domingo, 6 de janeiro de 2013

ZÉ DAS PAPAS 12-13 – A CANELA – Parte I e Parte II



ZÉ DAS PAPAS
12-13

A CANELA
Parte I

Publicado a 23 de Novembro de 2012 


Já escrevi sobre o açafrão. O que hoje lhes deixo é sobre uma das especiarias mais utilizadas na culinária portuguesa – lembremo-nos do arroz doce e dos pastéis de nata: a canela.

Tem sido usada em doces ou salgados, até com exagero, especialmente no período a seguir à chegada dos portugueses ao oriente.

Dos primeiros livros de cozinha publicados em Portugal, e refiro “A Arte da Cozinha” de Domingos Rodrigues, Mestre de Cozinha de sua Majestade, que acompanhou a Família Real quando esta desembarcou no Rio de Janeiro em 1808, ressalta ampla utilização de especiarias e de entre elas a canela.


Capas das Reedições de Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues - a brasileira (Editora Senac Rio, 2008) e portuguesa (Colares Editora, 2012)

Por razões de espaço divido a prosa em dois tempos. O primeiro vai até à “nossa” chegada ao Oriente.

A canela do comércio é a casca de uma pequena árvore, a caneleira, indígena do Ceilão (hoje SriLanka), no Indostão, na Cochinchina e em algumas pequenas ilhas do arquipélago malaio.

A caneleira

Pormenor

As folhas


Aparece também designada, entre os escritores da antiguidade por cassia e cinamomo, palavra que tem sido interpretada como amomo da China; os Árabes chamavam-lhe darsin, que significa “pau da China”.

A primeira canela conhecida terá sido a da China, donde já era importada na antiguidade e utilizada por Fenícios, Hebreus, Gregos e Romanos.

Conta-se que o imperador Nero, depois de matar, com um pontapé, sua esposa Pompeia, tomado de remorsos, ordenou a construção de uma enorme pira para cremá-la. Nela foi queimada uma quantidade de canela equivalente ao consumo anual de Roma.

No Livro dos Provérbios da Sagrada Escritura, por muitos atribuído a Salomão, no versículo “As Seduções da Adúltera”, é feita a seguinte referência à canela:

“Adornei a minha cama com cobertas com colchas bordadas de linho do Egipto
Perfumei o meu leito com mirra, aloés e cinamomo.
Vem! Embriaguemo-nos de amor até o amanhecer (…) “. 

Trazida pelos juncos chineses que vinham a Ormuz, à Arábia ou ao Malabar, a canela era levada pelos Árabes para os portos do Mar Vermelho e Mediterrâneo razão pela qual muitas vezes estes aparecem referidos, numa carta do séc. XII, como o seu país produtor.

Abundante nos mercados do Levante, principalmente em Alexandria e Alepo era ali comprada pelos mercadores ocidentais e utilizada na culinária e farmacopeia. A partir do séc. VIII é artigo corrente no Ocidente sendo frequente a sua referência em Itália, França e Inglaterra. As narrações de viagens ao Oriente fornecem-nos as primeiras informações sobre a caneleira:

Marco Pólo (séc. XIII) refere-se à canela da China e do Malabar; Batuta (séc.XIV) descreve as plantações de caneleiras no interior da Índia e outros viajantes referem as de Calecut e Ceilão.

Em Portugal a canela encontra-se mencionada nas contas do Rei D. Dinis entre 1278 e 1282 e noutros documentos daquele século e dos seguintes que referenciam a entrada de especiarias no nosso país.

Com a descoberta da rota marítima para a Índia por Vasco da Gama, em 1498, os portugueses tornam-se os senhores do comércio marítimo da Ásia.

Chegada de Vasco da  Gama a Calecute. Quadro de Roque Gameiro.

João Reboredo
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A CANELA
Parte II

Publicado a 4 de Janeiro de 2013 

Não se tendo concretizado a profecia dos maias, cá volto aos meus escritos…

Em vésperas do dia de Reis [data de hoje, aqui no Kuentro] regresso à canela que foi preponderante nas mesas dos menos desfavorecidos.

Já referi que os portugueses substituíram, com êxito, os mercadores, que se abasteciam nos mercados do Levante, subvertendo o tráfego entre a Europa e o Oriente, passando, a partir de então, o comércio a ser dominado pela rota do Cabo.

No ano de 1506 desembarcaram em Ceilão, ilha muito fértil em produtos naturais, com destaque para a canela, apreciada pela superior qualidade em relação à do Malabar, onde a caneleira tinha sido aclimatada.
Chegaram ao Oriente encontrando um comércio já perfeitamente organizado em torno de mercados e rotas há muito estabelecidas. Bases terrestres dispersas desde a costa Oriental Africana à costa de Malabar serviam de suporte a uma actividade intensa que convergia na entrada do mar Vermelho e do Golfo Pérsico – a rota do Levante, dominada por mercadores árabes, turcos e judeus, bem como alguns europeus.

Mapa português da Índia, de 1630. Ceilão é esta grande ilha aqui à direita...

Foi sobre as potências muçulmanas do Extremo Oriente que recaiu todo o peso da conquista portuguesa, por culpa dos seus correligionários do Médio Oriente: não só tinham sido os Turcos que haviam feito subir escandalosamente o preço das especiarias, como tinham sido os árabes que haviam inculcado nos europeus uma fé infinita nas qualidades medicinais destas plantas.

Graças aos ensinamentos da medicina árabe, os europeus acreditavam que as especiarias eram uma espécie de panaceia para a longevidade e a cura de todas as infecções. Os médicos passeavam-se pelas ruas da Europa, atulhadas pela peste, levando uma laranja seca especiada com cravo, suspensa muito próximo do nariz!

O comércio português na Ásia atingiu o seu auge no reinado de D. Manuel I e a permanência lusitana na ilha dura 165 anos.

Monopólio da coroa, a canela constituiu, assim, uma das nossas principais fontes de receita, já que o seu comércio era muito lucrativo.

Começámos a ser privados deste monopólio quando, de 1600 a 1620, o Extremo Oriente e as especiarias nos foram escapando quase por completo.

Em 1658, terminou o domínio português em Ceilão e os Holandeses, que nos expulsaram, concentraram ali a produção da canela, impedindo a sua produção noutros territórios.

Forte português em Batecalou (Batticaloa), Sri Lanka (Ceilão)

Mais tarde, a partir de 1796, o comércio passou para os ingleses, quando ocuparam a ilha.

A perda do comércio desta e de outras especiarias levou-nos a promover a sua cultura sistemática em África e sobretudo no Brasil, para onde se deslocou o centro do Império Português no séc. XVII. Seguiu-se uma política económica oposta à de D. Manuel, que proibira o cultivo das especiarias na África e América portuguesas e chegara a ordenar a destruição dos espécies nativas que fossem encontradas e pudessem fazer concorrência ao comércio oriental.

Em África, a cultura da caneleira desenvolveu-se em S.Tomé, para onde que a planta teria sido levada já no séc. XVI, embora não tivesse sido fomentado o seu aproveitamento na altura, pelas razões já apontadas.

João Reboredo





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