depressa ver o quanto era diferente: apesar de se publicar semanalmente — com trinta e seis páginas, a primeira e a última a cores, e custando 10$00 —, já não retoma a fórmula das séries cm continuação, antes prefere as histórias completas, ignora as que haviam ficado por concluir, recorre a coisas antigas apenas excepcionalmente, não mais volta a publicar Eduardo Teixeira Coelho nem destacáveis ou separatas, os artigos sobre autores de banda desenhada deixam de ser de Roussado Pinto, o correio dos leitores não regressa e... nunca recupera a capacidade para surpreender. É mesmo assim uma revista bastante interessante, agora com um aspecto gráfico bom (apesar de se manter a abundância de gralhas), algumas histórias já legendadas manualmente, as indispensáveis memórias do seu director (lamentavelmente tendo durado pouco) e em todos os números uma prancha de Prince Valiant dos anos 50 muito bem reproduzida.
Nesta nova fase, o Jornal do Cuto também não chega nunca a melhorar, mas sofre mesmo assim várias transformações: primeiro torna-se quinzenal, depois reduz para vinte o número de páginas e para vermelho (mais tarde substituído por verde) apenas as cores da primeira e da última páginas, e por fim passa a mensal, retomando as cores perdidas e as trinta e seis páginas. Era evidente o esforço de Roussado Pinto para que, acima de tudo, a revista em que punha toda a sua paixão pela banda desenhada sobrevivesse. De referir que ele, ao mesmo tempo e desde sempre, foi publicando outras revistas de BD de vida mais ou menos curta e de qualidade entre o muito mau e o bom, sendo de destacar, porque verdadeiros complementos do Jornal do Cuto, a Enciclopédia 'O Mosquito', a Colecção Jaguar e O Grilo.
O FIM
Apesar dos muitos esforços, com o número 174, datado de 1 de Julho de 1978, o Jornal do Cuto suspende pela segunda vez a sua publicação. As razões agora apresentadas eram ainda mais negras do que aquando da primeira. Roussado Pinto queixava-se da falta de papel e do aumento do seu custo em mais de 300 % (mais uma vez, o Mundo de Aventuras e o Tintin continuaram a publicar-se durante meses sem aumento de preço - concluindo-se que os números apresentados por Roussado Pinto tinham zeros a mais), de outros aumentos e de um fantasma que o perseguiria nos últimos anos: o da televisão. Escreveria ele que os revendedores só se interessavam por aquilo que vinha da televisão e "tudo se encaminha para o estádio perfeito da sociedade de consumo, isto é, só é exposto e vendido aquilo para o qual as 'massas' são manipuladas através dos grandes meios de comunicação social."
E despedia-se com um "até breve - até à normalização da nossa vida económica".
Sabe-se que manteve sempre a vontade de retomar a sua revista, a sua paixão, que falou várias vezes de que estaria para breve, mas os sucessivos adiamentos e a sua morte inesperada em 1985, com 58 anos, impediram-no definitivamente. Não tenho dúvidas de que se tivesse vivido ainda o tempo que lhe era legítimo esperar viver, nos anos seguintes, de enorme pobreza no que respeita a publicações periódicas de banda desenhada, teria campeado heróica e notavelmente com uma nova fase do Jornal do Cuto. E como o seu pessimismo sempre foi passageiro, nem a proliferação de canais televisivos o teria impedido! ■
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