NONA ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(LXIX – LXX)
O Louletano, 23, Agosto, 2005
NOTAS DE 30 ANOS DE BANDA DESENHADA
Por Roussado Pinto
Inicialmente, antes de pensar no Vítor Peon para desenhar o «Pluto», pensei no António Barata, que assinava e assina ainda (felizmente!) A. Barata. Por essa altura o Peon trabalhava para o «Mosquito», e o Barata que tinha desenhado uns guiões de Varatojo e Orlando Marques para o «Faísca», estava como que «liberto». Procurei-o na casa onde morava — ali para a Rua do Salitre — e falei com ele. Claro que disse que sim. O Barata raramente diz que não a um trabalho. O pior é o resto...
O resto... quer dizer... ele fazer! Bem, começou aquilo a que chamei a minha odisseia. A partir daí quase fiquei dia e noite em sua casa, para que desenhasse a capa e algumas ilustrações. Ao fim de três semanas de trabalho, de facto, apenas íamos ainda na capa e nas três ilustrações. Não que demorasse muito tempo a criar. Nada disso. Pelo contrário: O Barata realiza com extrema facilidade. O pior, bem, o pior é ele agarrar na caneta ou no pincel. Precisamos estar junto dele, quase em «cima» dele, quase a empurrar-lhe o braço, quase a obrigar a mão a desenhar. O que ele gosta, verdadeiramente, é de fazer toda a espécie de modelos, seja de aviões, seja do que for. Isso sim. Desenhar... bem, desenhar (repetimos, é uma espécie de «trabalhos forçados» para ele!
Com a capa na mão e as três ilustrações, tive de mudar de «ares». Voltei-me então para o Vítor Peon, que aceitou a tarefa.
Quando trabalhava no «Mosquito», era eu quem procedia aos sorteios do concurso «Que Horas São?», uma iniciativa muito bem recebida pelos rapazes de então. Os sorteios realizavam-se aos sábados, e nesse dia a «malta» caía toda na redacção, e enquanto não vinha um sub-chefe do Governo Civil para fiscalizar o sorteio, a «malta» andava comigo pelas oficinas, metendo, o nariz em tudo, numa tagarelice que findava quando chegavam à casa da máquina. Ali, perante a saída do «Mosquito» impresso, havia silêncio, e todos ficavam calados, quietos, silenciosos, como que atingidos por uma estranha magia.
Essa magia existia: era a máquina a trabalhar, era o papel impresso. Nessa altura, eu puxava por uma folha e passava-a para a «malta», que a agarrava com reverência, e contemplava-a como se fora qualquer coisa de muito transcendente. As visitas, regra geral, acabavam ali. Todos encostados a uma das paredes, hipnotizados, e quando o sorteio do concurso principiava, quase era preciso arrancá-los à força do «encantamento» em que mergulhavam.
Isto só não acontecia com um garoto cujo nome não recordo, mas que por sinal até ganhou um dos concursos. Ao vê-lo desinteressado, alheado do «sortilégio» geral, perguntei-Ihe:
— Então que dizes a isto?
— Nunca pensei que fosse assim.
— Então como pensavas que era?
— Bem, julgava que era feito um «Mosquito» de cada vez.
— E é feito um de cada vez. Não viste?
— Sim, mas pela máquina. Eu julgava que era feito um de cada vez, mas pelos senhores.
E a desilusão era tão grande, que senti como se tivesse praticado uma fraude em relação ao garoto.
Texto publicado no "Jornal do Cuto" n° 115 (15/10/1975)
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O Louletano, 30, Agosto, 2005
Manuel Caldas
Algumas palavras apenas
Dando seguimento a textos dedicados a Roussado Pinto, prosseguimos hoje com uma nova série, de um novo colaborador, Manuel Caldas. O tema, ainda não ventilado nestas colunas, é o "Jornal do Cuto". Boa leitura.
Considerado pelos estudiosos de BD como autor dos melhores fanzines editados em Portugal, em meados dos anos 80 - "Nemo" e "Zero" - quer pela criteriosa pesquisa, lúcida análise e impecável apresentação -, temos o grato prazer de publicar um original de Manuel Caldas (MC), da Póvoa do Varzim, no qual escalpeliza a trajectória da última criação de fôlego de Roussado Pinto, em BD, o "Jornal do Cuto", seu início, alterações, percurso e características.
Fazem parte do currículo editorial de MC, - além dos fanzines acima referidos-, a publicação das brochuras de "Moira, A Escrava de Roma" (material saído no Jornal do Cuto); "Sunday" (Mundo de Aventuras, Modernos da Banda Desenhada, etc); histórias de Fernando Bento (Diabrete); Príncipe Valente, - o melhor estudo sobre este personagem editado em Portugal; "Lance", e as capas de "O Mosquito".
Referia-se, também, a estupenda recuperação de “Os Guerreiros do Lago Verde" (O Mosquito), dadas à estampa em "Zero", n.° 23 (Março de 1999), e "Trilogia das Mouras", com introduções de A. Dias de Deus, (em Setembro 1997).
PS. Um caloroso agradecimento a Jorge Magalhães pela mediação, e outro, igualmente, ao autor, Manuel Caldas, pela simpática deferência.
J.B.
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A PAIXÃO DE ROUSSADO PINTO (1)
Manuel Caldas
Não me recordo se foi exactamente no dia da data inscrita na capa, 7 de Julho de 1971, que vi à venda o primeiro número do Jornal do Cutto, mas tenho a certeza de que se não foi nesse dia, uma quarta-feira, foi num dos dias seguintes da mesma semana. Na capa anunciava ser "para maiores de 12 anos", idade que eu só faria no mês seguinte, mas o senhor Raul da livraria não me pediu o bilhete de identidade e eu pude comprá-lo.
Depois, até ao fim da revista, nunca deixei de esperar a saída de cada número com grande ansiedade, com uma ansiedade enorme na sua primeira fase, que foi sempre marcada por uma capacidade que nenhuma outra revista de banda desenhada de então possuía: a capacidade para surpreender.
No inicio dos anos 70 publicavam-se em Portugal numerosas revistas de banda desenhada. Todas as semanas as montras dos quiosques ou das tabacarias se renovavam quase por completo com novas capas. Na sua arrasadora maioria eram publicações baratas e sem quaisquer luxos, revistas com que se podia gastar dinheiro sem ficar com remorsos pela quantia despendida quando, depois de lidas, as perdíamos. A mais cara era o Tintin, o semanário não só mais luxuoso mas também o que se podia considerar o melhor exemplo do que devia ser um jornal para a gente nova, ou para quem o quisesse comprar: mantinha um contacto directo com os seus leitores, preocupava-se com conhecer as suas opiniões sobre o que publicava e sobre o que gostariam que publicasse e respondia às cartas que lhe escreviam. Em nenhuma outra publicação do género havia tais preocupações, apesar de lhe faltar a capacidade para surpreender: era sempre muito boa, mas também sempre sem surpresas. Até que surgiu o Jornal do Cuto.
COMEÇO MODESTO
O primeiro número do Jornal do Cuto — título que evocava uma personagem que nos anos 40 fora ídolo dos milhares de leitores d'O Mosquito e havia sido criada pelo espanhol* Jesus Blasco (na revista sempre grafado em português, sem o acento) — era modesto: vinte páginas, das quais a primeira — a capa — e a última a cores, mais quatro destacáveis com a fotografia de um futebolista e um quadro a cores da História de Portugal com ilustrações de Carlos Alberto e texto no verso. O preço era de 5$00, num tempo em que um jornal diário custava 1$50, um pão $40 e um selo para uma carta normal 1$00; e em que as crianças e os jovens não tinham o poder de compra que têm hoje.
(*) Nota do Kuentro: Catalão – Nasceu e morreu em Barcelona — 1919/1995.
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O PERRO NEGRO em TIPHAINE
(4)
Benoit Despas (arg), José Pires (des)
O PERRO NEGRO em A MORTE DA ÁGUIA
(1)
Benoit Despas (arg), José Pires (des)
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Que interessante! Nunca tinha visto este artigo meu impresso, nem tinha, claro, lido os elogios que no jornal se fazem ao meus trabalho.
ResponderEliminarJá agora fica esta informação. Escrevi-o, a pedido do Jorge Magalhães, para a "Selecções BD", de que ele era coordenador, mas a revista fechou portas antes de o publicar. Mais tarde o Magalhães, que o guardara, falou dele ao Jobat e o Jobat telefonou-me a perguntar se eu autorizava a sua publicação no jornal. Depois de publicado, ele deve ter-me mandado os exemplares do jornal, mas eu nunca os recebi porque, compreendi-o muito mais tarde, deve tê-lo feito para um endereço que já não era o meu na altura.