NONA ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(LXXXVI – LXXXVII)
O Louletano, 16 de Abril de 2007
Caros Leitores
Devido a questões técnicas surgidas pela alteração de jornal para revista mensal, e a problemas de saúde, não nos foi possível a publicação desta secção a partir de Janeiro de 2006, pelo que retomamos hoje a publicação no ponto em que a suspendemos. Todavia, por falha técnica de revisão, repetimos a página publicada na passada semana tal como a tínhamos idealizado. As nossas desculpas pela indesejada interrupção. J.B.
O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO (6)
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy
Uma das figuras mais válidas da tertúlia era um jovem escritor de contos e novelas cheios de interesse. Tal como o Coelho, usava também outros nomes: «J. Montes de Oca», «Juan L.Guanche», «Peter Tenerife»... era o Padinha.
A força dos seus escritos, estava na verdade que emanava da sua experiência, pois entre outras coisas, havia servido na Legião Estrangeira, tinha sido frade e era na altura um pacato empregado de uma companhia de navegação.
O Padinha alternava as suas novelas com as do grande Raul Correia e outros colaboradores. Uma dessas novelas era passada no norte de Africa.
No nosso grupo havia também um rapaz que nascera em Casablanca e sabia árabe. A pedido do Coelho, escreveu-lhe uma frase nesse dialecto para incluir numa ilustração.
Na semana seguinte, fala para «O Mosquito» um senhor a dizer que não tinham vergonha de publicar uma coisa daquelas num jornal infantil... é que a frase em árabe significava um palavrão. Claro que o Vieira ia mesmo apanhando. Mais tarde consegui adquirir um dicionário árabe para não cairmos em situações idênticas.
Quando Coelho casou, convidou o Hogan para ir a sua casa jantar. Deu-lhe a morada, recomendando atenção, pois a escada tinha direito, frente e esquerdo. E o nosso Hogan lá foi. Tocou à campainha, veio uma pequena abrir, a quem perguntou pelo Coelho e ela mandou-o entrar deixando-o sozinho na sala.
A casa, recheada de móveis antigos, parecia um ovo. Nas paredes retratos de senhores com grandes bigodes; sobre mesinhas de xarão, flores embalsemadas dentro de redomas; no chão, uma pele de tigre espalmada, cuja cabeça parecia olhá-lo com os seus olhos de vidro.
A demonslrar o sentido de humor de Coelho, aqui mostramos o desenho original - em cima [à esquerda neste post] - que serviu para a vinheta de abertura no Almanaque do "Mosquito" 1945. Repare-se junto ao nome do grande escritor e poeta Raul Correia, por quem ele tinha uma especial simpatia, a figura brincalhona que o E.T.C. fez. Claro que como podem verificar - em baixo [à direita neste post] - este boneco foi apagado na impressão.
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O Louletano, 23 de Abril de 2007
O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO (7)
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy
O Hogan estava de boca aberta. E depois de se abismar a olhar os reposteiros bafientos e os pisa-papéis que nevavam dentro quando agitados, uma dúvida lhe assaltou o espírito: aquela não era a casa do E.T. Coelho. Não podia ser. O tempo passava e ninguém aparecia. Tossiu alto para se fazer lembrado, mas nada. Viu que passava muito da hora combinada para o jantar e alarmou-se. Bateu com os nós dos dedos na ombreira da porta do corredor, chamou quase a gritar. O Hogan estava tão impaciente que ao surgir por fim uma senhora, dirigiu-se-Ihe à queima-roupa: - Desculpe, eu estou enganado, não é a casa de Eduardo Coelho, pois não?! Boa noite... e dirigiu-se para a porta da rua para onde saiu ante a surpresa da dona da casa. No prédio ao lado, o E.T. Coelho e a esposa terminavam o jantar, julgando que o amigo tivesse faltado ao convite. Foi uma risota quando ele contou o que lhe acontecera...
O E.T. Coelho fazia os seus vigorosos estudos de cavalos no quartel militar de Lanceiros. Eu desenhava-os na Escola do Exército, onde conseguira uma autorização especial. Algumas vezes íamos os dois aí desenhar os belos exemplares que treinavam para concursos hípicos. Era um trabalho exaustivo, fixando movimentos de saltos, em corrida... e até de quedas, com meia dúzia de traços, em poucos segundos.
Uma tarde saímos de uma dessas sessões de desenho, e como era nosso hábito fomos até ao «Século Ilustrado» onde trabalha o Rodrigues Alves. Como de costume todos nos rodearam na sala para verem os croquis: o Baltazar, o Domingos Saraiva, o Meco.
O mestre Alves sempre efusivo apreciava os desenhos com adjectivos, terminando sempre com uma frase muito sua: - Vocês são umas feras!
Nesse dia ele voltou-se para os colegas do jornal e exclamou: - Os desenhos do E.T. Coelho são tão reais, que até cheiram a cavalo! Todos concordaram. Realmente havia um cheiro a cavalo na sala. Éramos nós, que tínhamos impregnado nas roupas o odor peculiar dos cavalos. Usávamos os mesmos fatos próprios destinados a essas sessões. Claro que ao explicarmos a origem do cheiro, houve gargalhada geral.
Esboços de Eduardo Teixeira Coelho tirados do natural
Digitalizado de ETCoelho, a Arte e a Vida, de A.Dias de Deus e Leonardo De Sá.
Edições Época de Ouro, 1998
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Baseado no conto de Eça de Queiroz
Desenhos de Eduardo Teixeira Coelho
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