NONA ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(LXXXVIII – LXXXIX)
O Louletano, 30 de Abril de 2007
O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO - 8
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy
O Eduardo Teixeira Coelho é um artista que se adapta a quaisquer sistemas ou condições de trabalho. Uma pequena prancheta sobre os joelhos, um frasquinho de tinta-da-china colado a uma madeirinha para evitar entornar-se e ei-lo a trabalhar.
Para «O Mosquito», criou uma técnica de produzir as suas bandas desenhadas: idealizava uma história, e página a página fazia um croquis sucinto, em papel ordinário, ao tamanho da revista, para estudo da composição artística. Só depois desenhava as ilustrações definitivas ao dobro do formato da revista. Nos espaços destinados à inclusão das legendas, ele rascunhava a lápis a ideia do texto, com expressões cheias de comicidade. Então, com essas indicações e olhando os desenhos acabados e cobertos a tinta-da-china, o genial Raul Correia dava largas à sua imaginação, construindo um texto com o seu incomparável estilo tão rico e fluente.
Eis algumas ilustrações das «Lendas das Moiras Encantadas» publicadas na «Formiga», suplemento do Jornal «O Mosquito» N.°s 741 e 746. Era assim que ele enviava os originais ao escritor Raul Correia.
Sob o desenho 1 pode ler-se, pelo punho do artista, as bem-humoradas indicações: O grande diz- Retira-te Pepe duma cana não terás a moça.
No desenho 2: Pepe fulo «avinça» disposto a matar o grande mas o cujo é duro e a lança lasca-se.
Desenho 4: Nada podes comigo idiota, põe-te a andar. Desenho 5: A fugir eu? Quem vai cavar serás tu!
A partir daqui, Raul Correia escreveu então um maravilhoso texto em verso.
Página finalizada. In A Trilogia das Mouras, edição de Manuel Caldas, 1997
Pepe penetra no cujo vale o qual cujo tem à entrada uns animais cujos. Pepe passa sem nada de especial. Este Vale por muitas e desvairadas razões vai chamar-se vale do terror cujo.
Mais uma vez se prova o saudável humor que tão bem caracteriza a maneira de ser deste grande artista.
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O Louletano, 7 de Maio de 2007
O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO - 9
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy
Esta é realmente uma verdade amarga que se repete neste nosso meio tão restrito e fechado aos artistas. Recordo o momento em que este artista chegou à conclusão de que não havia trabalho para si, aqui em Portugal. Poderá pensar-se que a ajuda com que o seu país natal contribuiu para a sua consagração, foi deixá-lo partir. Se tivesse ficado, teria como cu, durante esses 27 anos*, de ter trabalhado em publicidade, capas de livros, desenho de letras, em artes gráficas... especializando-se constantemente em novas actividades, e ao conseguir essa especialização, recomeçar, por se ter acabado o mercado da actividade anterior.
Era nosso hábito rirmo-nos das «sábias» apreciações de certos críticos de arte, que naquela época «botavam opinião», sem nunca terem experimentado pegar num pincel ou num lápis, a não ser para fazerem contas... recebidas. Mas eles é que sabiam. E punham uns «por cima» e outros «por baixo» conforme o seu agrado ou desagrado. Nessa altura, nem falavam na Banda Desenhada; era uma «Arte Menor».
Hoje já se aceita a B.D. Mas as situações repetem-se como há 37 anos*.
O Coelho costumava comentar sobre isso: «Quando o artista morre, a sua obra, boa ou má, fica. Dos críticos não fica nada. Tal como dos seres que morreram há milénios, restam hoje os seus esqueletos, mas dos vermes que os devoravam... nem o pó!»
Por isso ele nunca expôs. Estávamos em princípios de 1947. O Artista Leitão de Barros, genro do Mestre aguarelista Roque Gameiro, organiza um grande cortejo histórico para assinalar as comemorações do oitavo centenário da tomada de Lisboa aos mouros. Ele precisava de um bom desenhador para os trajes e maquetas das inúmeras fases e secções do desfile. Tratava-se de uma evocação da História de Portugal apresentada ao vivo num monumental cortejo, onde desfilavam desde a noite dos tempos, os romanos, os árabes, as descobertas no mundo...
* Texto escrito em 1981-82
Estudo para uma figura do Cortejo Histórico. 20,1x16,4cm
e
"Uma figura do Cortejo Histórico. Desenvolvimento do título de D. Manuel (A índia)". Versão impressa.
"A charola de Santo Eloi dos ourives e a bandeira do ofício da corporação no Cortejo Histórico de Lisboa". (Desenho especial para O Século). 1947. Versão impressa.
"Um Pormenor do grupo da Pérsia: o andor do xá, no desenvolvimento do título de D. Manuel I, no Grande Cortejo Histórico de Lisboa". (Desenho especial para O Século). 1947. Versão impressa.
Imagens retiradas de ETCoelho - A Arte e a Vida, de António Dias de Deus e Leonardo De Sá,
Edições Época de Ouro, 1998
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Baseado no conto de Eça de Queiroz
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